◊ Capítulo 9 ◊

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Colterre, 17 de setembro.

    Querida Cindy,

    Perto do seu nascimento, morreram quatro pessoas importantes em Colterre. Após escrever estas palavras percebo que essa não foi uma maneira agradável de começar essa carta, mas a sutileza nunca foi um dos meus domínios. Por essa razão, contarei sobre cada uma delas, sendo sincera e sem usar eufemismos.

    Naturalmente, a história começa com Odette. Ela foi uma mulher pobre, contrariando o significado de seu nome, que veio do sul para recomeçar em Ulera. Poderia ter ido para qualquer outro país do nosso continente, mas parou em Azaleia. Onde começávamos a usar nossa língua atual, deixando o cenfra para os países do norte."

*Cenfra: a língua usada pelos moradores mais ao norte de Ulera, de onde vêm as palavras "chérie", por exemplo.

    "Odette quase não falava, temerosa em demonstrar seu sotaque carregado. Mas os criados logo perceberam que não era muda e Amélie ajudou-a na fala, aos poucos. Um dia, quase por acaso, nos encontramos numa sala e ela ficou emudecida, com medo de mim. Mesmo assim, ao indicar uma mancha horrenda em meu vestido, logo ela me conquistou com sua sinceridade. O silêncio de Odette se transformou numa energia segura, um refúgio. Então não demorou até ela deixar o cargo de arrumadeira para se tornar minha ama.

    Quanto a Nicola, eu precisaria de uma carta inteira para descrevê-lo. Gostava de ouvir histórias, apesar de não ser um leitor assíduo. O teatro de fantoche, rodas para contar lendas e encontros em tabernas para fofocas intrigantes era o que normalmente conquistavam-o. Talvez por isso fosse tão bom vendedor. Aprendeu o que chamava atenção de seus clientes, como instigar seu interesse e, no fim, a persuadi-los. Sua família era composta por mercadores e comerciantes que trabalhavam com objetos antigos e achados valiosos; ele era o primeiro a tentar a área agrícola. Veio para Colterre na intenção de negociar o trigo, que faltava em Frada devido ao ano ruim de colheita. Poderia ter recorrido aos fazendeiros do norte de Azaleia ou até os de Olyn, mas queria minha produção. Quando nos conhecemos pessoalmente, justificou afirmando:

   "Quero a melhor colheita, senhorita".

    Talvez eu tenha sido rude na ocasião, mas a quantidade que ele pedia era quase absurda e, naturalmente, fiquei desconfiada.

    "Senhora", corrigi. "Já tenho marido".

    Nicola sorriu, como se achando graça do meu mal humor.

    "Então talvez eu devesse negociar com ele, senhora?"

    "Não. Negociará comigo se quiser o trigo".

    "Feito então, porque não irei embora sem ele".

    Nunca me esquecerei a maneira que ele me encarou ao dizê-lo, como se não estivesse falando do trigo. Provavelmente porque foi a primeira vez que vi seu sorriso, e a primeira que me apaixonei por um. Por sua ousadia, Odette aconselhou que eu negasse qualquer tentativa de negociação. Mas acredito que quando algo te faz feliz, mesmo que nas condições erradas, nem mesmo a maior sensatez lhe fará se afastar desse algo. Sendo assim, é óbvio que minha correspondência com Nicola não cessou.

    Dessa decisão, surgiu uma consequência: meu filho. Numa situação como essa, qualquer homem esperto teria fugido para os montes, levando o trigo que eu vendi, mas aparentemente Nicola não era esse homem. Quanto a Armand, meu antigo marido, ele precisou de apenas dois meses ou três para descobrir. Como esperado, ele foi atrás de Nicola; não precisou que eu dissesse o nome dele para presumir quem fez sua mulher pegar barriga.

Cindy e Ela [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora