Preparo-me para entrar no bloco. Antes, passo os olhos na tela do meu celular para ver se há alguma mensagem ou chamada perdida, mas nada. Nem um sinal daquele covarde. Respiro fundo e entro para o bloco cirúrgico, o paciente já está preparado.
— Hora do show, pessoal! — Estendo a mão, recebendo o bisturi, que manuseio com total maestria, dando início a mais um procedimento que entrará para a lista de muitos.
Escolhi a ortopedia por dois motivos. Sou apaixonada pelos ossos. Acho uma obra de arte as diversas formações que tem cada um deles. O outro é ter o poder do martelo.
Calma, gente, não estou louca, é isso mesmo. Quando estou com raiva, ansiosa ou me sentindo com vontade de matar alguém, ao invés de salvar, eu pego o martelinho e vou para a sala de gesso, onde tenho total acesso. Quebro tudo o que meus braços conseguem, não há terapia melhor, é libertador. É como se, a cada martelada, um demônio fosse embora, dando lugar a paz e a tranquilidade em meu coração.
Neste momento, tenho uma vida em minhas mãos, e penso na sala de gesso. Olho para o pobre homem ali deitado, totalmente indefeso, e imagino o John quando esteve na mesma situação, e no porquê de eu não o ter levado a sala de gesso para quebrá-lo ainda mais ao invés de consertá-lo.
Deus, eu só posso estar ficando louca, Johnata Wilder está me deixando louca! Eu jamais mataria alguém. Talvez só o machucaria um pouquinho, pois bem que ele merece.
Noivo... Quem ele pensa que é para estar noivo de uma, e se declarar para outra? Principalmente quando essa outra sou eu! Me aguarde, Johnata... Sou arrancada dos meus pensamentos pelo bip desesperado do aparelho que mede a frequência cardíaca do meu paciente.
Paro imediatamente, encarando o Dr. Bruno, o médico que me auxilia. Ele rapidamente corre a examinar as pupilas do homem, e diz o que eu não gostaria de ouvir.
— Dilatadas demais, Doutora.
— A tomografia que ele fez antes de entrar para o bloco já ficou pronta? — Indago preocupada, pois estou longe de acabar a minha parte do trabalho.
— Sim, e já foi encaminhada ao neurologista que assumiu hoje.
Por um momento, penso em Guilherme, e no quanto era divertido dividir uma SO com ele.
— Pois então podem chamá-lo, não posso parar aqui por muito tempo.
A porta se abre atrás de mim, e um calafrio percorre por todo o meu corpo.
Eu definitivamente não estou normal. No mesmo instante, o cheiro gostoso da fragrância francesa de Azzaro pour homme que me é tão familiar toma conta do lugar.
Não posso acreditar, sinto uma alegria invadir meu coração, meu sorriso mal cabe em meus lábios de tão grande que é. Passando por mim sem parar como eu gostaria, ele sussurra baixinho:
— Oi, bonequinha! — Sua voz é rouca e baixa. Sem reação, permaneço parada com as mãos para cima, e o vejo assumir o controle da SO.
— Pelo resultado da TC que foi feita no paciente, posso afirmar que há um coágulo de sangue bem considerável no cérebro dele. Preciso drenar o quanto antes. Podemos começar, Dra. Vasconcelos? Aposto o jantar como termino antes de você!
— Desafio aceito, Dr. Avery!
E em completa sintonia, trabalhamos. Ambos suturamos os cortes e erguemos as mãos.
— Terminei! — Falamos ao mesmo tempo e caímos na gargalhada.
A equipe de mais ou menos oito pessoas que nos auxiliou nos aplaude, e ele me puxa para os seus braços em um abraço cheio de saudades.
Ficamos ali abraçados por um longo tempo. Faz apenas algumas semanas que ele se foi e parece que não nos vemos há anos. Sem nenhuma cerimônia, ele me pega em seus braços, me carregando para fora da sala, com os olhos fitados nos meus, me levando direto para a sala de descanso. Lentamente, e sem quebrar nosso olhar, ele me coloca de pé, mas continua com as mãos segurando em minha cintura, enquanto eu enlaço-o pelo pescoço, colando minha testa na sua.
— Guilherme...
— Koany...
— Por que você voltou? Pensei que só o veria daqui a um ano.
— Porque descobri uma coisa que me obrigou a voltar o mais rápido que eu pudesse.
— Eu senti a sua falta.
— Eu morri mil mortes longe de você.
Aperto mais seu corpo ao meu enterrando minha cabeça em seu pescoço, me embriagando em seu cheiro delicioso e esquecendo por um instante de toda a bagunça que se encontra a minha vida. O cansaço me toma e um bocejo me escapa sem querer. Rimos novamente.
— Você está com uma aparência exausta. Venha, descanse um pouco e mais tarde nos falamos. Vou monitorar o Sr. Marcone até que ele acorde. Durma um pouco, bonequinha linda, e esteja ainda mais linda para me pagar um jantar, afinal, você perdeu.
— Trapaceiro é o que você é... Nós empatamos, terminamos juntos.
— OK, ninguém paga nada e eu cozinho para você.
— Aí eu gostei!
Já faz algumas horas que saí do banho e ainda nada do Gui aparecer, ele nunca deixaria de cumprir uma promessa, a menos que... Será que ele conheceu alguém lá na África e a trouxe com ele? Para Koany, sem mais paranoias, já deu por hoje. Senti muita falta da companhia do meu amigo e, sem que ninguém me ouça, eu digo: o sexo com ele é diferente de tudo o que eu já vivi com o Johnata.
A menção de seu nome em meus pensamentos me faz lembrar que ele ainda me deve uma boa explicação pelas fotos nos jornais e o noivado com a metida da Kate. Mas hoje não. Hoje eu quero apenas curtir a companhia do meu Dr. gostosão e matar as saudades. Mas o que eu estou dizendo? Eu nunca o chamei deste jeito. Rio sozinha feito uma louca e dou um pulo quando ouço o toque da campainha.
Meu sorriso se alarga, e eu corro a abrir a porta.
— Até que enfim, pensei que morreria de fome esperan...
— Você?
— Precisamos conversar!
————————————
VOCÊ ESTÁ LENDO
Uma paixão sem limites (Completo)
RomanceO livro retrata a história de uma jovem inexperiente e sonhadora, vivendo em um mundo totalmente limitado pelas exigências conservadoras do pai. A descoberta e a entrega do primeiro amor a levará a um universo desconhecido e cheio de emoções avassa...