Capítulo 4

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Acordei bem cedo. Estou tão chateada que me recuso a ficar ao lado do Marcos. Então, me levanto, me arrumo para dar uma caminhada, tomo um iogurte natural e uma fruta e saio. Preciso pensar, falar sozinha na rua, e voltar pra trabalhar.
Há muito tempo não caminho. Pensando bem, vou começar a me exercitar mais. Peguei gosto na caminhada e pretendo me matricular numa academia pra exercitar meu corpo.
Quando retorno pra casa, todo o meu planejamento do dia está organizado na minha mente, tudo cronometrado: tomar um banho, tomar meu café da manhã e ir trabalhar. Com a cabeça leve de quem já desabafou bastante consigo mesma.
Porém, quando chego em casa, vejo que se instaurou o caos por todos os cômodos. Isabela está com os cabelos pro alto, Ingrid mau humorada porque perdeu a hora e agora tem que fazer tudo correndo, Marcos com uma camisa totalmente amarrotada nas mãos sem saber o que fazer... a mesa do café não está arrumada como antes, com o carinho de sempre, no banheiro parece que houve um maremoto ou parece que todos resolveram tomar banho ao mesmo tempo e fora do box, visto que todo o banheiro está molhado.
—Gente, o que aconteceu por aqui?
—Mãe, onde você tava? Eu não tô conseguindo amarrar meu cabelo. Me ajuda, por favor.
—Mãe, perdi a hora. O alarme do celular tocou, mas eu não ouvi. Você que todos os dias me acorda. Nem sei se vou conseguir chegar a tempo na escola
—Você vai sim, Ingrid. A partir de hoje, você vai acordar sozinha. Se perder a hora, você será a responsável, estamos entendidas? E você, Marcos? Por que está com essa camisa amarrotada retirada do cesto de roupas pra passar? Não tem outras camisas no armário?  —Ele me olha com vontade de me fuzilar e eu penso: “ok, baby, estou com essa mesma fúria com motivos bem mais concretos”.
Quer saber? Estava tudo fora do lugar. Mas eu gostei de vê-los perdidos. Não só pra alimentar meu ego, mas para eu entender que preciso parar de ser Amélia, a mulher de verdade e ser Lisa, a mulher que dá pra ser.
Por fim, as meninas conseguiram ir para o colégio, bem em cima da hora, mas foram. Eu tomo meu banho e me sento à mesa para tomar meu café da manhã. Acho que foi o primeiro dia que sento à mesa pra uma refeição sem as meninas. Isso só acontece quando elas estão na casa de mamãe. Ninguém vai morrer por causa disso, não é?
Neste momento, Marcos também se assenta e me confronta:
—Lisa, foi pra me punir, não foi?
—Não, Marcos. O mundo não gira em torno do seu umbigo. Eu fui caminhar, pois precisava muito espairecer. Mas já te digo que não será a última vez. Fez-me muito bem, então, teremos que nos remanejar...
—Lisa, eu queria te dizer...
—Olha, Marcos, por favor, se você pronunciar alguma coisa sobre ontem à noite me levantarei da mesa. Hoje quem não quer conversar sou eu.
—Eu não entendo por que você está tão chateada.
—Experimente fazer sexo e não gozar. Você vai ver quanto tempo estou chateada e frustrada... sem reclamar.
—Lisa, você tem que entender...
—Eu não tenho que entender nada! —Levantei-me da mesa.  —Bom dia! Já estou indo. Hoje começo ir à academia.
—Como assim?! Que horas?!
—Academia é o lugar onde pessoas fazem exercícios físicos, lembra? E a hora eu ainda vou definir. Quero estar bem comigo mesma e com o meu corpo.
—Mas você é linda, Lisa!
—É? Não acho que tenho sido valorizada como eu quero ser. Tchau!


Fiz minha matrícula pra noite. Não vou malhar todos os dias, mas dá tempo de voltar pra casa e cuidar da limpeza e adiantar o jantar nos dias em que eu for malhar.
À tarde, chamei Carla pra ir ao cinema comigo.
—Que bicho te mordeu, vaca?
—Como assim?
—Você não vai à cinema. Você é a Amélia, mulher de verdade.
—Agora vou! Agora faço academia! E eu posso não ser tão “Amélia” assim.
—O que aconteceu?  —Carla me olhando espantada é o máximo.
—Nada demais. Eu só percebi que eu preciso de algum tempo pra mim.
—E isso tem a ver com o Marcos? O que ele fez?
—Não... ele não fez nada.  —Além de gozar sozinho, me deixar na mão faz muito tempo e não termos mais um relacionamento como antes? Nada demais. Mas isso é ainda difícil de revelar.
Vimos o filme, lanchamos, batemos papo e foi uma tarde tão gostosa que eu havia esquecido de como é bom poder sair e me divertir.
Na hora do jantar, nos sentamos à mesa e Marcos fez a rotina de sempre, perguntando como foi nosso dia. Quando chegou minha vez, respondi um pouco seca:
—Foi ótimo! Fui ao cinema com Carla, conversamos bastante... quero avisar a vocês que estarei indo à academia três vezes na semana e à noite. Como vocês fizeram hoje, podem nesses dias se virarem sem mim.  —Dei um risinho e me calei.
—À noite, Lisa? —Marcos perguntou.  —Poxa!  —Eu olhei pra ele e nada respondi. E o restante do jantar segui calada.
Quando fomos deitar, ele tentou ficar de conchinha.
—Marcos, por favor...
—Lisa, vamos conversar.  —Sentei-me na cama esperando-o falar.
—Pode falar.
—Eu não estou entendendo essa revolução toda, Lisa!
—Você falou bem: revolução. Sabe por que você não entende? Porque você é egoísta e nada humilde. Se você enxergasse só um pouquinho do que eu tenho feito para que nós tenhamos bons momentos juntos, você...
—Calma aí... porra, eu tô cansado, cara, sempre é você quem faz tudo? E eu? Não faço nada, caralho?!
—O que eu quero dizer é que eu deixo tudo na mais perfeita ordem e harmonia em casa para que você se canse menos. Eu trabalho fora e dentro de casa, a comida está sempre pronta numa perfeita rotina, nossas roupas impecáveis. Você tem uma filha adolescente que passa por conflitos interiores, mas você está muito cansado pra perceber isso. Sua filha mais nova vive tentando chamar sua atenção, mas o seu trabalho toma muito tempo...  —Ele me interrompeu.
—Tá. E você não consegue gozar. E eu sou o capeta da história.
—Não, Marcos, a capeta deve ser eu que sou muito gostosa e você não consegue me esperar. Logo, a culpada dessa confusão toda sou eu.
—Não começa com a porra da ironia, tá?
—E você para de xingar. Você quem me chamou pra conversar. Eu já entendi pra quê eu sirvo.
—Para, Lisa! Não coloca palavras na minha boca, tá?
—Chega, Marcos! Será que podemos dormir? Você não está cansado hoje não? Pois eu estou.  —Ele virou para o outro lado resmungando e eu tentei dormir. Mas não consegui.
Levantei-me, andei pela casa e o sono não vinha. Iria acordar um caco no dia seguinte.
Peguei meu notebook e, mais uma vez, me lembrei da sala de bate-papo que Carla falou. Por curiosidade abri o site.
Nossa! O que eu vou falar? Será que terei que mudar de nome? Não posso falar a verdade sobre minha vida aqui, né?
No site têm vários pseudônimos, digamos, engraçados. Eu comecei a rir sozinha com o conteúdo das conversas. Eu não acredito ainda que estou fazendo isso. Até que alguém me chamou no privado. O apelido é “Bombeiro Sarado”. Será que ele é bombeiro mesmo?

Bombeiro Sarado: “Oi, linda! Como vai?” (ele nem sabe se sou bonita ou feia)
BIA: “Oi. Tudo bem. E vc?” (É isso aí! Meu apelido é Bia)
Bombeiro Sarado: “Estou melhor agora. Vc tc de onde?”
BIA: “Do Rio. E vc?”
Bombeiro Sarado: “Sou de SP. Poxa! Que legal! Uma carioca!”
BIA: “Sim. Rsrs... E vc um paulista. Adoro o sotaque de vcs. Como vc é?” (agora é a hora de imaginar)
Bombeiro Sarado: “Branco, 1,78m, olhos castanhos, cabelos castanhos...e vc?” — O que vou dizer? Sobre isso não preciso mentir, né?
BIA: “Sou negra-chocolate, 1,65m, olhos negros, cabelos compridos alisados na cintura...”
Bombeiro Sarado: “Hummm... deve ser uma delícia, hein! Será que vc tem gosto de chocolate?” —Nossa! Arrepiei... está ficando bom!
BIA: “Rsrs...não sei... só me provando pra saber.”
A minha consciência começou a pesar... mas o flerte estava tão bom! E mesmo sabendo que não é real, é tão bom me sentir gostosa, desejada, poderosa. Dei, então, continuidade à conversa:
Bombeiro Sarado: “Como é o seu corpo?”
BIA: “Rsrs... os meus seios são médios, cintura fina, bunda grande... coxas grossas...” — Estou espantada com tamanha naturalidade com que eu me descrevo para um desconhecido. Não há timidez. Não há regras. Estou assustada, excitada, surpresa.
Bombeiro Sarado: “Gostosa, hein! Com ou sem marquinha de biquíni?”
BIA: “Tenho que atualizar a marquinha.”
Bombeiro Sarado: “Porra, eu sou tarado em marquinha de biquíni. Dá vontade de arrancar com os dentes.”  —Fecho meus olhos e vejo um homem com as características dele, malhado, mordendo meu corpo e tentando tirar a marca de biquíni da minha pele. Cara, isso dá certo mesmo. Estou muito excitada aqui.
BIA: “Eu iria adorar ser mordida por um bombeiro sarado.”
Bombeiro Sarado: “E eu iria adorar bombar em vc de quatro, apertando essa bunda gostosa que vc tem.”
BIA: “Ai... não fala assim... eu fico cheia de tesão...”
Bombeiro Sarado: “Sua safada!”  —Poxa! Tá difícil aqui pra mim. O que eu vou fazer agora? Será que ainda sei me masturbar?
O fato é que há tanto tempo não flerto que eu nem sei como agir. Gostei de ser elogiada, mesmo a pessoa não me conhecendo. Como é bom me sentir assim!
Continuo a dar asas à imaginação, mas eu estou igual à gelatina sentada no sofá.
Bombeiro Sarado: “Eu adoraria te provar.”
BIA: “Pois eu sou muito doce... há uma parte em mim que é mais doce ainda.”
Bombeiro Sarado: “E eu posso saber qual é?”
BIA: “Talvez... vai depender muito de vc.”

E foi assim que começaram os diálogos improváveis nas salas de bate-papo. Alguns mais quentes, outros amigáveis. Mas eu percebi que o tempo passava, eu me divertia, me sentia importante, mais linda, mais valorizada. Pessoas que nunca me viram me chamavam de apelidos carinhosos e, por mais que eu soubesse que era mentira, eu me sentia alimentada.
Em casa, as coisas continuavam as mesmas. Quer dizer, piores. Aniversários pouco comemorados, datas importantes sem ser dada a devida importância, frieza.
Várias vezes me vesti pra impressionar Marcos e, por mais que era elogiada, cantada, admirada na rua, recebendo uma gama de elogios, dos mais singelos aos mais eróticos, em Marcos não causava nenhum abalo. Nem um só elogio.
Chorei muito. Muitas vezes calada para não manchar a normalidade na minha casa. Como eu não havia percebido tal egoísmo e tamanha falta de parceria? O que aconteceu com Marcos? O que estava acontecendo comigo?
Comecei a não mais me importar e a alimentar um lado selvagem, erótico, sensual que toda mulher tem. Só que eu entregava esse lado à Bia, uma nova “eu” (ainda que fosse virtual).
Passei a viver em dois mundos: o real e o virtual.
Bia não chorava. Bia conquistava. Bia tinha a boca esperta, tinha bons atrativos assim como eu, mas ela explorava seus atrativos, atraindo desejos masculinos. Sabia o que queria e pegava para si.
O primeiro passo foi o virtual.

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Dona de Mim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora