As crianças já estavam quase completamente adormecidas sobre seus quentes cobertores de pele, tão fofo quanto suas bochechas avermelhadas pelo frio fatalmente belo e poético de Sneshnaya, nenhuma palavra descreveria o quão doce era o toque mortal do gelo em sua pele desprotegida - até mesmo o mais forte dos homens não resistiria ao beijo da neve. Entretanto ali estava A Serva em sua lareira cheia de crianças onde nem mesmo o frio do início da noite poderia tocar, ela os servia bebidas quentes e os enviava para cama cedo com histórias para os ajudarem a cair no sono facilmente, porém atendendo ao pedido de uma de suas crianças, essa noite teríamos uma história de terror contada pelos mais antigos moradores da nação dos corações perdidos entre a vasta neve. Folheei o livro em mãos, limpando a garganta e iniciando a história, uma lenda local.
── Snezhnaya possuía uma névoa densa e congelante todas as manhãs, carregadas pelo orvalho nascente e congelado. Histórias contavam sobre seres místicos que caíram de uma ilha dos céus após serem banidos devido sua alma encardida, criaturas da noite que não possuíam olhos, apenas janelas para o vazio de sua alma. Elas suplicavam seu nome baixinho como um susurro usando as vozes de seus entes queridos para atrair sua atenção, o induzindo a responder e assim os levava para o meio de lagos congelados, os prendendo por baixo da extensa camada de gelo e os matando afogados, deixando o sangue na água, como uma pintura borrada pelo gelo. A morte era uma doce barganha para esse monstros vagantes do anoitecer, os trazia o prazer de presenciar os últimos suspiros de alguém, como degustar as últimas gotas de uma bebida quente. ── A batida das páginas contra a outra ao fechar o livro que nem mesmo foi utilizado sinalizou o fim da curta história e da rotina diária das crianças da Casa da Lareira.
Uma garotinha de bochechas avermelhadas e cabelos acinzentados se esgueirou por baixo dos longos cobertores e estava inquieta, assustada e precisava que suas perguntas fossem saciadas.
── E o que são essas criaturas sem olhos, Pai? ── A criança estremeceu ao imaginar o quão assustador seria encontrar com tal aberração durante o fim da madrugada, isso a fez desejar nunca mais sair de seu quarto ao cair da noite para evitar os susurros e carícias da morte.
── Bem, minha criança, há muitos nomes para essas criaturas, porém o mais conhecido é Alkonost. Entretanto não se preocupe tanto com tais contos, são apenas histórias e elas não podem a machucar. Agora já é hora de dormir, a história chegou ao seu fim.
── Não pode nos contar outra história para dormir, Pai? ── Um garotinho com cabelos dourados e olhos azuis se pronunciou porém estava tão sonolento que mal podia manter seus olhos abertos por muito tempo.
── Está na hora de adormecer, Freminet. Contarei mais histórias na próxima noite. Tenham bons sonhos minhas crianças. ── Olhando para todos adormecendo, e os que já estavam dormindo, fecho a porta do dormitório e me retiro indo em direção ao meu escritório. Havia trabalho a ser resolvido e notas a serem tomadas.
Os corredores se tornavam vazios durante a noite gelada, os ecos dos passos pairavam pelas paredes, além de você apenas restava a sombra a lhe seguir, que passavam diante de quadros que estavam sob a parede, um memorial aos mortos, e ali estava eu. Naquela parede velhas fotografias de antigos "Pais" desse orfanato me encaravam, a última de todas havia uma fotografia minha sentada em uma cadeira, com as pernas cruzadas e um pequeno sorriso quase despercebido. O letreiro a baixo da fotografia dizia "Arlecchino". Ao passar diante daquelas fotografias toda noite era quase como sentir os olhos dos mortos te acompanhando ao andar. "Eles estariam satisfeitos com o trabalho que tenho feito?"
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Alkonost - Arlecchino X Columbina (ONE-SHOT)
HorrorArlecchino passou seu dia na Casa da Lareira e quando a tarde se foi, a mulher então contou uma história para suas crianças. Aquela noite especificamente foi pedido para ser contado um conto de terror sobre criaturas folclóricas que vagam pela neve...