Erik Shio e um aeroporto

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Eu não lembro onde foi que conheci o Erik, mas por alguma razão a gente se seguia no Instagram. Tudo começou em novembro de 2020, quando eu postei no meu story um trecho de "As Ondas", da Virginia Woolf, e ele reagiu com um emoji de surpresa.

"Por que esse rostinho?" – Eu perguntei.

"Cult!" – Foi tudo que ele respondeu.

Aquela interação, porém, não me causou nada além de curiosidade em saber quem era ele, o que me levou a entrar no perfil e me deparar com apenas cinco fotos: uma antiga de Erik adolescente na praia, outra com amigos, a paisagem de um lugar qualquer, ele concentrado em um jogo de xadrez e uma foto vestindo um jaleco. Para minha surpresa, Erik era estudante de medicina e essa coincidência me atingiu um pouco forte. Eu estava bem naquele dia, mas sempre que eu tinha acesso a algo que me remetia a Sainz o meu coração doía. Medicina me lembrava Helena, Helena me lembrava Carlos, e então me vinha uma chuva de pensamentos e emoções.

Pelas características do rosto, Erik tinha descendência asiática. Ele era muito bonitinho, carregava um sorrisinho tímido e usava um óculos que era quase discreto demais para ser notado. Sua bio tinha apenas um "Medicina - Cambridge". Só pode ser brincadeira, eu pensei. Fechei o Instagram e deixei Erik pra lá.

Eu demorei muitos meses para conseguir conversar com pessoas novas depois que rompi o contato com Sainz; desde a última vez que nos falamos, só me dei a chance de baixar o Tinder em junho do ano seguinte. Em minha defesa, essa era a única alternativa visto que estávamos em isolamento social. Confesso que, ainda assim, não havia vontade nenhuma em mim, eu fiz apenas por tentar, pra tentar me estimular e me convencer de que existiam outras pessoas além de Carlos Sainz no mundo. Pensar isso doía um pouco, porque acho que eu queria que ele tivesse sido feito para mim.

Como eu já disse antes, embora meu coração tenha parado de doer com o tempo, o peso em cima do meu peito permaneceu por mais alguns meses. Parece a mesma coisa, não? Mas não é: a dor me machucava, enquanto o peso apenas era tão presente que não me deixava esquecer. Parei de me sentir ferida pouco depois de completar um ano que Carlos me mandou a última mensagem, porém aquele incômodo no meu corpo só foi embora mesmo quase dois anos depois; a diferença é que eu já não me sentia mais tão presa à história e a ausência do espanhol na minha vida não era lá mais grande coisa. Isso significa superar?

Era estranho quando eu percebia que estava esquecendo Sainz, e quando digo esquecer, é literalmente esquecer. Não lembrar mais dos detalhes do rosto e, quando tentar reviver a voz, ela ecoar baixa e distante. Eu nem sabia mais se aquele tom na minha mente era realmente o dele ou se eu apenas havia atribuído a Carlos uma nova voz. Também, antes era muito nítido para mim a nossa diferença de altura, mas um dia eu me dei conta de que a clareza deu lugar à confusão: eu batia no seu ombro ou no meio do pescoço? Na altura do peito, talvez? E quão alto ele era mesmo? De repente eu não me recordava mais se Carlos media 1,76, 78 ou 1,80. E o cheiro dele era outra característica que me fugia à memória. Confesso que, às vezes – só às vezes –, eu olhava seu moletom para ver se me recordava de algum detalhe, já que a peça de roupa também não carregava mais o seu perfume. Eu não chorei nem sofri muito por perceber nenhuma dessas mudanças, no entanto, sentia dentro do meu coração uma agulhada sutil. De vez em quando eu sentia vontade de ler sua carta, porém sempre resisti.

As memórias de Carlos Sainz foram perdendo ainda mais lugar quando comecei a conversar com Erik. Será que o espaço de armazenamento dele tinha sido destinado ao mesmo local de Carlos e então eu teria de substituir um pelo outro, ou era apenas a minha vida se preenchendo com vínculos que valiam mais a pena? Muitas perguntas iam surgindo junto quando eu cedia a esses pensamentos: será que Helena também estava cumprindo a mesma função no coração de Carlos? Será que ele também tinha um apelido para ela? E se fosse Morita? Carlos não faria isso, faria? Será que ele buscava ela para tomar café de manhã? Pensar nisso doía, mas só um pouquinho. Ou não.

Pelo telefone | Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora