O reencontro inesperado

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O relógio da estação marcava 18h00 quando Clara desceu do trem. Era final de tarde, e o céu tingia-se de tons rosados, com um toque de laranja que parecia aquecer o ar frio de outono. Ela respirou fundo, tentando acalmar os batimentos acelerados do coração. Estava de volta à cidade que um dia chamou de lar. O lugar que, apesar das boas lembranças, carregava também marcas profundas de um passado que ela preferia esquecer.

Com uma mala em mãos e o coração cheio de incertezas, Clara se perguntava se havia feito a escolha certa ao retornar. Depois de tantos anos longe, a distância havia se mostrado insuficiente para apagar os laços invisíveis que a ligavam àquele lugar – e às pessoas que nela permaneciam. Especialmente uma.

Lucas.

O nome dele ecoava em sua mente como um sussurro indesejado. Há oito anos, eles haviam se separado em meio a uma tempestade de emoções, desentendimentos e palavras não ditas. A vida, que antes parecia tão alinhada, havia os levado por caminhos completamente diferentes. Clara seguiu seus sonhos de ser arquiteta na capital, enquanto Lucas, por razões que ela jamais entendera por completo, decidiu ficar.

Enquanto Clara caminhava pelas ruas familiares, sentia um misto de nostalgia e desconforto. As calçadas e prédios não haviam mudado muito, mas havia algo no ar, uma tensão palpável que ela não conseguia definir. Talvez fosse apenas o medo de reviver os fantasmas do passado. Ela não havia voltado para confrontá-los, mas porque não tinha escolha. Sua mãe estava doente, e Clara sabia que era hora de enfrentar as pendências, pessoais ou não.

Ao chegar à pequena casa de sua infância, Clara parou por um momento no portão, observando o jardim, agora mal cuidado, e as janelas que outrora brilhavam com vida. A visão fez seu coração apertar. Sua mãe, sempre tão enérgica, agora debilitada pela doença, era a razão de seu retorno. Mas sabia que, além dela, havia outra pessoa que não poderia evitar para sempre.

Assim que empurrou o portão enferrujado, uma voz familiar quebrou o silêncio do fim de tarde.

— Clara?

Ela se virou de súbito, e seu coração quase parou. Era ele. Lucas estava ali, parado na calçada ao lado, a poucos metros de distância. O tempo pareceu congelar naquele momento. O mesmo olhar que a desarmava, a postura confiante e os traços que, apesar do passar dos anos, ainda carregavam a essência do jovem por quem um dia ela se apaixonara. Mas havia algo diferente também – uma certa seriedade, uma dureza nos olhos que antes não existia.

— Lucas... — A palavra saiu como um sussurro, quase inaudível. Clara sentiu um frio percorrer sua espinha. Nunca imaginara que o reencontro aconteceria tão cedo. Nem de forma tão abrupta.

— Achei que você não voltaria mais. — Ele disse, sua voz grave, mas sem a suavidade de antigamente. Havia um peso naquelas palavras, uma acusação implícita. Clara não sabia o que responder. Ele não tinha ideia do quanto ela havia tentado esquecer tudo o que eles viveram, nem do quanto doeu deixar tudo para trás.

— Eu... minha mãe... — começou, mas as palavras falharam. Era difícil olhar para Lucas e não se afogar nas lembranças do passado. Os momentos bons, as risadas, as promessas feitas sob o céu estrelado. E, claro, a separação dolorosa que os deixou com feridas que talvez jamais cicatrizassem.

— Sei que ela está doente. — Ele interrompeu, sem rodeios. — Sinto muito por isso.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Clara sabia que ele estava esperando mais, alguma explicação, alguma justificativa. Mas como explicar tantos anos de silêncio? Como explicar que, apesar de todo o amor que sentiu por ele, não conseguiu ficar?

— Lucas... eu... — começou, mas ele levantou a mão, sinalizando para que ela parasse.

— Não precisamos falar sobre isso agora. — Sua voz era firme, mas Clara podia perceber um leve tremor nas últimas palavras. — Talvez seja melhor não falar sobre isso nunca mais.

Clara sentiu um nó se formar em sua garganta. Era isso? Seria possível ignorar tudo o que aconteceu entre eles?

Lucas deu um passo para trás, como se a distância física pudesse afastá-los também emocionalmente. Seus olhos, antes fixos nos dela, desviaram-se para o chão, como se estivesse lutando contra algo que não queria admitir.

— Você vai ficar muito tempo? — Ele perguntou, a voz mais baixa, quase hesitante.

— Não sei. Depende de como as coisas vão ficar com minha mãe. — Clara respondeu, tentando manter a voz estável. O que não disse foi que a ideia de ir embora sem resolver o que havia ficado pendente entre eles parecia insuportável.

Lucas assentiu, mas sem olhar para ela. Havia tanto não dito, tantas perguntas sem respostas, mas naquele momento, parecia que nenhum dos dois estava pronto para confrontar a verdade.

— Nos vemos por aí, então. — Ele disse por fim, e antes que Clara pudesse responder, virou-se e começou a caminhar pela rua, desaparecendo rapidamente entre as sombras da noite que começava a cair.

Clara ficou ali, sozinha, sentindo o peso do reencontro inesperado. As emoções que pensou ter superado voltaram com força total, e a sensação de que algo ainda estava inacabado pairava no ar.

Ela sabia que, por mais que tentasse evitar, suas vidas estavam entrelaçadas. E cedo ou tarde, iriam precisar enfrentar as desavenças do passado, se quisessem, de alguma forma, encontrar um caminho para a reconciliação.

Vidas Entrelaçadas: Entre desavenças  e reconciliações Onde histórias criam vida. Descubra agora