Laura estava chocada com a velocidade de como tudo aconteceu. Afinal, levou tanto tempo, quase dois anos, para se decidir... e, em apenas um dia, uma tarde, tudo se resolveu...
Sua advogada – e amiga – tinha explicado que seria assim, desse jeitinho, mas... ela não estava preparada, não estava dando conta de encerrar, em apenas um dia, sua história de 27 anos de casamento.
Seu divórcio tinha sido concluído. Em apenas um dia... Como assim?! Tanta história, tantas memórias, tanto passado encerrados, finalizados, homologados em um só dia???
Laura estava meio atordoada. Aliviada, sim, mas... feliz? Não... Como estar feliz com o fim oficial de um casamento de 27 anos? Bodas de... de quê mesmo?
Achou que teria mais drama, muitas lágrimas e até uma briga... mas, nada disso aconteceu. Um anticlímax total... Flávio se comportou. Ela achou que, como já tinha dado tanto defeito antes, pelo menos no cartório, diante dos advogados, ele resolveu se comportar, ser amigável, afinal. Num divórcio amigável, como era chamado isso...
Porque, durante dois anos, não foi assim. Desde a primeira vez em que Laura tentou começar uma DR pra falar de divórcio, ele se esquivava. Foram meses desviando, deturpando, discutindo por outros motivos para evitar a famigerada palavra "divórcio". Quando ela forçava uma barra e conseguia dizer o que sentia, ele buscava melhorar – ou fingia melhorar - seu comportamento. Aquele sujeito ausente e calado se tornava mais atencioso e interessado nela. Laura caía sempre nas promessas das primeiras vezes... mas, quando a rotina torturante do desânimo e da indiferença reocupava seu espaço em casa, ela se ressentia. E desanimava. E desistia de tentar. E desistia de si mesma.
Foram dois anos desse jogo de esgrima no qual ambos se feriam, mas não se davam por vencidos nem por vencedores. Ele não queria mudar. Ela queria. Ele não via necessidade de melhorar a relação. Ela via. Eles eram amigos, se davam bem, mas não eram mais um casal. Estavam mais pra vibe roommate. Ela queria romance. Ele queria sossego. Ela queria viajar. Ele queria ver TV. Ela queria mais. Ele, não. Nos últimos quatro anos, não havia mais sexo. E ela ainda queria. Já para ele, parece que tanto fazia... E, nesse descompasso, o amor, que tanto os uniu no começo da história, ficou pouco e se acabou.
Os três filhos, que acompanharam tudo de perto, ficaram aliviados. Viam que os pais, separados, eram felizes. Mas, quando se juntavam, era como se carregassem aquela nuvenzinha negra da família Adams sobre suas cabeças. Deprê total. A caçula, claro, sentiu mais. Mas, felizmente, a postura aberta de Laura que, desde o momento em que se decidiu pelo divórcio, quis envolver os filhos nas conversas – afinal, já eram adultos -, tornaram o processo menos doloroso para eles também. Não que tivessem presenciado brigas horríveis, antes pelo contrário. Laura e Flávio não brigavam porque, simplesmente, não se relacionavam, nem se importavam. O cotidiano em casa era tocado pelas necessidades dos filhos, pela manutenção da casa, pelos eventos familiares... eles seguiam anestesiados por uma rotina que não tinha leveza nem brilho nem alegria.
Nas muitas avaliações que Laura fez com sua terapeuta – sim, ela correu atrás de uma terapia, pra dar conta com tamanha mudança na sua vida. E, também, pra ter coragem pra fazer essa tal mudança, claro... - ela percebeu que a dinâmica familiar já era assim desde que os filhos eram pequenos, mas com a rotina pesada de trabalho dentro e fora de casa, dos afazeres com os três, ela nunca havia se dado conta disso. O amor e o cuidado pelos filhos preenchia seu coração. Deixou de ser mulher para ser simplesmente mãe. E, por alguns anos, isso bastou. E foi vivendo meio deixando a vida levar, em vez de ela mesma determinar o rumo que ela queria para a sua vida.
Não que ela estivesse arrependida de qualquer escolha.
Foram 27 anos de uma história bonita, de construção de uma família bonita e saudável. A maior parte dessas quase 30 décadas foi feliz, prazerosa. Seus filhos eram seu maior orgulho, seu coração fora do corpo. Deixou de investir na carreira para se dedicar a eles e nunca se arrependeu dessa escolha.
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Quase 50tona
ChickLitLaura estava livre.... Depois de 27 anos de casamento, depois de três filhos, depois de 49 anos de vida, depois de quase 30 anos de trabalho como professora de Inglês - é muito número..., ela estava livre para fazer o que quisesse. Sem amarras nem o...