Na sala de estar, Janne se aproxima de mim.
- Você está com o coração pesado, devia chorar um pouco.
Não entendi sua colocação, a olhei com dúvida.
- Nesses vinte anos que te conheço, só te vi chorar uma vez - fez uma pausa. - E foi no velório de Andrew, meu filho e seu irmão de coração.
Não entendo onde Janne quer chegar com essas falas.
- Seus pais te ensinaram a não chorar, te repreendiam por isso - ela fala tudo isso olhando fixo para meus olhos. - Mas você não precisa mais fazer isso, Alice.
Continuo quieta.
- Seus pais fizeram com que você criasse uma casca grossa. Não é feio chorar, é libertador para o coração e para a alma - ela leva a mão esquerda até uma mexa de cabelo meu -. E tanto seu coração como também sua alma estão pesados.
Os olhos dela brilham, mas por conta das lágrimas que querem descer rolando pelo seu rosto de pele clara e macia.
- Em algum momento eu fiquei impressionada em como uma criança conseguia manter-se tão séria diante repreensões de quem quer que sejam as pessoas. Mas depois, percebi que não era normal, que isso não deveria acontecer. Você se mantém firme em momentos que pessoas normais não conseguem, nas situações mais dolorosas.
Eu vim aqui somente para pegar algumas lembranças de Andrew, não para falar sobre o que eu sinto ou como ajo diante das situações.
- Fui criada assim - decidi falar, mas Janne não necessariamente estava esperando por uma resposta minha, sabia que poderia estar falando sozinha mesmo que eu estivesse ali ao lado dela. - Não posso mudar isso.
- Você está se colocando no fundo do poço e quando perceber, estará fundo demais para sair sem ajuda.
- As pessoas falam, não meus pais, que devemos ser fortes independe da situação. Que não devemos ceder ao sofrimento e seguir adiante - meus pais na verdade, não queriam que eu fizesse barulho ao apanhar, não que eu fosse uma pessoa forte para enfrentar as dores que o mundo coloca em nosso caminho.
- Existem exceções - levanto ignorando completamente o que Janne está dizendo.
- Vou pegar as coisas no quarto de Andrew.
A última vez que entrei no quarto dele, foi uma semana antes de sua morte, para pegar roupas e levar até o hospital, onde Andrew se mantinha em coma já faziam três meses.
Giro a maçaneta fria após um suspiro longo, não sei se estou pronta para esse momento.
Eu estava esperando um quarto escuro e frio, mas aparente Janne mantém o quarto arejado, com as janelas abertas, a cama arrumada, as coisas de Andrew em ordem em cima da escrivaninha e dos criados mundos.
Deve ser difícil para ela ter que entrar aqui.
Uma caixa de sapato bege está sobre a cama, Janne deve ter deixado ali para que eu pegasse.
Hesito por um momento, respiro fundo e então abro a caixa, é como um soco no estômago.
Fotos, cartas que escrevíamos um para o outro e o nosso anel de amizade. É um anel prata, uma aliança comum, porém com gigantesco valor sentimental. Essa aliança está envolta a uma corrente, o qual ele usava no pescoço. Tiro a minha para fora, e encaro as duas alianças na palma de minha mão. É como dizem, quando é a hora da pessoa ir, não tem nada que possa impedir que isso aconteça.
Lembranças que costumavam ser felizes, agora parecem vir a minha mente como memórias tristes, e eu não quero ficar desanimada toda vez que ver uma foto de Andrew.
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CRY
RandomEm um cenário de profunda dor, a vida de Alice é um labirinto emocional. Ela se depara com uma tragédia e Janne, a sua figura materna, tenta penetrar a fortaleza emocional que foi construída dentro de Alice. Esta é uma história de dor, autodescobert...