No mercado, todos viam ele, Astarco, que estava ali se banhando no poço, estava no calor do verão. Ele olhou para as pessoas, pegou seu odre e bebeu. Então disse:
- Tomem nota, somos somas de nossas virtudes, aquele que é capaz de enxergar suas falhas, ainda está na metade da estrada. Uma mulher, então, incomodada com a nudez do velho homem diz:
- Não tenha vergonha de estar assim, aqui no mercado!? Astarco, calmamente, pegou sua robe surrada e falou:
- Não tenho vergonha do meu corpo, pois ele não tem a maldade do deus Eros, eu superei suas amarras, mas tenho vergonha se causei mal a você, portanto quero te ajudar com as talhas de água. O velho pegou as talhas e as encheu de água, ajudando a mulher a levá-las para casa.
Ao chegar em casa, Astarco disse:
- Eu não terminei, preciso perguntar, existe mais algo que possa servir, minha dama? A mulher ficou incomodada, então perguntou:
- Porque se admite isso? Astarco respondeu:
- Percebo que minha ofensa foi paga, por isso agradeço e vou responder sua pergunta. O benevolente não aceita estar em débito, portanto, se causei mal, estou pagando. A mulher ficou curiosa e perguntou:
- O senhor se considera benevolente? Astarco respondeu rispidamente:
- Não, senhora, eu não posso ser algo que não dominei. Seria como andar a cavalo sem ter dominado todos os animais da fazenda. Não posso me chamar de cavaleiro até ter dominado todos os assuntos da benevolência. E ainda digo que, mesmo que domine, não posso ser completamente benevolente, pois para isso é preciso que toda a sociedade seja assim. Até lá, eu preciso seguir conforme as pessoas ao meu redor, e ser como o lago, benevolente apenas em sua superfície, sendo guiado por outras virtudes.
A mulher então questiona Astarco. Ela está completamente curiosa e parece não ter companhia em casa.
- Eu vou trazer pão. Sei que não é muito, mas pode me explicar mais sobre as virtudes e a benevolência? Astarco respondeu:
- Aceitarei com prazer. Mas advirto que não sou comprável. Vou explicar sobre isso pois vejo sua angústia e quero ajudá-la. A mulher foi à cozinha e pegou um prato com pães e queijos de cabra, também pegou geleias de fruta e olhou para o velho, que poderia ser seu pai. Astarco mordiscou o pão e disse:
- Minha senhora, a benevolência é a soma da honestidade e da humildade. Um homem humilde aceita a correção e busca o aperfeiçoamento. Ele não é escravo dos outros nem mártir do mundo. Ele sabe como é o seu coração e está em acordo com suas ideias. Sendo honesto, ele não toma nada que não lhe pertença. O velho senhor fez uma breve pausa, comeu mais um pedaço de pão e continuou:
- Ser honesto é difícil, pois neste mundo temos uma resistência, algo natural que permeia tudo. Tudo que fazemos existe uma força contrária. Ser honesto às vezes pode ser confundido com inocência ou até ignorância. Mas eu digo que ser honesto é algo vital para a manutenção das virtudes. O homem honesto pode dormir à noite, pois nunca estará em débito com os deuses. Ele dorme apoiado em sua fortuna. A mulher pergunta e serve vinho para ele:
- Como ser honesto se o mundo é tão corruptível? O velho pega o copo e fala para a mulher:
- Como disse, tal tarefa é dura, como a do lavrador. Ele tem que cultivar os campos, tirar as pedras, cuidar do solo. Nenhuma planta consegue crescer sem seu esforço. A honestidade é como seu trabalho. Muitas vezes temos gafanhotos em nossas vidas, mas todos os dias temos que continuar. O plantio e a colheita nunca acabam. Astarco fez uma pausa, molhou a garganta com o vinho doce e depois seguiu seu discurso:
- Antes de ser honesto com o mundo, tens um compromisso que não pode deixar para depois. A mulher olhou com perfídia e Astarco percebeu. Então disse:
- Senhora, o compromisso que tens é contigo. Para ser honesta, primeiro devemos ter honestidade com nosso coração. Reconhecer nossos erros e falhas, ser gentil com nosso íntimo, não nos cobrar mais do que o necessário, nem causar sofrimento interno. A honestidade interna permite iniciar uma reforma estrutural em nossas vidas, mas nem todos querem mudar por completo. Às vezes, os vícios provocados pela socialização podem dificultar a tarefa, pois vivemos em sociedade e, às vezes, é necessário seguir os desejos dos outros para que possamos conviver em harmonia. Astarco percebeu que ela estava descaradamente cortejando o velho senhor, mas ele não fez nada, apenas seguiu seu raciocínio, como um cego se orienta pela bengala. Ele pigarreou e continuou:
- Após isso, faz-se necessário ser honesto com o mundo, evitando ao máximo que suas ideias saiam da linha das virtudes. Também vos digo que aquilo que a mente cria deve estar em compasso com o que a boca elimina. Suas palavras devem ser iguais ao que acredita e pensa. Se não puder falar nada, não diga, pois palavras são por si só sagradas. Alguns não merecem suas palavras, outros merecem o silêncio. Mas nunca deve ignorar ninguém, pois isso é manifesto da arrogância e uma contraparte da humildade. Seguindo as virtudes, tudo é mais claro e verdadeiro, pois o sábio sabe ajustar seu discurso. Ele escolhe aquilo que é mais oportuno, sem pisar no mais belo discurso, pois digo que a oratória é o mal do mundo. De que adianta o discurso que encanta, se está cheio de falácias e mentiras? Ele seria belo, mas sem base ou fundamento, como uma casa que, ao chegar o inverno, desmoronaria com o primeiro vento.
A mulher então perguntou, tomada pela paixão, como se Cupido o tivesse tomado seu coração. Então ela disse:
- Compreendo. Diga seu nome, bravo sábio. Eu sou a princesa Psique, filha de Aragonita e Caio Macedônio. Posso te dar tudo o que precisa para conquistar mais devotos. Astarco então soube que os deuses tramaram contra ele. Como ele sairia dessa? Ele refletiu e depois disse:
- Sou Astarco, sou do mundo e já sou casado com Sophia, minha amada. Mas não se preocupe, ela me permitiu falar com sua meia-irmã. Agora reconheço sua face e, portanto, devo respeito. Pergunto, podemos conversar por mais tempo?
Astarco então se apegou a Psique e dela fez uma amizade. Uma que na qual ele ensinaria e buscaria compreender suas paixões e ansiedades.
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Os discursos de Astarco
Nouvellesuma coletânea de discursos filosóficos em formato de contos, onde o personagem Astarco, vive como um mendigo na era de Roma, questionando o sistema e o pensamento da época, com muitas metáforas, será que seus discursos podem ser usados hoje em dia ?