O estudo sobre a consciência e a lucidez

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O homem, em sua potência, está inconsciente diante da realidade. Astarco estudava avidamente sobre a mente do homem, lendo os textos de outros filósofos e médicos gregos. Então, seu amigo Herófito, que também estudava anatomia, interrompeu sua leitura dizendo:
- Meu velho amigo, se continuar assim, vai ficar doente. Está há dias sem descansar e precisa comer. Astarco então respondeu:
- Estou morrendo. Não tenho mais tempo para descansar e estou perto de compreender um fenômeno. Vejo nos trabalhos de outros filósofos e médicos que o homem vive na inconsciência e, portanto, sofre. O homem precisa aprender a ver a realidade como ela é. Vejo que esse desgosto pela realidade é resultado da perseguição do homem Animal em superar o homem hominal, e, portanto, preciso estudar para compreender o porquê. Astarco pegou sua janta e ali mesmo fez suas refeições, depois começou a escrever:

"Nas minhas buscas, eu defino como consciência o nível de racionalidade em que o homem enxerga o mundo como ele realmente é, sem devaneios ou ilusões. Um homem lúcido é aquele que convive com os fatos e a realidade da maneira que ele passa a preferir. Eu vejo que a mente das pessoas sabota a lógica da consciência, usando suas paixões e desejos para obscurecer a razão, criando uma ideia perpétua. A mente é incapaz de descontinuar. Seguindo o exemplo de hoje cedo, eu vi um homem que estava no campo, trabalhando arduamente. Então houve um raio que destruiu parte de sua lavoura. Ao invés de ir para o poço, o homem começou a venerar o raio e sacrificou um boi para o céu. Não sou contra a religiosidade, porém, creio na lógica das coisas e que os limites dos comportamentos devem ser respeitados. Se a mente se limitasse ao raio, ele salvaria seus campos com água. Vejo que os sonhos e as ideias inconscientes são viciantes. Pensar sem racionalidade pode ser um estímulo prazeroso, por conta de sua facilidade. Logo, o homem ama seguir seu eu bestial, como um cachorro persegue o rabo. Então, eu atesto que o órgão mental busca diariamente o prazer como necessidade. Alguns dias, eu vi uma criança que, no começo do ano, não gostava de aritmética. Porém, com o esforço, vi que ao final do ano ela passou a gostar. Logo, eu creio que a sabedoria e a busca pelas virtudes são comportamentos estimuláveis e o cérebro pode não aceitar de pronto. Creio que essa resistência é a inconsciência, e assim que ela é superada, o homem tem mais domínio sobre si."

Astarco, angustiado com a busca pela verdade sobre a mente, foi até o banheiro e lavou o seu rosto. Ao olhar no espelho de bronze, ele voltou aos seus manuscritos.

"Os meus estudos apontam outra forma de manifestação da inconsciência, a qual vou chamar de pensamento neurótico. Quando o homem possui uma ideia que não sai do seu campo pessoal, pode ficar inconsciente. Essa inconsciência é momentânea e pode ser explorada pelo sábio afim de esgotar todas as possibilidades. Seguindo esse princípio, aprendi sobre o funcionamento da inconsciência e muito mais do que guardar as memórias e as experiências e formar a mente pensante e as inteligências. Sim, o homem é dotado de várias personas e, portanto, tais personalidades possuem inteligências singulares. Tais inteligências são evoluídas e desenvolvidas pela soma da experiência e da instrução geral, seja através do conhecimento acadêmico, seja através do conhecimento cultural, religioso e social. Vejo um papel vital da sociedade para gerar um ser humano consciente. Numa sociedade onde a educação e o controle das emoções densas são estimulados, as chances desses seres serem lúcidos e desejarem os fatos é infinitamente maior. Nesse caso, mais uma vez, eu dependo da sociedade para estudar o homem. Tal relação é constante. Não consigo desassociar o homem sem cair na responsabilidade de estudar o meio no qual o indivíduo é inserido. Voltando para o pensamento da consciência e do desenvolvimento mental, seguindo os exemplos que vejo em Atenas, quando um homem está imerso num contexto de ocupação da mente, ele passa a desejar. Se o indivíduo estiver constantemente estimulado a pensar e usar a razão, ele passa a ser lúcido. O ócio útil ao homem também está dentro desse fato, porém as pessoas não sabem como o ócio útil é real, pois o quê é útil?

O velho toma o caneco de vinho e vai para a varanda. Ele observa a noite, mesmo olhando a noite ele não está lá, e sabe disso. Então ele diz:
- Eu sei de minha condição, estou aqui, mas tal busca está me obcecando, de maneira que quanto mais penso, mais anseio. Eu sou o resultado de minha pesquisa ou a armadilha de minha busca? Astarco então dormiu, ali mesmo na biblioteca, sendo acordado ao amanhecer por Herófito, que disse:
- Teu pensamento vai te levar ao declínio. Descanse. Você não precisa fazer de sua vida uma obsessão. Foi então que Astarco gritou:
- Eu descobri o que é o pensamento. Ele é uma obsessão. Por isso, eu não saio desse comportamento. Estou viciado na busca por definir a consciência e isso não está me levando a ser consciente. Então, eu vou fazer o oposto e agir. Estou tomado por trabalho, então é hora do ócio útil. Astarco retorna ao manuscrito e escreve:

"Agora, com maior clareza, percebo como vou definir o ócio útil. Quando os pensamentos rodam dentro da consciência e passam a se tornar incoerentes, o pensamento está obsessivo, e o tempo de ócio é necessário para trabalhar o comportamento e assim seguir da inconsciência para a consciência. O homem que busca de maneira feroz a razão está fora de seus limites e, portanto, não está vivendo o mundo material. Logo, está adormecido para os fatos. Então, o ócio pode dar bálsamo para a alma fatigada. Até mesmo os sábios podem ser pegos pela armadilha da inconsciência. Viver o agora e o fato pode ser necessário subtrair do objeto de estudo e desenvolvimento para, a partir daí, seguir quando o descanso tiver sido concluído. Então, a inteligência precisa do descanso para ajudar na absorção do conhecimento. Vejo as estruturas da mente e seus fenômenos complexos e ainda em descobrimento. E estou convicto de que tal descobrimento, em comparação com o desenvolvimento do homem, pode ser infinito, já que suas potências seguem o ritmo de seu aperfeiçoamento, ou seja, quanto mais o homem desenvolve, mais complexa é sua mente. Sendo assim, é infinito."

Astarco saiu da biblioteca e seguiu para a casa de seu amigo para relaxar após sua descoberta.

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