Eu quis escrever uma fic de Natal bem doida porque precisamos de histórias de Natal lésbicas. É isso. Eu acho que a lógica deveria ser essa mesmo. Uma doidona. Eu brinco com estados. Não levem para o pessoal.
O cheiro do Natal é uma coisa maluca. Nós sempre sabemos quando o Natal está chegando porque o ar fica aquele cheiro interessante no ar. Aquele cheiro diferente. Aquele cheiro que não dá pra explicar o cheiro, mas você sabe qual cheiro é. Ele surge bem no fim de novembro. Talvez seja o cheiro do fim da primavera, chegando o início do verão. Quando as frutas começam a aparecer e as flores estão indo embora. Os passarinhos já namoraram. Os animais já namoraram. Agora, estão gravidinhos ou com ovinhos em seus ninhos. Os vagalumes estão voando. As chuvas molham dia sim, dia não. Aquele calor. A gente sabe que aquele cheiro que surge bem nessa época é de Natal. Você sabe que os panetones estão nas prateleiras, os presentes estão sendo comprados na Black Friday com preços de descontos falsos. E esse cheiro dura até o Natal. Um mês certinho. É o cheiro da chegada do Natal e você sabe qual cheiro é. Você sente ele assim como eu sempre senti. Você sabe, eu não preciso descrever. Você apenas sabe. Assim como eu apenas sei.
Eu estava deitada no meu quarto e olhava para a árvore de Natal branca com bolas azuis e prateadas. Haviam sinos em toda parte. Os sinos e as luzes piscando. Minha mãe não me deixava pendurar luzes pela casa. Eu pendurei luzes no meu quarto para ver as luzes de Natal. Os tempos não eram como antes. Antigamente, as luzes estavam em todos os lados e eu pensava que precisava de mais luzes no Natal. Eu esperava por mais cor e luz no Natal, mas os tempos eram outros. Não tinha mais cor pela cidade. Os tempos mais pobres no Brasil não impediam que as luzes fossem vistas por todos os bairros. Os bolos eram grandes nos aniversários e a gente podia levar um pedaço para casa com muitos docinhos, naquela época. Eu pensava que, naquele momento, não tinha mais isso. Eu cresci indo em aniversários simples feitos com muita fartura, até mesmo nas famílias humildes. Os pobres sempre davam um jeitinho. Mas tudo mudou, as crianças passaram a ir em aniversários com docinhos contados e bolos pequeninos que nem davam pra todo mundo comer. Não tinham mais bexigas pra levar pra casa. Não tinha mais balão grande com brinquedinhos e farinha de trigo dentro pra estourar e as crianças pegar. A gente pegava aquelas línguas-de-sogra estragadas ou apitos de plástico simples pra assoprar e fazer barulho em casa o dia todo. Tinham balinhas ou chicletes duros. Tinha muito cachorro quente ou vinagrete pra comer. Muito brigadeiro e beijinho. A gente brincava e corria, enquanto comia. A gente roubava os docinhos da mesa até ser descoberta e levar um fumo daqueles. E o Natal era sempre algo em família. Os primos vinham de São Paulo pra passear e brincar com a gente por uns dias. A gente brincava de pular corda, pique-esconde, cola-cola, elefantinho colorido, estrela-nova-cela, pega-pega... Eram tantas brincadeiras. Jogar bola. Brincar de polícia e ladrão. Eu odiava brincar disso sendo ladrão porque eu odiava ficar presa. E o pavor da mesa não era a uva passa. O terror da mesa era a tia de São Paulo que inventava de fazer cuscuz. Como eu odiava aquela coisa horrível! Tia, te odeio. Ah, que saudades eu sentia enquanto olhava aquela árvore solitária em meu quarto solitário!
Faltava uma semana para o Natal e eu me sentia sozinha e vazia por dentro. Talvez, o Natal não seja feito para todos. Era o que eu pensava, enquanto ouvia músicas aleatórias numa rádio qualquer no Spotify de algum artista qualquer. Eu podia ser sozinha, mas aquele era meu lugar. Eu, minha árvore, minhas luzes e minhas músicas. Mas fazia falta alguém pra conversar. A gente se torna adulta e tudo o que resta é o trabalho e a solidão. O celular vazio de mensagens. Os amigos agora são pais e mães. Eles têm as próprias famílias. Antes, a gente saía pra andar por aí, sentar em um canto e beber uma bebida, fumar um escondido da polícia. A gente achava engraçado ver os olhos preconceituosos. As vezes, até provocava alguns que olhavam. Depois ríamos relembrando até não lembrar mais e relembrar num dia qualquer no meio de uma conversa numa lanchonete comendo um pastel com suco de laranja ou tomando um sorvete daquele de bola naquela casquinha pobretona. Eu sentia falta disso, mas entendia que andar por aí já não era pra minha idade. Os vinte anos chegam pra todo mundo que sobrevive. E haviam chegado para mim. Minhas amigas tinham outra vida e eu também tinha. As conversas eram curtas e nada frequentes. Ainda éramos amigas? Ah, sim! Pra sempre! Mas não era mais como antes. Você não é convidada para a ceia de Natal da casa da sua amiga quando ela tem uma família. Você que se vire pra ter sua própria ceia. Apenas amigos solteiros procuram ter ceia unidos. Todos se unem na sua solidão.
A solidão do meu apartamento na zona pobretona de Belo Horizonte era diferente do que os paulistas e cariocas gostavam de falar. Não haviam galinhas e cavalos andando por aí como eles gostavam de falar sobre Minas. E também não tinha pão de queijo em todo estabelecimento. Mineiros amam queijo, é verdade. Mas não era todo mundo que consegui comprar. A gente comprava muito docinho de leite do vagabundo. Aquele doce que vinha de São Paulo. Aquele que tinha gosto de ranço. Se tem gosto de ranço, pode olhar, é feito em alguma cidade de São Paulo. O doce de Minas, o verdadeiro doce de leite. Era aquele que te fazia flutuar e sentir sua alma sair voando por aí. Os doces de leite de qualquer lugar de fora de Minas jamais te fariam sentir isso, eu posso te garantir. O verdadeiro doce era o mais caro. Aquele doce de compota que você compraria no vidro bonito feito na roça. E tinha aqueles docinhos quadradinhos que você mordia e derretiam na sua boca. Só o mineiro sabia fazer, mas não era qualquer um que conseguia comprar. Eram caros porque eram gostosos. Os baratos eram os baratos porque eram os ruins. Eles não custavam cinquenta centavos na venda do Seu Zé. Os de cinquenta centavos... Aqueles eram os doces vindos de São Paulo com gosto de ranço porque paulista não sabia cozinhar. Era só ver como eles faziam aquela coisa horrível que eles chamavam de cuscuz. Eu nem sou nordestina, mas eu sabia e sei que aquilo é um afronte da ruindade. Lá em São Paulo, eles possuíam uma coisa chamada de viradinho que era aceitável. Em Minas, nós tínhamos a rapinha. Você fazia arroz e feijão esquentadinho e comia aquela rapa que ficava no fundo da panela. A gente amava comer aquilo com laranja. Pegávamos a laranja e cortávamos em cubinhos e comíamos com uma pitadinha de sal. Essa era a receita certa na casa de todo pobre de Minas. Nós amávamos. Paulista tinha nojo de comer fruta na comida. Nós amávamos. Eles falavam que era coisa de velho porque eram enjoados. Comiam aquele cuscuz horroroso e ainda queriam falar do gosto da comida dos outros. Quem não amava er porque era enjoado. E eu era muito feliz comendo minha rapinha com laranja cortadinha. Quando a gente é pobre, a gente come o que tem sem reclamar, sabe? Come quiabo. Come orapronobis. E mineiro ama essas duas coisas que os outros lugares odeiam. Talvez, por isso, a comida de Minas é a melhor do Brasil. Nós sabemos ter gosto certo pra comida boa de verdade. Mas enfim... Eu era feliz e triste em minha vida nos meus vinte e poucos anos. Sentia falta das coisas como eram antes. Mas sabia que tinha uma vida razoável, até. Só faltava o dinheiro pra comprar um queijo Minas e comer com um doce de leite de compota. Ou molhadinho no café.
O Natal era solitário, eu já disse. Eu sei que já disse! Minha mãe morava numa casa. Ela não aceitava luzes por lá. Eu enfeitava meu quarto do meu apartamento simples porque eu gostava das luzes estando onde eu ficava. Assim, eu me sentia iluminada pelos brilhos pisca-pisca. O meu quarto era o puro Natal. Era como se eu fosse Natal por dentro, ali, deitada naquela cama e fumando um. Isso me deixava feliz em meio à minha tristeza. Eu sabia que agia certo comigo mesma deixando aquelas luzes e aquela árvore no meu lugar de aconchego. Eu poderia deixar na sala, mas não tinha sala. Tinha uma cozinha e um quarto. Também, um banheiro. Algo simples e cômodo só pra mim. Pra eu ter a minha liberdade. Aquela liberdade que a casa dos nossos pais não tem. Que eles nunca nos dão, jogando em nossas caras que tudo ali é deles.
Eu vi que já passava da meia noite quando me levantei e fui ao banheiro. Já iria me deitar pra dormir. Acordaria cedo para trabalhar. Não era nada bom chegar atrasada em época de Natal. A loja não aceitava isso. Era uma época muito movimentada. Eu precisava estar atenta ao meu serviço. Época de muito roubos. Época de muitas vendas, muita movimentação. O Natal era uma loucura pra quem vendia. Uma loucura de vendas e maluquices de compras. Clientes no Natal eran loucos, saiba disso. E nós devíamos ter paciência redobrada porque os lucros eram mais importantes do que se magoar com as palavras ríspidas de pessoas com dinheiro. Não importava sua fonte de renda. Se era uma barraca de verdura ou se era uma indústria enorme... Clientes que se achavam donos da razão eram sempre arrogantes quando achavam que mandavam em seu serviço. Haviam pessoa que trabalhavam com venda e sofriam absurdos. Depois, iam fazer absurdos com outros vendedores porque achavam que podiam. Eles pensavam que se podiam sofrer, podiam fazer outro sofrer. Então, eu precisaria dormir logo pra não estar cansada de manhã. Assim, eu poderia dar mais atenção aos clientes sedentos. Eu deveria estar dormindo há horas. Essa era a verdade.
De qualquer forma, saí do banheiro com aquela cara de quem quer morrer a ter que dormir e depois acordar pra trabalhar em poucas horas, quando me deparei com uma figura pequena vestindo roupas masculinas, um boné e me encarando com olhos sérios. Pensei, pronto, um ser com nanismo invadiu meu apartamento e veio me roubar! Hoje em dia, ninguém mais pode esperar nada das pessoas. Até pessoas nanicas estão cometendo crimes à meia noite.
- O que quer? Pode levar tudo. - Eu disse, pensando se seria uma má ideia apenas dar um chute na pessoa, já que ela não tinha nenhuma arma na mão, mas sabe como é? Poderia ser visto como um ataque à minoria com nanismo e a internet descobrir e me cancelar. Não se sabe nunca como a internet vai reagir. Ainda mais em dois mil e dezoito, após Bolsonaro vencer as eleições e todo mundo pensando que deveríamos dar as mãos uns aos outros e não sair chutando pessoas com nanismo invadindo seu apartamento à meia noite.
- Oi, Sam. Eu vim te buscar. Papai Noel me mandou. - A criatura sorriu como se fosse a maior novidade já dita.
- Sai fora, maluco. Tu tá é cheirado nas drogas. O bagulho foi é doido, foi? Vem, não. Vai embora, senão eu chamo a polícia. - Eu encarei aquele homem pensando que o bichinho deveria ter fumado um bem do vencido e deveria estar alucinando loucamente.
- Não é nada disso. Eu vim te buscar... - Ele insistiu.
- Tá bom, meu querido. Olha, vamos lá com o Papai Noel. - Eu saí andando e puxando ele com delicadeza pra internet não me xingar de preconceituosa e me cancelar. Abri a porta do meu apartamento e coloquei ele pra fora, fechando a porta na cara dele.
- Eu não vou a lugar nenhum. - Ele apareceu na minha frente quando eu me virei de frente para meu fogão.
- Ah! - Gritei de susto. - Seu louco, tarado! Invadir a casa de uma mulher solteira e indefesa... Meu Deus, acho que fumei algo hoje que não me fez bem. Eu tô doidona. Eu tô alucinazida... Alucinada!
- Calma... Tome, coma esse biscoito. - Ele me dá uma bolacha em formato de menininho.
- É bolacha, por favor. Aqui não é o Rio. - Pego a bolacha e olho, depois olho para ele já aceitando que tô doidona e deveria apenas deixar e viajar na marijuana que eu fumei mais cedo.. - Você sabe que é crime invadir o quarto de uma mulher, né?
- Ah, sei. Mas eu sou mulher. - O cara falou.
- Com essa voz de homem? - Eu pergunto.
- Está sendo transfobica. Pra uma lésbica, você é bem preconceituosa. - Ele... Ela falou com certo desdém.
- Meu Deus, eu tô levando esporro de uma visão da minha loucura. Isso que dá eu ficar olhando árvore de Natal sozinha depois de fumar um. Nunca mais compro essas parada do Pescoço. Isso que dá comprar marijuana de um traficante chamado Pescoço. Quem tem apelido de Pescoço? Olha aqui... - Aponto para ela. - Eu tô vendo uma pessoa com nanismo que diz que é mulher e trans, mas se veste como homem e tem voz de homem. Como eu ia saber que era mulher? Eu deveria ir tomar outro banho e dormir porque eu preciso trabalhar. Eu mato o Pescoço!
- Eita, me vesti errado! Peço perdão. Assim está melhor? - Ela passou a vestir um vestidinho rosa bebê com saltinhos altos de pessoas pequenas e os cabelos ficaram mais femininos e sem boné.
- Claro. Muito melhor! Mas poderia continuar daquele jeito. Eu já tinha entendido que você é uma mulher. Iria respeitar seu gênero. - Sorri pra mostrar apoio à comunidade e não ser cancelada por querer dar um chute e também por parecer transfobica.
- Certo... Precisamos ir. Seu pai está morrendo e mandou te buscar. - Ela afirmou parecendo ter certa urgência.
- Não... Claro. Vamos lá... - Eu aceitei porque não iria passar a noite brigando com a brisa que a maconha me deu. Eu já tinha entendido que a chance de sair daquela brisa era zero.
- Segure na minha mão. Eu vou te levar para o Polo Norte. - Ela estendeu as mãozinhas pequenas e eu peguei. Quando vi, senti um frio na barriga, enquanto tudo desaparecia como na descrição da aparatação de Harry Potter. Achei que tava vendo um Dobby me levando pra passear. Um Dobby, não. Uma Winky. Na verdade, era um Grampa. Que legal, eu pensei! Só a Jk que não gostaria disso. Mas duendes em Harry Potter tinham namoradas? Não me lembro de nenhuma duende naquele livro maldito. Eles faziam filhos na chocadeira? Ou eles se comiam e engravidavam? Questões...
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Snow On The Beach (REPOSTAGEM)
FanficO Natal está aí... É uma fic que eu fiz pra brincar comigo no Natal porque eu estava um pouco triste. Não levem tão a sério as piadas, mas o final eu fiz um pouco bonitinho. *Eu sou autista, o que me faz sentir e escrever sobre o amor de uma forma d...