3. Outubro

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A Tailândia, por ser um pais tropical, tem apenas duas estações bem definidas durante o ano: o verão chuvoso entre maio e outubro e o inverno seco entre novembro e abril. De todos os meses do ano, outubro era o meu favorito. Não importava qual vida eu vivera, outubro sempre era o meu favorito. Nessa realidade, no entanto, o que eu apreciava era a transição de estações. O sol demorava mais a se pôr, mas o clima ventilado refrescava o final de tarde de mais um dia vivido.

Fazia muito tempo que eu havia deixado de contar os dias, hábito esse que eu acredito venha da necessidade de se esperar por algo. Quando você antecipa alguma coisa muito importante, mesmo que ela não seja concreta, como por exemplo, esperar pela felicidade. O ser humano tem muito disso, de deixar o tempo passar na esperança que as coisas mudem e que, algum dia, ao acaso, suas vidas se transformem. Por muito tempo eu fui assim, sobrevivi da esperança, ansiei pela mudança. Hoje em dia, no entanto, tudo o que eu esperava eram dias pacatos. Monotonia e rotina eram as minhas fiéis companheiras para uma vida tranquila. E se eu fosse condenada a viver o infinito, que ao menos eu o fizesse em paz.

Faziam dez anos desde que eu havia saído do conforto da minha casa pequena do interior, e me mudado de vez para a grande capital Bangkok. Eu tinha ido para uma universidade prestigiosa da região e me formado com méritos. Não fui a melhor da turma, mas tentei ficar entre os três primeiros, apenas para facilitar a minha busca por empregos futuros.

Tentei não me destacar entre os professores e mantive uma vida social isolada, que era como eu gostava de viver. Havia aprendido que dói muito se apegar as outras pessoas e perdê-las, porque diferente de todo mundo, que entende que a morte é para todos, a minha dor não terminava quando meu corpo era enterrado abaixo da terra. Cada dor que eu sentia em vida, eu carregava comigo todos os novos dias. E, às vezes, isso era demais para se carregar.

Hoje, aos meus 28 anos, eu estava no terceiro ano dos meus quatro anos do PhD. Depois de muito pensar com o que eu queria ocupar os meus dias nessa vida, eu decidi que seguiria uma das minhas paixões. Eu tinha dado sorte de ter todo o apoio da minha família dessa vez, o que me abria para poder tomar minhas próprias decisões, esse era um luxo que eu não podia ignorar. Eu bem sabia que nem sempre era assim.

Com isso em mente, decidi estudar matemática. Na graduação, consegui créditos o suficiente para me formar como bacharel e licenciada. No mestrado, segui a área de matemática aplicada e agora, no PhD, estudava matemática aplicada em biotecnologia. 

A matemática, para mim, era um conforto. Era o certo, no meio do caos generalizado que o mundo e a sociedade eram e sempre foram. Pra mim, é uma das coisas mais bonitas criada pelos homens. Como cada nova descoberta, independente da geração, ou do lugar no mundo, se encaixava com tamanha perfeição. Amava como a matemática podia descrever os movimentos, prever realidades e sustentar edifícios. Existia uma tranquilidade e um alívio no exato. Ali, tudo tinha um início, um meio e um fim. E se não tivesse o fim, é porque estava faltando alguma coisa, e cabia a mim descobrir o quê. Isso era revigorante.

Eu morava em um apartamento discreto perto da universidade onde eu estudava. O preço era um pouco mais alto por conta da localização, mas valia a pena para facilitar o dia a dia. Apesar de ter muito tempo (até demais), eu odiava perdê-lo no transito, logo aquilo era uma comodidade.

Durante todos os meus anos na capital, nada de muito diferente aconteceu. Eu fiz algumas amizades, um tanto que forçadamente, mas eu tentava sempre mantê-las a uma certa distância. Nam tinha se tornado minha amiga, por insistência não-vencida da própria. Mesmo com tantas vezes que eu tentei me desviar das suas tentativas de criar laços, ela nunca me permitiu. Não de uma maneira intrusiva, ela apenas não se deixava espantar pelas minhas negativas. Chegou um tempo que ficou impossível não me afetuar a ela, logo, mesmo relutante, a abracei na minha vida. 

Heng, no entanto, foi por conta de minha mãe. Ela insistia que eu devia arrumar alguém, um namorado, para me fazer companhia. E eu tentei dissuadí-la e até inventei alguns romances, mas ela nunca se deixava vencer, então eu conheci Heng e fui a alguns encontros, apenas para apaziguá-la, mas fui surpreendida com uma grande amizade. E mais uma vez, nessa vida, eu quebrei minhas regras. Deixando um pouco de pensar nas consequências, aceitei o conforto de poder compartilhar, ao menos por algum tempo, a minha existência com pessoas queridas.

Mas o meu círculo social íntimo era esse: minha mãe, minha avó, Nam e Heng. Eu tinha tido colegas de turma, de escritório, de pesquisa, mas isso era o que eles eram, apenas colegas.

Depois daquela sensação estranha que eu havia sentido naquele dia no posto de gasolina, a sensação havia aparecido mais algumas vezes. Era estranho, no entanto. Era uma sensação que consumia todo o meu corpo, era intensa, mas também passageira. Era sempre em lugares públicos, o que tornava tudo muito desconfortável. Eu sempre olhava ao redor, em busca da explicação, mas nunca encontrava nada. No início eu achava que veria aqueles olhos castanhos e o sorriso bonito da menina mais uma vez, mas meus olhos nunca encontravam os seus.

Faziam 5 anos, no entanto, que a sensação era mais constante. Eu tentava ignorá-la de todas as formas. Eu já havia quebrado muitas regras nessa vida, mas a única que eu não estava disposta a quebrar era a minha busca pela calmaria. Eu não tinha mais nenhum interesse em buscar respostas, em travar batalhas para mudar um futuro que não tinha mudança. Eu já estava resignada ao que me aguardava, e não precisava, e muito menos queria, qualquer coisa que mudasse isso. Eu não tinha mais forças pra isso.

Era uma quinta-feira qualquer, em mais um dos incontáveis anos, quando aquela sensação voltou sorrateira, mas avassaladora. Eu estava na mesa reservada a mim no laboratório da faculdade e tive que largar a caneta que estava em minhas mãos e fechar meus olhos. A sensação nunca tinha sido tão intensa. Respirei fundo e pausadamente, tentando acalmar as batidas erráticas do meu coração. E quando estava quase conseguindo me acalmar por completo, ouvi atrás de mim:

"Bom dia, aqui é laboratório de biomecânica?"

A voz feminina passou por mim como uma brisa leve num dia quente. O meu corpo relaxou imediatamente e era como se o mundo tivesse parado ao meu redor, apenas para começar a girar no sentido contrário. Era inexplicável o que eu senti naqueles breves segundos. 

Eu conhecia dezenas de idiomas e dialetos, já havia lido mais livros que a maior biblioteca do mundo, já havia até escrito alguns desses, mas eu juro que não saberia descrever em palavras aqueles 1, 2, 3, 4, 5 segundos...

"Olá, você está bem?" a mesma voz me interrompeu novamente, me fazendo sair do meu transe e virar, enfim, a minha cadeira na direção da mulher.

Era outubro, e eu amava outubro, mas ao encontrar os olhos castanhos brilhantes, que eu não seria capaz de esquecer nunca, e as covinhas espetadas em cada lado daquele sorriso, eu sabia que nada mais seria o mesmo. 

Notas da autora:

Boa noiteeeee, bbs.

Meu Deus, escrevi esse capítulo como se nada. 

To amando essa sensação boa em voltar a escrever tranquilamente. Fazia tempo que não me sentia assim.

Espero que vocês estejam gostando também e que embarquem comigo nessa nova jornada.

E, como sempre, até o próximo!

Destiny SeekerOnde histórias criam vida. Descubra agora