V. O sabor das lagostas.

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Província de Gyeonsang, Jeju. 26 de setembro, 2002.

⁖ Im Nayeon

Assim como haviam me prometido, descemos do ônibus e as meninas sumiram do mapa. Sobrou só nós duas. Uma maluquice boa. Àquele ponto, depois de algumas horas compartilhando o mesmo oxigênio, eu já não sentia o nervosismo de me comunicar. Mas se me olhasse demais, com certeza... sem duvida alguma... meus batimentos diminuiriam o ritmo. Decidimos então por ir até a praia. Era um dia nublado; não tão quente a ponto de nos despirmos, não tão frio a ponto de nos agasalharmos. Certamente mais tarde choveria.

Por isso, retiramos apenas os sapatos e descemos da calçada — de costas para a cidade e de frente pro mar. Ventava forte em Jeju naquele instante. Dei passadas largas de encontro a faixa entre a água e a areia. Senti sua sombra se distanciar, o cheiro do perfume ficar longe. Ela havia parado de andar. Olhei pra trás e rapidamente a capturei com o olhar de novo: estava agachada, pegando algo ainda não identificado enquanto fazia uma conchinha com as mãos. Tinha uma atenção doce voltada a aquilo que eu não reconhecia a primeira vista, mas que por ter sua ternura clara, até em seus movimentos, me despertava uma curiosidade imensa.

Eu, que nunca traí as ondas, escolhi ficar na areia primeiro, só dessa vez. Voltei os meus passos. Perto de você, ao seu lado, encostando os ombros. Era uma tartaruguinha dentro da sua proteção. Uma tartaruga bebê, que espichava o pescoço e se encolhia como na marcação de bpm/s de um metrônomo. Estava protegida com você.

— Por que a pegou? — Perguntei.

— Um senhor quase pisou nela. Não percebeu ela na areia, é muito pequena. — A tartaruguinha se espichou outra vez pra ela, quase como concordando, agradecendo. Estava começando a ficar com ciúmes daquele tento todo. — Vamos colocá-la no começo da maré. Se a mãe a abandonou é porque sabe que ela já está capaz de vagar sozinha. — Concluiu.

"Se a mãe a abandonou é porque sabe que ela já está capaz de vagar sozinha." A frase se desembaraçava, diluía-se vagamente nos meus pensamentos. A tartaruga, mesmo que de maneira triste, contando com o seu recém "abandono", precisaria se recompor e aprender, solitária — a nadar, caçar e viver. De maneira inesperada, passei a enxergar aquele pequeno casco de maneira ainda mais cautelosa. Culpa dela, e de seus modos doces. Que se escondia também em um casco, um de durona.

Eu queria ser a pessoa que recebe esse olhar quente, afetuoso. Queria estar nas suas mãos como a tartaruga, mas, de maneira alguma, queria ser deixada por você à beira mar, como iremos fazer com a ovípara. Nunca, em qualquer hipótese, ser abandonada. Não outra vez.

Nossos ombros enfim se descolaram. Caminhamos em harmonia e a libertamos. Toda aquela cena era bonita. Coisa de filme. Emitiam um som calmo; as ondas batiam, e o vento balançava cada vez mais aquele cair contínuo. De repente, você tocou meu braço e saiu correndo, — como quem diz "Venha. Venha e me pegue." — segurando os calçados nas mãos assim como eu. As passadas ficavam ainda mais difíceis de alcançar. Estávamos contra a ventania, meu diafragma se enchia de ar. Minhas risadas me impediam de ir além.

— Eu não consigo mais, Jeongyeon! Para... para de correr. Fique bem aí ou vem até aqui me buscar. — De cima de uma pedra enorme, ela me mirou, desconfiada. — Ei! Em outra vida você foi corredora? Volta! — Gritei mais uma vez. Um sangue mais fervoroso corria em minhas veias, traziam uma vontade maluca de te dizer que estou apaixonada. Ou ir até você e te empurrar de volta. Preferi esperar que você tivesse compaixão dos meus problemas respiratórios e viesse me buscar.

— Se eu for até aí e te carregar até a tendinha, você vai pagar o nosso almoço, Dentinhos! — Ordenou, retirando de mim um sorriso seguido de uma risada anasalada; incrédula.

Diante de Você - 2YEONOnde histórias criam vida. Descubra agora