Quando eu era miúda, Maya me contava histórias de terror envolvendo feiticeiras bruacas, de chapéus pontudos, roupas desgastadas e narizes avantajados. Ela dizia que as tais temidas bruxas devoravam o coração de quem se metesse em seu caminho. Eu ouvia atentamente cada minucioso detalhe, mesmo que aquilo fizesse com que eu não dormisse a noite, às vezes.
Contudo, agora estou cara a cara com uma bruxa de carne e osso. O máximo que posso fazer é chorar pitangas.
— Não se incomode, já estou de saída. Foi um engano, perdão. – Respondo-a desesperada e tremelicando mais que galho frouxo em uma ventania.
— Eu não faria isso se fosse você. A casa está rodeada por Bestas da Névoa. Creio que terá que esperar até o amanhecer. – Ela fala enquanto tira o seu casaco batido e pendura no cabideiro da sala.
— Até o amanhecer? – pergunto assombrada.
— Você não é como eles, não é? – ela dá as costas para mim e caminha até a cozinha.
— Eles quem?
— Os humanos das montanhas, escondidos em vilas, amontoados na terra feito gado. – Após dizer isso ela cantarola uma música enquanto apanha uma frigideira. — Você não é das montanhas, é?
— Oh, não. Eu sou de um lugar muito longe daqui.
— Bem que eu percebi, você parece ser esquisita mesmo. – Ela sorrir sem alguns dentes da frente.
A bruxa continua a murmurar uma canção enquanto eu a observo, acanhada. No interior de sua casa também há ossos, mas suspensos no teto e apregoados nas paredes. Caso queira me devorar, direi que sou enferma – se possível de uma doença muito contagiosa –, o que não seria completamente mentira.
Ela saca um frasco de leite e despeja na panela, depois a conduz à lenha.
— Gosta de leite, menina? Tenho apenas de besouro.
— Sou intolerante a lactose. – Minto uma outra vez. Na verdade, não faço a mínima ideia do que isso significa, mas a velha parece acreditar, então fiz bem.
— Ah, não se preocupe, porque esse não possui lactose.
A velha serve duas xícaras de chá de porcelana e entrega uma a mim. Quem diria que uma feiticeira iria algum dia aleitar-me – certas bruxas conseguem ser melhores do que algumas mães. Aproximo as minhas narinas para sentir o aroma do leite de besouro, de perto parece leite comum e cheira à raios de sol de manhãzinha. Vejo a bruxa bebendo, então tomo coragem para tragar também. Tem gosto azedo, que logo após se dissipa, dando lugar a um doce ligeiramente enjoado, porém saboroso, como se alguém estivesse colocado exageradas doses de mel.
— Prefiro cerveja. – Depois de ter tomado todo o seu leite ela se queixa, sentada em sua cadeira de balanço.
— A senhora não vai me devorar, vai? – tomo coragem, após um tempo pensando em perguntá-la.
— Vovó. – A feiticeira fita seu piso de cumaru.
— Hã? – a olho confusa.
— Quero que me chame de vovó. – Decido que é melhor não se opor a ela e concordo dizendo:
— Certo, vovó. A senhora não comeria o coração de sua neta, não é?
— Oras, carne humana é da pior qualidade, nem eu me rebaixaria a esse nível. Mas Sissi gosta, quando a fome bate à porta ela sai em uma caça noturna. Por vezes, ela me traz presentes. Olhe para todos esses ossos pendurados. – Ela aponta para as paredes e teto.
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No amanhã de alguém
Misterio / SuspensoA meretriz, Aurora Jenkins, buscava a paz a mais tempo do que existia, mas alcançá-la parecia impossível. Tentada pela morte, ela põe um fim em si mesma. Entretanto, a pobre menina não chega ao céu, nem mesmo ao inferno, mas sim em um novo mundo. Po...