CAPÍTULO ÚNICO.

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Era a madrugada fria de uma quarta-feira chuvosa. As gotas pesadas atingiam o telhado de maneira tão agressiva que poderia jurar superar o barulho da tempestade.

A casa, em si, estava apagada. A única fonte de luz era a que vinha de fora, entrando pela janela enorme que cobria toda a parede e suas cortinas abertas na sala, e a de um celular nas mãos de um homem de cabelos negros como aquela noite. Ele encarava a tela com o mesmo olhar vazio que fizera tantas vezes, uma tortura que ele mesmo obrigava-se a sofrer o quanto fosse necessário. Ele sentia que precisava. Precisava de um lembrete do quanto é horrível. Do quanto merece sentir aquela dor.

As mensagens, de dois meses atrás, brilhavam na tela:

Mesmo?
Eu não entendo.
De fato. Eu não sei o que você está fazendo comigo, esse tempo todo…
Eu mereço mais!!
Mas não importa o que você faça, eu quero você.
e não sei porquê
Não sei…
Por que eu faço isso?
Por que você faz isso??
Eu já não sei mais…
Isso precisa parar.

San cerrou os olhos para a tela mais uma vez, tentando não chorar.
Puta merda, o que ele fez?

A sensação do vazio é algo com o que ele já se acostumou. É como se tivessem aberto seu corpo e retirado tudo o que havia ali dentro. É se sentir oco, se sentir perdido e, mesmo sem nada, o peso ainda era enorme.
Para onde ele iria agora? Ou melhor, onde ele está agora? Ele pensa nas palavras de Wooyoung. Wooyoung, o dono das mensagens. Wooyoung, o homem que ele mais amou na vida. Wooyoung, o sentido que ele achou em viver. Wooyoung, Wooyoung, Wooyoung, Wooyoung…

Wooyoung, que o odeia.

San nunca foi um cara de sentir intensamente. Ele apenas vivia e esperava o que a vida iria proporcionar para ele. Como ele se sentiria com isso, deixaria em segundo plano. E as únicas duas coisas que deixavam com que Choi se sentisse vivo "pra caralho" eram Wooyoung e as drogas.

Apesar de San achar que Wooyoung era como uma droga.

O problema com as substâncias começou em seus vinte anos, quando tudo pareceu dar errado em sua vida. Teve que largar a faculdade, perdeu pessoas importantes da sua família e se viu em uma situação tão crítica que precisava de um meio para escapar de toda aquela confusão que estava sendo sua existência. Ele não queria, pensou que nunca se viciaria em algo que abominou por toda a infância e adolescência. Iniciou-se com um simples cigarro e acabou com todos aqueles comprimidos que o encaravam na mesa de centro. Eles estavam espalhados e muitos deles, fora das suas embalagens.
Era tentador. Algumas horas sem problemas, algumas horas sem fardos para carregar em suas costas…

San se lembrou de quando conseguiu ficar sóbrio por um mês, graças à Wooyoung.

E de como decaiu tão rápido por conta própria.

Wooyoung apareceu em sua vida de maneira repentina.
Eles se encontraram por acaso, em uma véspera de Natal. O garoto baixo e sorridente com um uniforme ridículo que a loja o obrigou a usar com a temática do feriado o ajudava a encontrar o presente perfeito para seus pais. San se perdeu nos olhos castanhos e na risada escandalosa daquele menino e se recusava a sair daquela loja sem duas coisas: os presentes para sua família e, é claro, o número do garoto.
A partir daí, eles passaram a conversar quase todos os dias. Eram coisas bobas, mas confortáveis para os dois. Conversas que geraram encontros, encontros que geraram uma amizade e uma amizade que gerou um amor.

Mas ambos não sabiam a dor que aquele amor causaria.

San sentia que Wooyoung era o que faltava nele. Wooyoung mostrava a vida para San. Se as coisas estavam ruins, ele estava ali, com aquela aura de felicidade que deixava o Choi entorpecido de carinho e significância. Ele não se sentia apenas amado, ele se sentia alguém.

E ele conseguiu estragar tudo.

Ele preferiu esconder seus vícios de Wooyoung, claro. O que funcionou por um bom tempo, até ele ter uma overdose. Foi em uma festa que foi com o próprio Jung, mas acabou saindo de lá com os paramédicos. Seus olhos lacrimejam só de lembrar de tudo se distorcendo, a música ficando abafada e os berros desesperados de Wooyoung preenchendo seus ouvidos.
Quando teve alta no hospital, eles brigaram. Brigaram muito. Como nunca havia imaginado que brigariam algum dia. Quando tudo acabou, Wooyoung chorou aos seus pés como uma criança. San o encarava com os olhos vermelhos por lágrimas, e, pela primeira vez, sentia que precisava dar um fim naquilo. Se o troco por se drogar era perder Wooyoung, não valia a pena. Não mesmo.

San prometeu, olhando nos olhos de Wooyoung, que aquilo nunca aconteceria novamente. E assim o fez.

Wooyoung o distraía da sua necessidade de tomar qualquer comprimido que visse em sua frente. As tardes passavam rápido quando estavam juntos discutindo algum assunto extremamente fútil, como: "Qual filme seria mil vezes melhor se os protagonistas fossem um casal gay?"

— 'Tá na cara que é "Meu primeiro amor" — Wooyoung disse deitado com a cabeça no colo de San, que estava fazendo carinho nas madeixas castanhas.
— Resposta errada. O certo é "Orgulho e preconceito" — O Choi rebateu, e arrancou uma risada do mais novo.
— Que resposta genérica, Choi San, por Deus.
— Você ouviu o que você disse?! — Respondeu fingindo estar magoado com um bico, o que fez Wooyoung rir ainda mais.

Aquelas semanas foram as melhores de sua vida. Nunca conseguiu ficar limpo por muito tempo e estava sendo tudo tão leve…

Agora, o Choi acredita que nunca conseguirá ficar sóbrio novamente.

San teve uma crise em setembro. Uma recaída que veio repentinamente e de maneira intensa. Ele não viu outra saída a não ser perder-se novamente nos seus maiores inimigos, e é claro que Wooyoung surtou.

Foi a partir desse ocorrido que as coisas pioraram. Os dois brigavam, se afastavam e, em apenas alguns dias, estavam batendo na porta um do outro, se enchendo de pedidos de desculpas fajutos e insignificantes, que seriam abafados por beijos e noites em claro. Um jogo que, até então, San estaria disposto a jogar.
Ele não queria machucar Wooyoung, mas não queria se afastar dele. Por mais que esse tipo de coisa afastasse os dois.
Wooyoung o ajudava, o deixava bem, mas ele fugia.
Por que ele fugia?
Ele vai se arrepender para sempre.

É claro que Wooyoung não admitiria aquele jogo de bumerangue por muito tempo. Seus sentimentos por San eram tão claros quanto os do próprio. Ele estava sangrando, mas fazia questão de pegar suas próprias ataduras para conter as feridas de seu coração, se isso garantia continuar com San.
Mas, como o esperado, uma hora aquilo iria cansa-lo. Fazer seus próprios curativos era desgastante. Estava o desgastando e ele nunca havia se sentido tão exausto na vida.
E foi quando mandou aquelas mensagens para San.

O San que está jogado no chão da sala, chorando como um tolo. O tolo que ele é.
Ele conseguiu arruinar a camada de ozônio que era sua vida. Começou por ele, e atingiu as pessoas que ama.
Wooyoung dizia que o amava, e ele definitivamente não merecia seu amor.
O celular agora estava do outro lado da sala, com a tela rachada e desligada.
A noite começou a ficar mais fria ainda.
Ele se encolhia no piso gélido da sala e sentia as lágrimas quentes escorrerem para seu nariz.
Por que ele fez aquilo?
Por que o vazio pesava tanto?

Ele nunca ficará sóbrio novamente.

Ozone - Woosan. (Oneshot)Onde histórias criam vida. Descubra agora