Mal havia marcado nove horas da noite quando o ônibus começou a sair do terminal rodoviário.
Hande apertou os cintos e colocou os fones de ouvido, aproveitando os acordes de Experience em seus ouvidos.A viagem seria longa. Sem Internet. Sem sinal de telefone. Sem nenhum conhecido.
Por sorte, a playlist de música clássica em seu telefone salvava seus dias e acalmava seus nervos sempre que necessário. Poderia culpar sua mãe por levá-la a todos os ensaios e todas as apresentações de música clássica que o trabalho dela de musicista a obrigava a ir, mas, sinceramente, Hande agradecia. Sua paixão por música clássica foi instantânea e duradoura. Os primeiros acordes de Nocturne eram sua canção de ninar, mas, para a infelicidade de sua mãe, a pequena Hande não caia no sono e, sim, mantinha os olhos atentos e impressionados a cada segundo da música que soava próximo ao berço.
Ela fechou os olhos com força e respirou fundo. O homem ao seu lado já havia caído no sono e Hande nem havia contado dez minutos na estrada. O ônibus ainda estava dentro da cidade.
De soslaio, ela o analisou com atenção. Seu rosto rechonchudo era coberto parcialmente por sua barba mal feita e grisalha. A boca aberta ressoava seus roncos altos e irritantes, enquanto seus olhos moviam-se sob as pálpebras de um lado para outro, inquietos.
Talvez o agradável sono não estivesse tão agradável.
A atenção dela desceu para o par de mãos repousadas sobre a grande barriga, escondida pela fina camisa polo, agarradas ao telefone que apitava de tempos em tempos.
Mal haviam se passado vinte minutos de viagem e o som irritante da notificação do telefone dele já soou umas dez vezes.
Hande suspirou, cansada, desviou o olhar para a vista rápida da janela e aumentou a música em seus ouvidos.
Seu pai a ensinou desde pequena que sentir inveja de alguém era errado, mas, hoje, ela sentia muita inveja do homem dormindo ao seu lado. Ela só queria uma viagem tranquila e rápida, mas ganhou uma barulhenta e devagar.
Seus sentimentos eram bastante divididos quando o assunto era a sua incompreensível mania de não dormir durante o dia e, muito menos, em viagens. Era uma realidade bem útil quando ela precisava manter-se acordada em dias corridos repletos de plantões noturnos. Mas a odiava com todas as suas forças quando precisava viajar de última hora para o interior. Os únicos horários que, infelizmente, coincidiam com sua rotina eram os de madrugada, o que significava uma noite em claro e um dia seguinte completamente exaustivo.
Conferiu o relógio mais uma vez e suspirou.
Os ponteiros giravam tão lentamente que chegava a ser torturante.
Esperar não deveria ser um problema. Hande demorava horas e horas na emergência, tratando incontáveis pacientes, durante basicamente a semana inteira, mas ali estava ela. Preferindo estar em uma sala pequena, rodeada pela característica mistura de cheiro de hospital e ferro - enquanto sua visão era tomada por gazes, sangue e instrumentos hospitalares - a estar presa dentro daquele ônibus por doze horas de viagem.
Sozinha, iluminada pelas luzes noturnas, e em completo silêncio.
Hande sentia falta do caos da emergência. Da loucura de médicos correndo para atender pacientes sempre que um grande trauma chegava ou quando, simplesmente, um maluco sem capacete dava entrada por conta de um acidente de trânsito.
Se os motociclistas usassem os capacetes, como exigido por lei, o seu trabalho seria muito melhor e menos trabalhoso.
O ronco do colega de poltrona vibrou mais alto, estragando o belo refrão da sinfonia de Beethoven que tocava em seus ouvidos. Por sorte, o telefone dele havia parado de tocar. Eles já estavam no meio da estrada e não havia sinal. O aviso "Apenas chamadas de emergência" preenchia a tela.
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Pegando a Estrada
RomanceDoze horas de viagem. Dois desconhecidos. Uma história entrelaçada. Hande Erçel, uma médica de sucesso apaixonada por música clássica, precisa viajar de emergência para a cidade do interior onde sua irmã caçula mora com a familia para cuidar da sobr...