Astarco andava por Alexandria, a jóia do Egito Romano. Passava pelas ruas de paralelepípedos e via os cidadãos romanos e egípcios vivendo suas vidas nos extremos. Aqueles que tinham dinheiro viviam com luxo exagerado e opulência, enquanto os pobres viviam miseravelmente nas ruas, oferecendo serviços e sendo escravos. Astarco estava quase tomado pela indignação e foi até o fórum para começar a discursar.
- O homem, em sua forma, é tomado por extremos. Onde está o estado? Onde estão os sábios que não veem o sentido que a sociedade está tomando? Alguém não ensinou esta máxima. Alguém precisa educar o povo sobre o equilíbrio mental e físico e a busca pelo verdadeiro sentido das paixões.
As pessoas não davam atenção, tanto aqueles que estavam no fórum quanto os que andavam na rua. Estavam todos ocupados, perseguindo suas vidas. Astarco continuou:
- Um homem deve ser capaz de ver o sentido de sua vida. A diferença entre a razão e o instinto é o catalisador. A razão se aquece com o pensamento crítico, com o pensamento equilibrado e livre de preconceito. O instinto é alimentado pelas paixões, pelos desejos. Ambos precisam estar em ritmo, afinal, ambos são máximas do mesmo objeto: o homem. Anular um dos pólos é um atentado contra o homem. E cortá-lo pela metade não é correto. Devemos ser equilibrados para sermos considerados mais humanos. Quanto mais próximo do ritmo do homem, mais humanos seremos. Por isso, digo que esta sociedade está perdendo a humanidade. Eu suplico para que os sábios vejam o que está sendo feito.
Os senadores então se aglomeraram na escada do fórum e o cenário ficou correspondente. No alto, os senadores romanos com sua opulência e autoridade, e abaixo Astarco e um povo sofrido e simples, tentando crescer, clamando por desenvolvimento, sabedoria e inteligência. Astarco apontou com violência e continuou seu discurso:
- Eu pergunto, o homem carregado de vaidade e em busca frenética pelas paixões e vícios, é um homem com capacidade de governar? Que tipo de povo ele produzirá? Pois se ele mesmo é o ícone moral da comunidade, como será uma sociedade onde ele é o único exemplo?
Os senadores riram de Astarco, mas temeram uma revolta. Alguns até cogitaram prender Astarco e falaram sem represálias. Astarco, ouvindo isso, ficou furioso e gritou:
- Não temam, senhores, um sábio não pode ser tomado pela ira. Um sábio deve usar a raiva, pois, equilibrado, ele se conhece. Mas como usar a raiva? Digo para vocês, a raiva combate a inércia. Senhores, estou tomado de raiva, porém ela não é maior que minha razão, minha vontade de ver este povo melhor. Por isso, eu peço: mudem, equilibrem os desejos com a razão, equilibrem suas vaidades com o compromisso de tornar o indivíduo ao seu lado melhor. Pois de que adianta um homem cuja a razão dominou a besta se sua sociedade está inconsciente de razão e vibra e pensa como um animal?
Os senadores perceberam que Astarco não era uma ameaça e pouco a pouco entraram no fórum, deixando apenas as tropas de choque prontas para rechaçar quem subisse nas escadas. Astarco continuou seu discurso:
- Um sábio moderado, em ação e pensamento, é um verdadeiro sábio. Um tolo com sabedoria e que não estimula o equilíbrio está fadado a ser tomado pela besta. Não importa, ainda que ele não seja colérico. Todos os que não são moderados estão sujeitos ao animal que habita sua alma. Um homem deve buscar conciliar isso antes de poder desenvolver sua intelectualidade.
Então, escondido entre a multidão, alguém perguntou:
- E se pudéssemos conciliar nossos desejos com nossa vida, de maneira que vivêssemos de comum acordo?
Astarco olhou seco e disse, considerando isso uma afronta:
- Você não barganha com o leão na arena, você não manipula o ladrão à beira da estrada para proteger seus bens ou parte deles. O homem desequilibrado que usa das paixões e dos desejos para desenvolver seu ritmo diário está escravizado na paixão. Não é diferente de um servo por inadimplência. A verdadeira liberdade está no equilíbrio de todas as faculdades mentais e sentimentais. Não existe verdadeiramente um acordo com os desejos e vontades, e sim um esforço para não fazer deste o objetivo final.
Novamente, a figura escondida entre a turba proferiu seus venenos:
- Mas Astarco, nos diga, e os sonhos?
Astarco tomou água e gritou:
- Se um homem faz da sua vida um sonho, eu pergunto: qual é a diferença entre a lucidez e a inconsciência?
Ele olhou e procurou o dono de tais palavras, mas não o encontrou. Então ele disse:
- Senhores, o sábio pode sonhar, todos têm esse direito. O que não se deve fazer é viver no sonho. O objetivo não é alcançar as vontades, e sim percorrer e amadurecer durante a jornada. Pois o sonho adormece a razão e também causa um sentimento perigoso: a frustração. Somos seres de vontade, portanto, temos a sensação ilusória de nunca estarmos completos. O desequilibrado, ao chegar em seu sonho, se frustra, sem olhar para o caminho percorrido como se o pescoço incompetente não pudesse ver o trajeto deixado para trás. O desequilibrado sonha compulsoriamente, como se a razão e a realidade fossem opcionais, e a verdadeira vida fosse a busca constante pelo sonhar. O sábio usa os sonhos como norteador, não faz de seu sonho um objetivo. Coloca a si mesmo como objetivo, e seus sonhos são degraus menores a serem superados. Ele olha para o aprendizado e não para o ganho. Dá ao seu objetivo um valor distinto e não a frustração de alcançar o sonho. O sábio tem a verdade. Sonhos podem não se realizar, mas para sua plena compreensão de si mesmo, ele não se frustra. Pois, como dono da razão, ele sabe que o objetivo não é alcançar o sonho, mas sim desenvolver a si mesmo. Se o sábio não alcança seus objetivos, é porque ele não possui as ferramentas necessárias para isso. Pois a vida do sábio é pedagógica e, através dela, ele extrai amadurecimento. Como equilibrado, o sábio desenvolve a besta interior e não a suprime. Ele compreende suas vontades e não é servo delas. Não suborna suas vaidades, ele as examina, usando a razão e a autopreservação de suas inteligências.
A figura então disse, e Astarco agora olhou nos olhos:
- Mas como não ser tomado pelos sentimentos mais densos, Astarco?
Ele viu a figura oculta entre as pessoas e viu a si mesmo, suas vontades e medos manifestados como uma personalidade. Então ele retrucou:
- Neste caso, senhores, o exercício é viver de maneira que o autoconhecimento seja um objetivo. É difícil e sou honesto em dizer que essa luta é diária e as vontades não vão baixar a guarda. Não são as pessoas que irritam o sábio, é o sábio que aceita suas provocações. Portanto, não existem agressores. O sábio é dono de sua vontade. Se sua vontade está fraca e suas resistências são baixas, é porque o sábio está em desequilíbrio, tanto interna quanto externamente, e precisa se despolarizar.
A sombra, escondida na multidão, sorriu e desapareceu. Astarco entendeu que o dia de hoje foi vencido, as vontades e desejos foram superados.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os discursos de Astarco
Historia Cortauma coletânea de discursos filosóficos em formato de contos, onde o personagem Astarco, vive como um mendigo na era de Roma, questionando o sistema e o pensamento da época, com muitas metáforas, será que seus discursos podem ser usados hoje em dia ?