NICO'S POV
A segunda-feira chegou mas a noite de sexta ficou cravada na minha mente. É como se fosse um filme em loop, com tudo vivido da pior maneira possível.
É doloroso até, porque agora, enquanto me arrumo para a abertura do acampamento, ver Will em toda aquela sua pompa irritante de sempre me faz lembrar que aquela noite foi apenas isso: uma noite.
Da mesma forma que aquele verão foi um momento isolado, um surto. Agora, teríamos que passar o verão inteiro fingindo que nada aconteceu, porque não existia hipótese nenhuma de conversarmos sobre a noite passada.
Eu estava vulnerável, o luto me deixa assim, e Will era a pessoa mais próxima de mim naquele momento. Eu queria um abraço, uma taça de vinho e nada maior do que isso, e foi o que eu consegui. Eu não devia estar pensando nisso agora inclusive.
No sábado, quando fomos na caverna da Rachel para ajudarmos ela a arrumar as coisas, voltamos a agir normalmente. Xingamentos, pouco contato visual e pouco papo. Qualquer coisa fora disso seria incomum, e significaria que um dia nós estava pensando naquilo mais do que devia, o que não estávamos. Pelo menos não eu.
— Certo. Mais um verão. Mais crianças pentelhas. Que os deuses estejam do nosso lado. — Will suspira, arrumando uma última vez sua bandana amarela com o número 7 no pescoço na frente do espelho, deixando o número a mostra, mesmo que já tivesse feito isso três vezes em cinco minutos.
— Uma criança pentelha reclamando de crianças pentelhas? Engraçado... — Comento, porque por mais que estivéssemos evitando brigar e se provocar, seguindo as orientações da Rachel, era difícil demais pra mim perder uma chance dessa.
Continuo virado para o espelho do meu lado do quarto, ajustando a bandana preta com o número 13 escrito em branco no bíceps esquerdo, quando Will aparece atrás de mim, de cara fechada e braços cruzados.
— Me chama de criança pentelha mas quem age como uma é você.
— Você fala esse tipo de coisa e quer que eu perca a piada? Por favor, Will.
— Irritante. A cada dia mais, como se fosse possível! — Will se afasta, jogando os braços pra cima de forma dramática e quando tenho certeza que estou fora de seu campo de visão, dou uma risada pequena, porque se eu era irritante ele era o que?
— Nico? Will? Estão prontos? Só faltam vocês. — Escutamos uma batida na porta do chalé, que estava aberta, e logo em seguida a voz de Percy, que coloca sua cabeça para dentro do chalé. Sua bandana azul com o número 3 estava presa na testa, como se estivesse indo pra luta. Provavelmente só ele e Clarisse estariam assim, o que fazia bastante sentido.
— Eu tô pronto. Mas se depender da Rapunzel ali... — Falo, me aproximando de meu amigo para cumprimentá-lo. Ele sorri, e não escuto os passos de Will até que recebo um pescotapa muito forte. — Oh caralho?
— To pronto. — Will diz, sorrindo como se fosse inocente, enquanto Percy apenas da risada e sai na frente, caminhando para os demais chalés. — Isso foi pelo "Rapunzel", engraçadinho.
Will pisca, e sai caminhando na frente com seu cabelo loiro balançando um pouco enquanto anda, como se ele realmente fosse a porra da Rapunzel. E o errado ali era eu?
Reviro os olhos e por mais que fique tentado a dar uma rasteira em Will no caminho até os chalés, tenho certeza que Rachel não ia aprovar meu comportamento reativo, e se aquela blusa branca de Solace se sujasse de terra... Era uma briga na hora. Então apenas respiro fundo, passo a mão no cabelo de forma nervosa e caminho em direção ao meu chalé, onde Hazel já me esperava na porta, com sua bandana presa no coque do cabelo.
— Bom dia, irmã. — Cumprimento-a com um beijo no topo da cabeça e ela me abraça de lado, sorrindo.
— Bom dia, irmão. Preparado? — Ela sorri, sabendo o quanto odeio os primeiros dias de alunos novos no acampamento, esse sendo o motivo pelo qual sempre chegamos mais cedo, todo ano, para evitar confusão. Mas esse ano não teria como evitar nada, pois eu seria monitor e conselheiro chefe do Chalé 13, os filhos de Hades, enquanto Hazel seria a vice conselheira. A confusão cairia direto em nosso colo.
— Rezando pra que isso acabe logo, isso sim.
— Vamos rezar juntos. Pelo menos, pense positivo, tem fogueira hoje e nossos trabalhos extras acabaram! — Ela fala, me sacudindo um pouco como se fosse pra me animar, e eu sorrio, porque o sorriso de Hazel era contagiante.
— Odeio noites de fogueira cheias. Principalmente as primeiras. — Ela suspira, mas completo rapidamente. — Porém, você tem razão. Ficar alguns dias sem fazer nada extraordinário é exatamente o que eu preciso. Talvez eu gaste meu tempo livre enchendo seu saco um pouco mais. — Empurro seu ombro com o meu e vejo Hazel sorrir, e isso aquece meu coração e apaga qualquer vestígio de preocupação que eu pudesse ter tido ao acordar hoje. Era assim que eu sentia perto da minha irmã, e só de imaginar que alguém podia fazer mal a ela...
— Meus monitores e queridos veteranos! Esse ano, abriremos nossas portas para novos campistas, cheios de energia e ansiosos para conhecerem nosso mundo mágico! Então, como confio muito em vocês, espero que possam orienta-los, e recebê-los em seus chalés durante o verão! — A voz de Quiron soa de um megafone, e quando olhamos para o centro do Acampamento, ele e o senhor D. estão parados lado a lado, cada um com um megafone em mãos.
— O papo de Quiron é ótimo, mas eu confio em vocês realmente é para dar as boas-vindas aos novatos no melhor estilo Acampamento Meio-Sangue possível. — Senhor D. fala, e os monitores e veteranos se encaram, sorrindo, sabendo exatamente do que nosso diretor estava falando. As boas-vindas do Acampamento eram históricas. — Então vamos lá! Abram a porteira e que comece o verão!
Todos aplaudem e gritam, ao melhor estilo loucos por guerra que conhecemos, e os portões do Acampamento Meio-Sangue são abertos.
Observo as crianças chegando, olhando para os Chalés enumerados e para suas cartas, procurando onde iriam passar o verão. Vejo os monitores de cada Chalé sorrirem, cumprimentarem os novos campistas e indicarem para entrar, recolhendo as cartas. Os sorrisos, o som das risadas... Isso sim é mágico. Eu posso não ser fã, mas o primeiro dia do verão oficial do Acampamento Meio-Sangue é aquele momento que o mundo fica em silêncio por alguns segundos, o ar suspenso e a energia reverberando.
Vejo Jason e Thalia Grace parados na porta do Chalé 1, com suas bandanas brancas, sorrindo e recebendo seus novos "irmãos" pelo verão. Vejo as monitoras do Chalé 2, Percy e Tyson na porta do Chalé 3, com as bandanas na cabeça como se fossem para a luta. O Chalé 4, de Deméter, tem Meg e Miranda na porta, sorrindo e entregando flores e pêssegos a quem chega. O Chalé 5 tem Clarisse e Frank os recebendo de uma forma menos... delicada, mas calorosa. Na porta do Chalé 6, Annabeth e Malcom sorriem e distribuem cadernos e canetas com corujas na ponta para quem entra, o que faz sentido.
Na porta do Chalé 7, Will e Rachel estão com suas bandanas amarelas presas iguais, e estão entregando algo que se parece com chaveiros, que eu tenho quase certeza que são em formato de Sol, um dos símbolos de Apolo, o deus do Chalé deles. No 8, das filhas de Artemis, Zoe e Kate entregam chaveiros também, mas dessa vez em formato de arco e flecha.
Observo os monitores do Chalé 10, os filhos de Hermes e os de Dionísio entregarem lembrancinhas e abraçarem seus novos companheiros. Quando uma criança pequena, uma menina, que deve ter em média 10 anos, para na porta do nosso chalé, com uma carta escrito 13 na frente, fico nervoso pois me esqueci completamente dos brindes de boas-vindas aos novos campistas.
— Oi. O Chalé 13 é esse né? — A menina loira, pequena, vestida de preto, questiona e quando estou prestes a entrar em desespero por ter me esquecido, Hazel toma a frente da situação e tira não sei de onde uma cestinha, cheio de broches de caveira e me entrega para segurar, se voltando para a menina.
— É sim! Eu sou a Hazel, a vice conselheira do Chalé e esse é Nico, o conselheiro chefe! Seja bem-vinda. Qual seu nome?
— Helena. Hum, obrigada. — A menina parecia acanhada, mas sorri ao ver o brinde que Hazel entrega para ela.
— Pode entrar viu? Fica a vontade. Eu fico com isso. Bom verão! — Falo, e consigo até sorrir ao pegar a carta de seleção da pequena Helena, e a menina sorri de volta, apertando a alça da mochila e entrando no Chalé. Ainda escuto seu pequeno suspiro impressionado antes que comece a caminhar para explorar sua nova casa pelos próximos três meses.
— Uau! Você até sorriu. Esse verão vai ser realmente uma experiência nova, né? — Hazel fala, me olhando impressionada e eu reviro os olhos.
— Para. Eu consigo ser educado quando quero.
— Então continue sendo, pois lá vem mais.
Hazel aponta para a frente e vemos mais crianças se aproximarem do Chalé, com idades variadas, sorrisos e suas cartas de seleção.
Forço um sorriso e aproveito durante os quinze minutos onde eu ainda consigo sentir minhas bochechas. Depois disso, o sorriso fica lá por obrigação e minha fala é mecânica, e acho que até a Hazel se cansou um pouco no processo.
Quando a última criança chega, Hazel entrega mais um broche de caveira, e eu dou meu último sorriso, que dessa vez era genuíno, e pego a carta de seleção.
— Seja bem-vindo! Tenha um ótimo verão! — O menino sorri, e esse ruivinho me parece familiar. Seu nome era Neil. Será que...?
— Acabou! Que alívio meus deuses. Tô morrendo de fome, irmão. Vai no refeitório comigo? — Hazel fala, interrompendo meu fluxo de pensamentos.
— Não irmã, pode ir. Vou entregar as cartas de seleção pro Quiron pra fazer a lista dos novos campistas. Mas me traz uma coca, por favor? — Faço cara de cachorro pidão mesmo sabendo que Hazel traria de qualquer forma.
— Trago, chato. Diet?
— Sempre.
Minha irmã se afasta e eu guardo as cartas de seleção no bolso da calça, e quando estou caminhando em direção a Casa Grande, uma criança pequena aparece na minha frente, com as bochechas rosas de correr pelo calor e os cabelos bagunçados. Era um menino, de uns onze anos, e não tinha carta de seleção por perto então já devia ter sido recebido em seu Chalé. Será que se perdeu?
— Posso ajudar?
— Tio, o Tio do meu chalé disse que você podia me mostrar o Acampamento. Ele disse que eu não posso ir sozinho pra não me perder, e mandou eu vim até você. — O menino fala apressado, e seus cabelos cacheados e pretos se balançam junto com o vento. Quem foi que largou essa criança sozinha?
— Qual é o seu chalé?
— Aquele lá. Apolo né? O Tio loirinho disse que éramos os melhores. — O menino aponta para o Chalé 7, e na porta, Will Solace me solta um beijo debochado, antes de caminhar para dentro. Aquele desgraçado... Me viu caminhando e me largou uma criança na fase dos "porquês" para cuidar. Evito suspirar, para que a criança não ache que minha frustração é culpa dela.
— Certo. Will. Claro que você é do Chalé 7. Mas tudo bem, não vou te deixar sozinho por aí. — Solto os ombros e guardo as cartas novamente no bolso da calça, olhando para a criança com mais atenção. A agitação dele ao olhar ao redor nervoso, querendo tocar e ver tudo ao mesmo tempo provava que ele era uma criança do Chalé 7 mesmo. — Vamos começar pelo começo. Qual seu nome?
— Eu sou o Nick. Na verdade me chamo Niccolo, mas tenho pavor desse nome, então é Nick!
— Nick? Sério? Meu nome é Nico, acredita? Nicolas, na verdade, mas todo mundo me chama de Nico.
— Eu queria me chamar Nicolas! Mas la donna disse que Niccolo era mais italiano! Eu queria ser mais comum, isso sim. — O menino chama a mãe de senhora em italiano, e suspira, cruzando os braços, e acho tudo isso tão fofo e parecido comigo que parte da raiva que eu sentia antes por Will ter me soltado aquela pérola na caixa dos peitos some.
— Pois eu acho que Niccolo é muito mais legal. Solo i ragazzi più intelligenti si chiamano così, sai? — Falo em italiano, pra saber se ainda estou tão enferrujado quanto acho que estou, e o menino sorri, arregalando os olhos, impressionado.
— Anche tu sei italiano? — Ele pergunta se eu também sou italiano, e eu dou uma risada. Ele era jovem, mas entendia o idioma e falava muito melhor do que eu na idade dele.
— Sou sim. Mas vamos falar em inglês, pra eu não confundir as palavras enquanto te conto as histórias.
— Histórias? Quais histórias?
— A do Acampamento. Você quer conhecer não quer? Pois nada aqui existe sem uma história muito legal por trás. — Falo e começo a caminhar em direção a entrada do Acampamento, onde a história de tudo isso aqui começava.
— Certo. Porque estamos voltando para a entrada?
— Vamos começar do começo. Você sabe porque se chama "Acampamento Meio-Sangue"? — Pergunto, e Nick nega com a cabeça enquanto olha junto comigo para a placa grande acima de nossas cabeças, com o nome do acampamento. — "Meio-Sangue" é um outro termo para semideuses, pessoas gregas e romanas que eram filhas de deuses e mortais, metade metade sabe? Alguns deles eram heróis, outros se tornaram vilões, alguns morreram cedo demais para que se houvesse registro sobre. Mas uma coisa é certa: eles existiram, e nosso acampamento honra a memória dessas pessoas.
— Que legal! É por isso que os Chalés são divididos em 20 deuses? — Nick pergunta quando começamos a caminhar devagar pela trilha dos Chalés, e eu concordo com a cabeça antes de falar.
— Exatamente. No Olimpo, oficialmente, estão sentados apenas 12 deuses olimpianos, os mais importantes, mas aqui nos damos atenção para deidades menores, que também tiveram filhos semideuses e merecem ser reconhecidos. — Paramos em frente ao Chalé 1, e vejo da porta Jason e Thalia correndo com os campistas novos, indicando camas, armários e todo o resto.
— Esse é o Chalé 1, do pai dos olimpianos, Zeus, o deus dos raios, céus e da parada toda. Seu símbolo é seu raio mestre, e seu animal sagrado é a águia. A principal característica dos semideuses desse Chalé é seu espírito de liderança e sua individualidade. Esse é o Chalé de Hera, esposa de Zeus, mãe de boa parte do Olimpo. Rainha dos casamentos e protetora das mulheres grávidas. Quem é selecionado para o Chalé 2 normalmente tem algum desvio de caráter também, mas a gente não fala sobre isso. — Comento baixo com Nick, que ri e me acompanha e quanto andamos em direção ao Chalé do meu amigo Percy. — Esse é o 3, Poseidon, Deus do Mar, com domínio na água e responsável por maremotos e tsunamis. Os semideuses desse Chalé são alguns dos mais confiáveis, pois seu principal traço de personalidade é a lealdade. Falo por experiência própria, já que o conselheiro chefe desse Chalé é um dos meus melhores amigos. Também são responsáveis por lotar nossas aulas de surfe e natação.
— Você é amigo de Percy Jackson? — Nick fala como se Percy fosse alguma celebridade famosa, ou uma das deidades que eu falava e fico surpreso com ele saber o nome de meu amigo tão rápido.
— Sou? Porque? Ele é famoso e eu não sabia?
— Não sei se chega a ser famoso, mas nas redes sociais do Acampamento ele aparece muito! Pegando aquelas ondas iradas, e fazendo umas acrobacias bem legais. Me inscrevi por isso, queria muito ser desse chalé para aprender com o melhor. — Nick parece sonhador e eu fico surpreso com o quanto ele parece admirar Percy, então farei minha boa ação do ano e ajudarei aquela criança.
— Bom, mesmo que você não seja do Chalé 3, Percy ainda pode te dar umas aulas de surfe, sabia?
— PODE? SÉRIO? — Nick fala tão alto tamanho o entusiasmo que as pessoas de dentro do chalé olham na nossa direção, incluindo Percy. Antes que Nick perceba e tenha uma síncope nervosa, o empurro delicadamente em direção ao próximo chalé, acenando para Percy rapidamente.
— Posso ver o que eu consigo mais tarde. — Pisco, e Nick fica tão empolgado que não posso me esquecer de pedir isso à Percy. Era importante. — Bom, esse é Deméter, o Chalé 4, e eles são as pessoas certas para procurar caso sua planta morra, ou você seja fã de jardinagem. Eu não sou, então pra mim. — Dou de ombros, e quando estamos caminhando para o próximo chalé, Meg passa voando por nós.
— Oi Nico! Oi criança nova! Licença. — Ela voa com sua saia rodada de presilhas e tenho tempo de falar com ela antes que a menina suma na loucura que era seu chalé agora.
— Oi Meg! Que confusão...
— Achei que você não se importasse com eles.
— Ah, eu não ligo muito pra deusa, nem sou fã do que eles fazem, mas as pessoas do Chalé 4 são educadas, e uma ótima companhia. Seu traço de personalidade principal também é a bondade, então odia-los de verdade é impossível.
— Uau... Esse é...
- Ares. Chalé 5, deus da guerra. — Completo o que Nick ia dizer e entendo seu choque. O chalé de Frank era todo vermelho, com espadas desenhadas, símbolos de punk, guitarras e caras de cachorro mal. Era imponente, e tinha uma espada pendurada acima da porta, como se fosse lhe matar caso você ousasse passar por ali. — Eles não são tão queridos assim, mas são boas pessoas. Clarisse é prestativa, e Frank, além de ser meu melhor amigo também, é a pessoa mais gentil que você vai conhecer. São líderes natos, e nunca fogem de uma briga, mas se você sabe como tratá-los, são amigos valiosos.
— Você conhece muito de mitologia grega. E muito dos campistas. A quanto tempo você tá aqui?
— Esse é meu sétimo verão. — Mostro minha pulseira de contas, com seis bolinhas e coloridas, e Nick fica surpreso. — Esse lugar é mágico, e uma vez que você vem, sua única vontade é de vim todo ano, até o fim da sua vida.
— Espero me dar bem nesse acampamento. Os outros que eu fui... Não funcionou legal. — Nick parece cabisbaixo, e sei exatamente o que quer dizer. Já troquei de escola muitas vezes por "não me encaixar", eu sei o que ele sente.
— Não eram o seu lugar. Mas o Acampamento Meio-Sangue... É diferente. Você não escolhe o lugar, ele que escolhe você.
Pisco, e isso parece alegrar Nick um pouco pois seguimos nosso tour/aula de mitologia grega/apresentação sem maiores problemas. Para uma criança hiperativa, Nick prestou bastante atenção no que eu falava, me interrompendo para questões pertinentes ou coisas que ele não entendeu.
Era um menino especial, e sendo do Chalé que era, eu tinha certeza que ia encontrar seu lugar logo logo!
— Bom, você preencheu aquele formulário on-line quando se inscreveu né? O que definiria seu Chale e aquelas várias perguntas?
— Respondi. Falaram que o resultado era aquela carta que eu recebi hoje. Mas só tinha o número 7 em amarelo na frente e falaram que não podia abrir...
— Aquela era sua carta de seleção. Quando você respondeu o teste, analisaram seus principais traços de personalidade e comparam com qual deus você seria mais compatível, como se fossem os signos do zodíaco. Pelo visto você é bem criativo, e deve ter algum interesse por arte ou medicina.
— Eu tenho! Na verdade eu gosto de fotografar, mas não sei se isso conta como arte...
— Claro que conta! Blanche, a conselheira chefe do Chalé de Íris, é a responsável pelas aulas de fotografia do acampamento. Acho que seria bom você conhecer ela. — A ideia parece animar Nick, e continuamos caminhando. Faço breves explicações sobre os chalés, até pararmos na porta do meu.
— E esse? Deve ser o seu né? — Nick fala, apontando para o 13 na minha bandana ao pararmos em frente ao chalé, que estava um caos de campistas novos entrando e saindo.
— É sim. Chalé 13, os filhos de Hades. Anti-sociais, gostam de ouvir música e ler livros ao invés de ir para festas. Hades é um dos Três Grandes Olimpianos, e como ele vive no submundo, isolado de todos, isso explica porque seus filhos apesar de terem varias habilidades preferem a própria companhia a dos outros. Mas se você consegue conhecer um de nós melhor, vai ser que temos muito a oferecer.
— Verdade. Vocês gostam de preto né? — Dou uma risada com o comentário de Nick pois tenho a sensação que já ouvi isso de antes de um filho de Apolo tão impertinente quanto ele.
— É, é meio que o nosso lance. — Chegamos na porta do Chalé 14 e vejo uma menina de cabelos loiros se aproximando da porta, correndo menos que os outros conselheiros chefes. Não importava o tamanho do caos, os filhos de Íris eram um centro de equilíbrio perfeito por todo o acampamento. — Enid!
Chamo a atenção da menina loira com mechas coloridas e a vice conselheira se aproxima sorrindo, ao nos ver parados perto da porta.
— Nico! Tudo bem? Te vi pouco essa semana. — Enid me abraça, com aquele seu jeito natural de ser e eu não posso evitar de sorrir.
— Tudo sim. Correria da semana, sabe como é. A Blanche está? Tem uma pessoa querendo conhecer as oficinas de fotografia dela. — Aponto para Nick que agora estava muito mais acanhando do que antes, como se Enid o intimidasse.
— Oi! Eu me chamo Enid. Sou vice conselheira do Chalé de Íris. Qual seu nome? — Enid estica sua mão com unhas longas e coloridas, sorrindo de ponta a ponta, e Nick fica tímido, aceitando sua mão de maneira envergonhada.
— Eu sou o Nick. — Ele fala, e Enid fica esperando ele continuar e apresentar o próprio Chalé. Bato na minha própria testa, sem acreditar na minha lerdeza. Não expliquei a ele como é feito as apresentações pelo acampamento.
— Perdão, Enid, esqueci de explicar isso a ele. — Então me viro pra Nick, que continua meio perdido, alternando seu olhar entre mim e Enid. — Aqui no acampamento, você sempre se apresenta falando seu nome e seu chalé. Essas bandanas são apenas dos conselheiros chefes e dos vices, para facilitar a identificação de quais pessoa você deve pedir ajuda caso precise. — Nick afirma que entendeu, então me volto para Enid outra vez. — Bom, o Nick é um filho de Apolo. E muito mais comunicativo que isso.
— Não tem problema! — Endi sorri e dispensa meu comentário com a mão, como se a timidez de Nick não a incomodasse. — E a Blanche está ocupada, mas como o chalé tá tranquilo, acho que eu posso te mostrar as oficinas. Você topa? — Ela sorri para Nick, que me olha acanhando, sem saber se aceita ir com ela e me abandonar. Dou um sorriso encorajador a meu mais novo amigo e aperto seu ombro.
— Pode ir, Nick. Ela vai concluir o tour com você. Amanhã podemos ter aquela aula com Percy, o que você acha? — Comento, bagunçando o cabelo dele e Nick se ilumina todo outra vez.
— Você também surfa?
— Surfo. Pelo menos esse ano.
— Surfa? — Enid parece chocada, e eu também estaria. Eu era um dos inimigos da água. Se eu não tivesse sido obrigado...
— Longa história, Enid. Mas enfim. Te busco no seu chalé, pode ser? — Enid ainda parece confusa, mas Nick assente veementemente e fico feliz de ver sua animação renovada. — Bom, eu vou indo. Tchau!
Enid se despede e quando já estamos caminhando em direções diferentes, sinto um corpo pequeno me agarrar por trás, me abraçando pela cintura. Vejo Nick preso ali e não consigo evitar de sorrir.
— Obrigado, Nico. A maioria das pessoas não tem paciência comigo. Mas você teve. Somos amigos agora, né? — Ele pergunta, me olhando com seus olhos azuis gigantes e mesmo que não fôssemos, eu nunca ia conseguir dizer isso pra ele.
— Claro que somos! Esteja pronto cedo. — Bagunço seu cabelo outra vez e Nick sorri largamente, antes de me soltar e correr de volta para Enid, que observava a cena com um sorriso.
Eles se afastam e fico observando por um pouco mais de tempo. Nick já tinha voltado a falar, e Enid era a segunda pessoa mais comunicativa daquele acampamento, a pessoa perfeita para concluir aquele tour com Nick.
Vou em direção a Casa Grande, rindo sozinho de como a minha manhã foi interessante. Eu podia não gostar tanto assim dos primeiros dias de verão no acampamento, mas Nick tinha feito minha manhã ser tão produtiva e divertida que eu nem conseguia me lembrar porque não gostava. Faço nota mental de agradecer a Will por me enviar aquela criança depois. Mas falando no diabo.
Quando chego na porta da Casa Grande, meu sorriso some, pois o próprio Will Solace está parado na entrada, de braços cruzados e um sorriso presunçoso no rosto.
— Rindo sozinho desse jeito parece que o passeio foi bom. — Ele fala, e não sei medir o nível de ironia naquela frase nesse momento.
— Você devia ter vergonha. Se livrando dos próprios irmãos? Que coisa feia, Solace. — Subo os últimos degraus e paro a sua frente, com as mãos dentro dos bolsos da calça. Will franze as sobrancelhas e antes que possa me responder, penso em algo. — Ah, mas isso é errado. Acho que Quiron tem alguma política bem moralista sobre tentar se livrar de campistas novos tão rápido assim...
Abro um sorriso tão irônico quanto o seu e começo a me afastar em direção a Casa Grande, blefando, claro, mas Will fica nervoso com a possibilidade de eu dedura-lo, então ele não precisa saber que não tenho essa reação intenção. Boa parte da nossa relação é baseada em ameaças, e só 40% eram brigas de fato. Mas parecia que brigávamos muito mais.
— Eu não estava me livrando dele, tá legal? — Will segura meu braço pra me fazer parar de andar, mas rapidamente solta, como se estivesse pegando fogo. — Eu apenas tinha outras demandas na hora. E você não parecia ter, então...
— É engraçado ver você se justificando pra mim. Parece até que você tem medo. — Comento, dando risada, e volto a fazer meu caminho até a secretária do Acampamento. Mas os passos de Will me acompanham. Ele estava empenhado hoje né?
— Você não pode faltar a fogueira hoje, tá? Não tô nem aí pros seus problemas de socialização, a fogueira é obrigatória. — Problemas de socialização? Esse menino estava perdendo a noção do perigo hoje.
— Se você continuar me irritando desse jeito vou fazer a gente lavar os pratos depois das refeições por uma semana. — Não tinha ninguém na secretaria, então coloco as cartas de seleção junto com as outras que achei ali e me viro para Will, para ele ver que eu estava falando sério. — Não me importo de pagar o pago se for pra você ser um pouquinho menos prepotente.
— Olha, eu não quero nem imaginar o quão deturpados são os seus conceitos de convivência em dupla, mas você não pode fazer isso. Vai se prejudicar só pelo prazer de me ver prejudicado?
— Vai doer muito menos em mim, Will, pode acreditar.
— O que você quer dizer isso?
— Quantas aulas de interpretação de texto você faltou na escola? — Levanto uma sobrancelha e o olho de Will treme, naquele tique nervoso que sempre acontecia quando discutíamos. — Antes que eu esqueça, amanhã, temos um convidado na aula de surfe.
— Convidado? Quem?
— Nick. Aquele menino novo do seu chalé que você dispensou hoje mais cedo. — Falo isso um pouco mais alto, para fingir que vou gritar pra Quiron ouvir e Will treme o olho novamente, sem saber se avança ou não. — Ele é fã do Percy e de surfe. Falei que ia conseguir umas aulas especiais pra ele.
— Ótimo. Então você vai fazer companhia pra ele na aula de iniciantes. — Will sorri, e da de ombros, se afastando. Dessa vez sou eu que seguro seu braço.
— Iniciantes? Como assim?
— Não te falei? Eu e o Percy seremos os instrutores dessa aula esse ano. Você nunca fez surfe antes, então é iniciante. Você vai adorar!
E dando um tapinha no meu ombro como se para confirmar que não, eu não ia adorar coisa nenhuma, Will se afasta, cantarolando o que podia ser facilmente a melodia da música tema do filme Enrolados, ou apenas coisa da minha cabeça.
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last summer - solangelo
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