Meu Coração é Teu

Capítulo 1

— Repouso? Como assim? — falei em choque.

A doutora Nicole retirou os óculos de aro preto do rosto e esfregou o nariz antes de continuar o seu discurso.

— Isso mesmo que ouviu, querida. Você precisa descansar, está com Síndrome de Burnout.

— Síndrome do quê? — perguntei levantando do encosto da cadeira, que por sinal era super confortável.

Eu visitava seu consultório duas vezes ao mês para descarregar nela todos os meus problemas e inseguranças.

— Síndrome de Burnout. É um distúrbio que é provocado pelo excesso de trabalho e você está trabalhando demais. Precisa tirar férias urgente! — explicou.

Ela nunca havia sugerido repouso para mim antes. E, para uma advogada ocupada e reconhecida como eu, ficar de férias era praticamente um luxo.

— E o que faço com isso? — falei cansada, soltando uma pilha pesada de papel em cima da mesa dela. — Surgiu um caso interessante e preciso dar conta...

— Livre-se dele — a doutora me cortou de imediato. — Você precisa de repouso Melissa. Qual foi a última vez que se divertiu?

Abri a boca para responder sua pergunta.

No entanto, ao vasculhar na minha memória rapidamente percebi que eu não me lembrava qual tinha sido a última vez que tinha feito algo prazeroso. Não descansei no meu aniversário, nem no feriado e muito menos no Natal.

A doutora Nicole ergueu uma sobrancelha devido ao meu silêncio.

— Está vendo, você precisa de descanso.

— Por quanto tempo?

— Não sei. Apenas dê um tempo para que seu corpo se recupere.

Olhei meu reflexo pelo espelho do consultório da doutora.

Era verdade, eu não estava bem. As orelhas não estavam desaparecendo com a maquiagem. Mesmo controlando as horas de sono, sentia que meu corpo não estava recuperado no dia seguinte. E para piorar, não rendia no trabalho. Ficava estressada, cansada e uma angústia inquietante me invadia as vezes.

— Você está certa. É hora de parar — concordei a contragosto.

A doutora Nicole abriu um sorriso grande e largo para mim, mostrando todos os dentes. Ela parecia o gato da Alice quando fazia isso e me deixava um pouco assustada.

— Isso é ótimo — falou batendo palmas. — Já tem em mente para onde ir? Um lugar tranquilo e acolhedor?

Pensei um pouco.

Tranquilo. Acolhedor.

Esses adjetivos não combinavam com o meu apartamento de luxo, localizado no edifício mais alto do centro da cidade. Só em pensar em ficar meus próximos dias enfurnada no lugar sozinha me dava arrepios.

— Eu não faço a menor ideia — bufei.

— Que tal ir a praia? Fazer compras no shopping? — sugeriu.

— Eu não gosto de fazer compras, isso me estressa. E só em imaginar aqueles grãos de areia grudando na minha pele...

Então congelei. Lembrei de algo.

— Acho que já encontrou seu paraíso — disse a doutora sorrindo.

— É. Não é exatamente um paraíso, mas vai servir para o meu propósito. Eu costumava ir nesse lugar na minha infância.

— Que lugar especial é esse?

A fazenda dos meus avós.