DEZOITO

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MINHA PELE ADOTOU UMA TEXTURA ESTRANHA. Me sinto mais fraca do que antes, ainda que o frio seja menos agressivo aqui. O vazio da escuridão é preenchido por minhas paranóias e não me lembro da última vez que pisquei e muito menos ainda sei como executar este movimento. Parece que ficar parada por muito tempo torna os segundos sem a escuridão tão perto quase torturantes, e os sons externos mais altos do que deveriam ser.

Nós não fomos alimentados e o enfraquecimento gradativo de Peter reflete em seu dom e torna respirar uma atividade traiçoeira. A água umedece o interior de minhas narinas de tempos em tempos, provocando minhas memórias mais sombrias a me consumirem em loucura.

Precisamos sair daqui.

Me pergunto se nosso grupo ainda está na caravela, esperando por nós. Talvez eles achem que já estejamos mortos, ainda que ache que minha morte poderia alterar a terra demais para que pensassem que tenhamos morrido. O musgo que Emma passou em meus membros para proteger meus cortes começa a deixar minha pele em gomos escuros que vejo flutuando em minha volta. Parte do meu corpo já arde com a água salgada e o tempo que estamos perdendo aqui embaixo.

As portas da prisão já se abriram tantas vezes que meus ouvidos pararam de prestar atenção nisso. Um guarda para em minha cela e nos encara por um tempo, só então percebo que há algo errado.

Ele recuar abre a cela de Peter; levanto-me de súbito, com os olhos arregalados, perguntando-me se vão levar meu irmão e realmente morreremos em breve. Logo em seguida, ele abre a minha. Outros guardas o alcançam e entram, imobilizando meu corpo contra a parede até que meus pulsos fossem algemados com Pedra Negra.

Prenda a respiração! — grita Peter. Meu coração errou uma batida quando inspiro água ao invés de ar.

Escolhida, a escuridão saúda com seu ar irônico.

Não consigo sentir alívio ao ouvir a escuridão aproximando-se enquanto não consigo respirar.

Tudo está se repetindo.

Eu não posso respirar. Eu não posso chegar à superfície nem se quisesse aqui. Eu preciso de ar. Eu preciso sair daqui agora. Me contorço e chuto a água enquanto os guardas seguram meus braços e me arrastam para algum lugar desconhecido contra minha vontade. A sensação da água à minha volta é desconcertante. Fecho os olhos com força, obrigando-me a não respirar e indo contra a vontade dos meus pulmões que já ardem. A sensação é terrivelmente familiar e me deixa tonta.

Eu vou morrer.

Eu vou morrer.

...Você não morrerá aqui...

É difícil de enxergar quando abro os olhos novamente, desesperada por algum controle sobre minhas ações. Consigo sentir olhares sobre nós, um tipo novo de piso tocar meus pés quando sou forçada a me ajoelhar, ainda sendo arrastada pelos mesmos guardas. Procuro por Peter mas não o vejo e isso piora a situação.

Quando já não consigo mais lutar contra meus instintos, eu inspiro e sinto a água invadir meus pulmões.

Quero chorar e gritar e morrer de uma vez. As lembranças da caixa de vidro me atingem com tudo e expiro com força para tentar me livrar da sensação, rezando para que na próxima vez que inspirar, eu receba ar ao invés de tortura.

Inesperadamente, isso acontece.

Os sons voltam como se a água deixasse de nos rodear e consigo respirar como qualquer outra pessoa. Os guardas me soltam, sou atirada com tudo no chão, engasgando com a água que engoli e os olhos lacrimejando. Ouço um grunhido de desgosto à minha frente, mas estou ocupada demais lutando para não vomitar.

Quebradora da MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora