Aurora Approach

TOO LATE

"Já era tarde demais quando todos perceberam que vermelho contra azul os distraiu do embate entre bem e mal."

'O SONHO'

Não me levantei ainda. Enquanto me sentava na borda da cama, preparava minha mente para outro dia de café da manhã, viagem, serviço e retorno. Há uma beleza na simplicidade desse estilo de vida, mas não existe nada de bonito no cenário ao meu redor. Tudo está embaçado, a verdade é que sequer acordei. Tento negar, mas no fundo sei que estou em um sonho; a névoa densa agarra meus pés, que deslizam pelo chão como rodas ao levantar. Me falta lucidez; não possuo controle dos meus movimentos, vivo uma realidade distorcida. Distorcida o suficiente para que eu não seja capaz de distinguir a paisagem. Coço meus olhos para tentar ver, a verdade é que minha cama não estava em quarto algum. Recuperando a visão, percebo que não consigo formar as ideias direito, as cores possuem um aspecto desagradável; e mesmo assim eu continuo tendo prazer em assistir a cena, sei que meu verdadeiro corpo está descansando. Subitamente, como em uma tragédia vitoriana, tudo o que conheço é virado de cabeça para baixo, não observo mais a cena com meus próprios olhos; como se minha alma houvesse sido retirada de meu corpo, observo a mim mesmo através da pele de alguém de fora, minha perspectiva pessoal torna-se a de um terceiro. O narrador continua tentando entender o que se passa em seu sonho, "existe alguma mensagem? Existe lógica?" Ele se pergunta enquanto seus pés navegam por uma Londres intangível, os prédios que conhece tão bem não parecem se formar direito, e a vida como conhece passa a ser intransponível. Sua mente está jogando jogos com ele... Nem possui uma aparência, apenas consciência; ali não é lugar para usar máscaras. Aviões cercam o local com suas bombas, os canhões europeus destroem tudo em volta do sonhador; de repente ele consegue ver em resolução completa cada tijolo e ladrilho, mas para sua infelicidade nada passa de destroços. O homem veste roupas militares, acordou assim? Eu acordei assim? Não. São jogos da mente, é assim que um sonho funciona, certo? Tanques continuam a cercá-lo. Melhor pegar leve na literatura, não acha? Afinal, você leu tanto. Eu li tanto, e minha mente continua passando por tanto esforço ao simplesmente imaginar um cenário? Sei que seu maior desejo era uma pílula que magicamente restaurasse sua criatividade e empenho para desenhar a paisagem desse sonho e descrever as coisas da maneira que elas merecem, com as excessivas e preciosas palavras adequadas... Mas nós dois sabemos que isso não existe. Agora é hora de acordar. Acordar para a vida real, pra onde mais? Você vai ouvir o restante dessa história depois, Carter. Eu vou ouvir o que sobrou depois, quando não for tão tarde.

MOMENTO 1 - 'MISSION DEBRIEF'
7 de Abril de 1967

— "Infelizmente a Inglaterra é, hoje em dia, como uma velha senhora: aleijada de sua beleza original; apesar de ser bonita e ainda ter ânimo, nas métricas de sua própria idade, sua degradação é clara, e agora ela percebe a dependência dos outros que sempre teve; mas que se abrasou como chama ao atenuar de sua força. Ela teima em tentar entender os novos costumes sem ser capaz de tirar de seus olhos as lentes do passado." Já ouviu esse verso?

— Eu vivo nesse verso, Hal. Sendo simplista e focando em meu problema de verdade, ao invés de já começar toda essa história como algum poeta: O rapaz desapareceu três anos atrás. Quer que eu acredite que vocês querem resgatar ele agora? Me perdoe, mas isso parece um episódio de Agente 86. Convencer uma criança é mais fácil, sabe?

— Desmerecendo a televisão? Isso não é do seu feitio, filho. Se estivesse em um seriado você teria bem mais tempo pra cantar garotas e menos pra trabalhar.

— Nesse caso me magoa saber que eu não tenho os mesmos privilégios do Don Adams, as mulheres são meu ponto fraco general, você sabe disso.