Capítulo um: De volta ao meu aconchego.

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27 anos. Quando eu apaguei as velas do meu bolo de aniversário há um mês só consegui pensar nos outros que eram como eu que morreram nessa idade. Eu estava viva, longe das drogas, exceto pelo vinho nas sextas a noite e do cigarro toda vez que eu me estressava, mas estava morta por dentro.

Os shows iam bem, o público seguia fiel, eu ainda ganhava um bom dinheiro por mês, seguia milionária, não tinha dívidas. Mas porque eu não estava feliz com minha música?

Naquele dia eu estava no estúdio tentando compor.

- Vai ficar nessa até quando, Estela? – Perguntou Clara, minha produtora e melhor amiga enquanto eu colocava a guitarra de lado pela segunda vez seguida, aquela era a Laurão, minha guitarra stratocaster vermelha que eu havia aprendido a tocar com meu falecido pai.

Ainda lembro de nós dois tocando juntos Little T&A dos Rolling Stones.

Sentia muita falta daquele velho maluco que achava que era o Raul Seixas.

- Por que eu não consigo compor nada, Clara!? – Eu já estava cansada e estava falando como uma menina mimada.

- Sei lá! Vai dar uma volta na Augusta, vai que você tem inspiração. ­­– Já era 8h da noite eu não tinha composto nada. Ela voltou a olhar o celular com um sorrisinho, provavelmente flertando com alguém. Bufei. Peguei a guitarra e coloquei na capa.

- Vou fazer isso mesmo. Vai sair hoje? – Perguntei enquanto me levantava e colocava a capa nas costas.

- Era o que eu ia fazer antes de você ficar horas no meu sofá dedilhando a Laurão na esperança de criar algo. – Dei uma risadinha. - A gravadora te deu um ano, por que você está tão ansiosa?

- Quero tudo para ontem.

- Novidade... – Dava para ver que Clara me conhecia há anos. Eu e ela estudamos juntas no colégio e ela tinha um dom enorme para criar música no computador, mas era uma negação com coordenação motora. Juro, ela tentou de tudo. Se especializou em mixagem e se tornou produtora da grande gravadora que eu trabalhava. Quando fui descoberta por um produtor, pedi que ela trabalhasse com ele.

Hoje éramos só eu e ela.

- Ó, vou lá. Até amanhã. – Eu disse me despedindo.

- Algo me diz que amanhã você não vai voltar. – Revirei os olhos, ela era cheia das previsões, todas se concretizavam, mas eu sempre insistia em ser descrente. Fechei a porta do estúdio e fui até o carro deixar a guitarra. Eu tinha um ano, mas precisava de tempo. Eu queria que esse novo álbum fosse hit. Numa época em que não se fazem mais músicas para novela que conquistam o Brasil todo, e foi assim que eu me tornei uma estrela com apenas 15 anos, tudo era mais complicado. Hoje em dia tinha essa porcaria de Tiktok e as únicas bandas de rock que pareciam bombar nele eram as estrangeiras como Maneskin e Arctic Monkeys e as de brasileiros mortos.

Sentei-me no banco do carro, coloquei as mãos no volante e respirei fundo. Liguei o rádio do carro e começou a tocar Gimme Shelter. Meu pai amava os Stones, era impossível não lembrar dele e como eu queria que ele me desse abrigo naquele momento.

Meu pai faleceu de câncer de boca devido ao fumo excessivo, lembro de como nossa casa fedia a Marlboro vermelho e como esse cheiro foi se dissipando com o passar dos anos. Meu velho era um homem de São Paulo capital, tinha a fama de ser o melhor advogado trabalhista de todos os tempos. Minha mãe o conheceu enquanto fazia faculdade na USP.

O pai morreu quando eu tinha 20 anos, sete anos se passaram e eu fico pelo menos feliz de que ele tenha visto meu auge. Quando ele estava em fase terminal, lembro de ter levado ele para tocar Start Me Up num show comigo. Ele fez sucesso no show, inclusive gravamos para colocar no Youtube.

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