- Parte III -

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No extremo leste do vilarejo, Nalan e Liandro terminavam de pular os blocos de pedra que seriam usados na construção do muro, o solo terroso passou a ficar coberto de ferramentas, cordas e pedras quebradas naquele local. Não havia mais luz por ali, passaram pelo último archote há muitos metros atrás, a pouca luminosidade que os permitia verem a si mesmos agora provinha da lua.

— Só pode ser aqui — disse Nalan com o pulmão saltando para fora, e permitiu-se dobrar a coluna para poiar-se em seus joelhos.

— Mas não tem ninguém. — Liandro parecia estar mais desesperado que ele, temia que a correria furtiva não resultasse em nada, como as coisas caminhavam para ser. — Não consigo ver ninguém.

Diante do irmão alarmado, Nalan buscou manter a razão e o raciocínio, lembrando-se das instruções que sua mãe lhes deu.

— A palavra — ele disse, o que fez Liandro parar de andar em círculos por um instante. — Você lembra da palavra?

— Sim, é remortandeio.

— Isso. Remortandeio — Nalan proferiu em voz alta, ajeitando sua postura. Mas como não percebeu nenhuma diferença no ambiente, tornou a proferí-la com mais intensidade. — Remortandeio! — Ambos procuraram por nada no vazio. O único barulho que escutaram foi o dos grilos, e só o que viram foi a escuridão dos campos. — Isso era para fazer acontecer o quê?

— Não sei, a mãe não disse mais nada.

— E cadê ela?

— Disse que vai nos encontrar em Varosia, e não me pergunte mais nada porque eu não sei.

Nalan bufou de impaciência, detestava estar alheio aos acontecimentos, sem poder fazer nada para trilhar o seu caminho, mesmo os que foram impostos para si. Andar em círculos com as mãos na cintura não ajudaria, isso era um fato.

— Tá, vamos tentar gritar juntos para ser mais forte, talvez isso seja um pedido de socorro — Liandro sugeriu.

— Mas não tem ninguém aqui — retorquiu.

— Você tem outra ideia?

Nalan suspirou com as mãos na cintura, e considerou a sugestão uma tremenda bobagem. Mas como não conseguiu elaborar nenhuma outra alternativa, consentiu.

Os dois se aproximaram e ficaram um de frente para o outro. Contaram até três, e gritaram uma última vez:

— Remortandeio!!!

Quão foi a surpresa de ambos quando o céu foi tomado por uma forte trovoada que irrompeu o silêncio da noite. Junto ao trovão, um relâmpago iluminou o ambiente repetidas vezes, o que assustou os meninos terrivelmente. Recuaram para perto do muro, no instinto de se protegerem, e somente após a luz cessar foi que tiveram coragem para descobrirem seus rostos.

No campo a poucos metros, havia um animal que surgiu dentre a luz, um animal nunca visto por olhos conhecidos. Tratava-se de um cavalo de pelagem negra, com tons que mudavam à medida que se movia, alternando para um preto mais claro, conforme ele preferisse. Não apenas isso, também havia ranhuras douradas por todo o seu corpo, que reluziam como pequenas linhas brilhantes, formando desenhos e contornos sobre sua musculatura. De fato, uma criatura capaz de maravilhar quaisquer olhos.

Na casa de Lorina, as tirênias vasculhavam os poucos móveis que ali haviam, e não puderam encontrar nenhum objeto desconhecido ou digno de curiosidade. Não havia nada de especial, nem por dentro e nem por fora. Quando saíram da humilde casa, tiveram que acabar com as expectativas de sua líder em encontrar alguma surpresa valiosa, por mais que matar uma andilar já fosse algo bastante deleitoso.

O Último AndilarOnde histórias criam vida. Descubra agora