Havia acabado de me mudar pela 3º vez nos últimos 2 anos. Mesmo para alguém que gostasse de coisas novas, aquilo já estava demais. Na realidade, eu não conseguia encontrar o que gosto de chamar de "lar". O que para mim precisava ser muito mais que um ambiente composto por quatro paredes, um banheiro, uma cozinha e um quarto/sala.
Era fim de tarde, eu estava desembrulhando as poucas coisas que haviam nas minhas 5 caixas da mudança. Algumas canecas e quadros que eu mesma pintei, livros que nem ao menos terminei. Enfim, nada que de fato fosse de um valor digno de uma nota de cinquenta reais.
Aumentei o volume da caixinha de som fazendo com que a voz de Gal Costa pudesse soar pelos pequenos cômodos do local. Dançava a melodia de "Eternamente", pondo já as coisas em seus devidos lugares. De repente me deparei com um pedaço de papel voando para fora de um de meus livros, fazendo-me largar tudo o que estava fazendo para checar o que poderia ser a tal folha.
Acreditava que talvez fosse alguns de meus rabiscos, ou poemas de pouca valia, mas quando olhei o conteúdo, simplesmente paralisei. Era uma fotografia do meu tempo de escola. No verso havia algo escrito com a minha letra engarranchada: Aula da Saudade, 21/12/2023. Sem nem perceber me vi inundada pelas lembranças que me invadiram feito um furação.
De longe os momentos em que passei naquele lugar foram os mais desafiadores de minha adolescência. Aquele era, sem sombra de dúvidas, um lugar que eu podia chamar de lar. Apesar das incontáveis coisas que me faziam mal naquele ambiente, não era o tipo de lugar que me deixasse desconfortável, porque apesar de tudo havia pessoas que eu sabia que iriam me aconchegar.
Senti uma dor no peito ao ouvir a intro de "Exagerado", uma das minhas músicas preferidas por motivos óbvios. Soltei um riso besta e logo comecei a cantar junto com a voz de Cazuza, dançando juntamente com as lágrimas que sambavam pelos meus olhos.
Eu não imaginava que estava tão sensível ou se não estava pronta para ter todas aquelas lembranças de volta de um jeito tão nu e cru.
Peguei uma moldura com um dos meus quadros antigos e o retirei, pondo ali a foto que eu havia acabado de encontrar. Pus no centro da parede que havia decidido ser o canto das lembranças. Pretendia enchê-la de fotos que me faziam lembrar que para uma casa ser um lar não é apenas o lugar, mas sim as boas lembranças que este lugar nos trás.