ESPERANÇA

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Na manhã seguinte após o evento em Astarel...

Hitori acordou com o som abafado e intermitente da água expelida pela torneira, a qual atingia a pia de madeira envelhecida sem que houvesse intervalos. Optou por não abrir as pálpebras ainda, pois acabara de encontrar em suas memórias todos os últimos acontecimentos. Para uma criança de apenas onze anos, as coisas que passou eram demais para absorver. Ele apenas queria descansar, afinal, aquela era a sua coisa favorita no mundo: o descanso.

O som da água deu lugar a um barulho agudo de ferro chocando-se a alguma superfície - provavelmente a mesma onde a água anteriormente alcançava. Eram sons de pregos. Estavam amontoados entre si e, pela possível superfície íngreme da pia, desciam rolando em direção ao ralo.
Não conseguiu continuar deitado após assustar-se com o abrir estrondoso da porta da sala. Da paisagem externa coberta por uma intensa neblina emergiu uma figura de corpo parrudo, a qual tinha uma altura tão elevada que precisou abaixar-se para adentrar a casa. Em seus braços de pele escura e contornados por inúmeros músculos estava uma quantidade impressionante de madeira cortada e enrolada por duas cordas. Após fechar a porta, o homem encarou Hitori com um sorriso vibrante e então proclamou.

— Ô Krist, o moleque acordou! — Hitori com os olhos arregalados olhou para trás, tentando identificar a pessoa que foi referida pela enorme figura. Atrás de uma porta semiaberta havia algo que parecia ser um banheiro. Logo na entrada pôde identificar alguém se aprontando de frente a um espelho acima da pia. Era um outro homem de estatura média. Antes que Hitori pudesse olhar para o rosto do homem pelo reflexo do espelho, o mesmo cobriu sua face aproximando uma máscara de ferro maciço rodeada por pregos, deixando apenas os espaços escuros onde localizam-se os olhos.

— Quem são vocês? — Hitori rapidamente levantou o tronco e com medo afastou-se contra o encosto do sofá que estava deitado. Constantemente virava a cabeça para que pudesse encarar os dois sujeitos.

— Cê pode me chamar de Jiren, miúdo. — Deixou a lenha posicionada próxima à lareira, em seguida apontou para si com o dedão.

— Kristian. — Apresentou-se ao mesmo tempo em que fechou a fina porta de madeira que dava ao banheiro. Sobre os seus trajes, fora a estranha máscara de ferro, o que mais se destacava era um cachecol verde de tecido espesso. Em proclamação ao seu nome, o homem sequer olhou para a direção do pequeno.

— O Kristian é um homem de poucas palavras, como pode ver. Não liga, não. — Com um sorriso simpático, Jiren coçou a nuca isenta de qualquer fio de cabelo. — Pode chamar ele de Krist, se quiser.

— Não, não pode. — Dirigiu-se para a cozinha.

— Eita bicho ignorante. — Jiren cruzou os braços — Seja um pouco mais amigável com a criança. Cê não tá vendo que ele não tá entendendo nada? — Olhou para Hitori, que continuava sentado com os olhos arregalados e corpo trêmulo. Suas mãos apertavam o tecido fino do sofá enquanto encarava o chão. — Pois é, temos que explicar as coisas pro miúdo logo, se não ele vai desmaiar de medo.

— Ainda não. — Retornou da cozinha com um pequeno prato de porcelana e um copo de leite. No prato estava um pão claramente envelhecido, onde pelo menos não havia recebido a presença de mofo - ainda. Hitori sabia, aquele tipo de pão é aquele que trava um poderoso combate contra todos os seus dentes, mas a fome tinha uma voz bem mais poderosa, e aquele alimento tornou-se tão apetitoso quanto o seu prato favorito. — Parece cansado. — Entregou o prato e o copo para o garoto. — Coma e descanse um pouco, você precisa.

— Qual é o seu nome, juventude? — Jiren questionou sentando-se no sofá. Mesmo estando do outro lado, o peso do seu corpo musculoso foi o suficiente para elevar a parte onde Hitori estava sentado.

Alma BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora