Com amor. Sim, com amor.

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13 de maio de 2011.

Meu bem,

Isso não é uma carta de amor, tampouco espero que esteja parecida com uma. E essa também não é a data real em que escrevo, para ser sincera, é a data da primeira carta que escrevi a você. Mas, você sabe, eu sempre me cobrei muito, juro que tentei parar quando você disse que eu não precisava fazer isso, mas você também sabe, apesar de ter tentado levar isso para a minha vida, as coisas que são para você, ou ao menos que eram, eu sempre quis que fossem dignas de você. Todos os dias em que coloquei o lixo para fora desde o dia que está escrito ali em cima, levei também papéis amassados, rabiscados e cheios das minhas angústias desde quando eu decidi tentar te esquecer. É, eu também rio de mim quando penso nesse absurdo e acho que foi até corajoso da minha parte pensar nisso, e rio porque sei que você também riria e diria com aquela sua voz meio rouca depois da gargalhada como eu sou tão eu.

Como você pode perceber, ou não, e já te explico o porquê, eu ainda ando angustiada, senão, não estaria aqui sentada gastando meu tempo com uma carta que, como eu disse que explicaria, nem vai chegar nas suas mãos. Não se depender de mim.

E não vai chegar porque, como você também bem sabe, eu não teria coragem de te falar qualquer coisa do tipo e ainda tenho medo de deixar escapar algo que te faça pensar que eu ainda não superei todas as vezes em que saímos para jantar e eu escutava você dizendo o quão ridícula se achava quando colocava uma meia-calça preta, mas que a vestia porque se achar ridícula fazia parte de se achar única.

E essa é uma das coisas que eu ainda gosto em você. O seu jeito meio torto de viver e de encarar o mundo. Eu tentei diversas vezes enxergá-lo com seus olhos, porém deixaria de ser único e eu gostava da forma como compartilhávamos o mesmo espaço e para você sempre era tão particular.

Estou agindo como uma idiota fazendo isso, me peguei pensando algumas vezes que talvez fosse só para gastar a tinta da caneta, até porque eu não escreveria a lápis para poder apagar meus erros. Você dizia "Soraya, seus erros e seus defeitos te compõem assim como as suas qualidades, e eu não gosto menos de você por isso". Por esse motivo, não me importo com a quantidade de rasuras que já acumulei. Não me sinto uma idiota por escrever para você algo que nem vai ler, mas porque, se eu te enviasse isso, você com certeza responderia "vou esperar virar filme".

Afirmo com toda certeza que te amei em cada vez que você me fez subir no telhado para ver as chuvas de meteoros que dizia ter visto na internet que seria visível a olho nu, mas você sabia, Simone, você sempre sabia que não seria visível coisa nenhuma.

Também te amei todas as vezes em que eu dizia que estava triste e você respondia com áudios "quer que eu vá até aí? tome um chá e vá distrair a sua cabeça com aquela série besta que você tanto gosta", e eu também posso afirmar que você gostava mais de Friends do que eu, e me fazer ver para deixar de estar triste era só uma desculpa para assistir sem culpa, já que você achava que qualquer seriado era perda de tempo.

Eu não tinha intenção de dizer que você é diferente das outras pessoas, porque tanto eu quanto você sabemos que você queria ser assim e você é, e não porque procura, mas porque você está tão ocupada sendo você, que não sabe ser igual. E por um momento, eu quis consultar aquele meu dicionário de sinônimos que você amava pegar e ficar citando coisas aleatórias a partir dele e dizendo em seguida "isso com certeza vai enriquecer o meu vocabulário", só que, às vezes, você dizia algumas palavras que, sinceramente, não sei de onde você tirava, você nem precisava dele. Voltando ao ponto, consultá-lo para te descrever seria mais bobagem do que estar escrevendo isso com a caneta falhando, porque eu imagino você dizendo "sei de onde você tirou isso, Thronicke" e balançando a cabeça em seguida.

Seu aniversário está chegando e isso me faz lembrar como você achava engraçado perguntar a data do aniversário das pessoas para saber o signo delas e debochar, porque você nunca acreditou nisso. "Soraya, cuidado, seu horóscopo disse que hoje você vai brigar com alguém" ,"relaxa, Thronicke, isso é culpa do seu signo".

Eu também tinha certeza do seu amor em toda vez que você parava para me fazer carinho no cabelo ou fingia não saber sobre coisas que eu sei que você sabia muito bem, mas só queria ter assunto. Eu tinha certeza porque você fazia questão de dizer, mesmo sem nunca ter emitido uma palavra sequer sobre isso. E eu sinto muito por isso ter se perdido.

O quão erradas estamos em ter deixado perder todas essas loucuras como acordar no meio da noite e ir comer um fast-food? Como contar quantos versos conseguíamos recitar quando o semáforo estava vermelho? Eu sempre ganhava para fazer você tentar bater meu recorde. Sua voz combina tanto com aqueles do Bilac. São coisas que eu não quero fazer com qualquer outra pessoa no mundo ou sozinha, porque essas coisas tinham a graça e a importância que tinham porque eram com você. Suas ideias eram sempre boas até em momentos que não eram propícios. E, céus, só eu sei o quanto eu amava quando você falava sorrindo sobre as coisas que te faziam enxergar o mundo colorido.

E falando em cores, ainda lembro daquele vestido azul, colado e que marcava todas as suas belas curvas e que combinou tanto com você, com o seu cabelo no ombro e o batom que você tanto amava usar e tinha uma coleção na gaveta. "Um dia ele pode deixar de vender, Thronicke."

Eu ainda tenho aquele que você deixou na gaveta do armário do banheiro. Já desejei muito que um dia você voltasse para buscá-lo. Sei que não vai.

Depois as coisas mudaram, eu ainda escutei aquelas músicas que me lembram a época em que me apaixonei. É como se elas te trouxessem de volta. Ou melhor, como se elas me fizessem viver de novo aqueles dias de calor em que eu poderia falar sobre você o dia todo sem me importar se quem estava ouvindo se irritaria.

Eu ainda tenho você naquelas poesias e no seu chá favorito, naquelas noites de chuva que te deixavam tão feliz. Espero que ainda deixe.

Espero que ainda use o seu perfume, mesmo que outras pessoas tenham o prazer de estar no mesmo ambiente que você e eu não. Você nunca me disse qual era o nome dele. E que bom que não disse, é um detalhe a menos.

Estou contando quantos detalhes faltam para eu começar a te esquecer como disse que pensei em fazer. E eu nem pensei nisso porque você me faz mal, eu sei que essa angústia vai passar. Eu guardo comigo todas as coisas boas que você me fez viver, sentir e ter. E tudo bem que na sua cabeça você pensaria em debochar mais uma vez "isso é culpa da sua lua", mas é a verdade. Eu não sofro por você, não de uma forma grave ou romanticamente exagerada. Te desejar e não te ter é só mais uma coisa dentre todas as outras que eu ainda vou desejar e não vou ter, que desejei ou desejo.

        Te querer é menor do que te querer bem.

        E eu espero que você esteja bem.

        Espero que estejamos bem mesmo afastadas.

E não, eu não espero uma justificativa de como e quando isso começou a acontecer até chegar em como estamos hoje, com você vivendo a sua vida e eu a minha.

Eu só realmente espero que você esteja bem, Simone, que você seja bem.

Eu avisei que não era uma carta de amor para você. Ela fala mais de mim, embora não pareça. Isso não é um problema, você e eu nos entendíamos nas entrelinhas.

A tinta da caneta vai acabar, está realmente falhando muito e eu não vou me dar o trabalho de procurar outra só pra completar essa minha estupidez.

Só vou fazer o que você me diria para fazer nesse momento, vou tomar um chá e me distrair. Talvez hoje eu procure uma série nova. Motivo? Eu só via sempre aquela para te deixar assistir sem culpa.

Com amor. Sim, com amor.

Soraya.

Quantos detalhes faltam - SIMORAYAOnde histórias criam vida. Descubra agora