O discurso para um Generoso, um Humilde e um Tolo.

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Sugiro a seguinte correção:

Ao chegar à Grécia, Astarco sente o cheiro de peixe seco e da terra de seus ancestrais. É verdade que ele é romano, mas seus mestres, como Platão, Aristóteles, Sócrates e Diógenes, nasceram e andaram por tais ruas. Imaginar andar onde seus deuses andaram é, para Astarco, como realizar um projeto de vida, pois seus caminhos estão alinhados com suas convicções e seus passos convergem para seus mestres.

Chegando até o porto, Astarco observa duas pessoas. Uma era um sábio velho e a outra era jovem e tenaz. Ambos estavam discutindo. Astarco parou para ver a dupla de homens:

- Eu lhe digo e falo com clareza, generosidade é uma virtude. Ela nos aproxima da humanidade - falou o mais velho. O mais jovem tratou de discordar, dizendo:
- Marco Philipo, estou dizendo, a generosidade é uma mentira. O homem apenas é generoso quando convém. Não existe tal generosidade. Somos seres oportunistas.

Então, Astarco parou diante dos homens e disse:

- Vejo que Marco está com a razão, pois o assunto principal é se a generosidade existe. Se ela é uma atividade oportunista, isso é outro assunto. O fato é que o sábio busca sempre um motivo racional para ser generoso, o tolo busca a vaidade como justificativa para a generosidade. Ele demonstra com exemplos enfadonhos cheios de ego. Por isso, é fácil perceber quando alguém é generoso. Marco, o filósofo mais velho, sorriu e convidou Astarco para caminharem juntos.

Enquanto caminhavam pela rua, o mais novo, chamado Hélio, perguntou a Astarco:

- Um homem generoso é um homem humilde ou um homem tolo? Astarco pensou, depois disse:

- Depende. Este homem sabe o que é humildade? Hélio então disse:

- Mas sendo generoso, é possível ser humilde? Astarco retrucou:

- Não sei, mas é possível estimular a humildade em uma pessoa generosa? Hélio então ficou em silêncio e Astarco passou a pergunta para Marco Philipo, que disse:

- Vejo uma técnica impressionante de maiêutica. Vamos lá, a humildade está para o sábio como o mapa está para o descobridor. Pois o sábio busca pela humildade, localiza seu nome e lugar no cosmos. A humildade é um atributo, um valor, que confere ao sábio a percepção para o comportamento. Então Hélio perguntou para Marco, intrigado com sua fala:

- Mas o humilde não é aquele que está desfavorecido de posses e simples no campo das ideias? A humildade não é o atributo dos materialistas, que veem as posses como um feitor e impedem o homem de alcançar a felicidade? Astarco pediu a palavra e disse:

- Filho, as posses nada têm a ver com o humilde. Um rei pode ser humilde sem se despojar de seus tesouros, desde que ele não seja escravo de suas moedas. O pobre não necessariamente é humilde, pois tal afirmação pode ser um preconceito. É até plausível se o orgulho for o motivo de sua decadência. Humildade está para o homem que reconhece as falhas que tem, reconhece a brevidade de suas ações e a brevidade dos materiais. O humilde compreende o real valor das coisas e, para ele, a moderação é uma ferramenta para alçar a humildade. Ele sabe seu caminho no mundo e onde está, sabe como se portar sem causar desequilíbrios, está para a correta função de sua construção, evitando os excessos e devaneios. Logo, o generoso não é a contraparte do humilde. Então, o humilde generoso é aquele que divide aquilo que cabe a cada um de maneira regrada. É o homem que doa a palavra ao tolo, o cobertor ao frio e a justiça ao injusto, sem desviar do caminho que percorreu, sem vaidade, e se errar é capaz de corrigir, de mudar e transformar.

Marco olhou impressionado e completou seu pensamento, dizendo:

- Um homem humilde é capaz de entrar em qualquer porta, seja a porta do recinto dos servos, ou seja a porta dos reis. Pois nele cabe tudo, ele sabe onde pode chegar e como se portar diante disso. O tolo é subserviente, achando que está humilde. Ele acredita que serve o mundo assim, dobrando sua vontade ao mundo. Ele sofre e afirma que tal sofrimento é consequência de humildade. O tolo reconhece a humilhação, mas não compreende seus erros. Ele não aceita o lugar onde lhe cabe e está fora de contexto. O humilde reconhece a verdade absoluta de que nem todos merecem sua atenção. E o humilde generoso, este é aquele que arruma maneiras de doar, ainda que não possa doar nada. Ele está lá para vestir-se de humanidade. Para o humilde, sua vida não é sofrida, pois ele é criterioso, dotado de maestria e lucidez. Ele esquiva da armadilha do ego ferido, sem romper com o "bom" orgulho de fazer bem feito, sem vaidade ou autopromoção.

- Mas ainda é possível um humilde ser um generoso e ainda ser um tolo? - disse Hélio. Astarco então disse:

- O homem é a soma de suas virtudes e a subtração de seus erros, lembrando que as virtudes, assim como suas falhas, possuem graus. Então, é possível ser a soma de todos os atributos do homem. A mente de um ser é dotada de inúmeros deuses internos que permeiam a alma do homem. O sábio detém todos os deuses, ele está em harmonia, agindo em conjunto e em comum acordo com todas as partes. É possível até o sábio extrair, de sua própria tolice, um aprendizado grandioso.

Ambos estão satisfeitos com o estudo e, juntos, vão até a casa de Marco para comer e continuar suas teses.

Os discursos de Astarco Onde histórias criam vida. Descubra agora