A declaração

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As semanas passaram.  As coisas no Centro melhoraram e muito. 

A coordenadora chamou Juliette e perguntou se tinha sido ela a autora da proeza do milhão de reais.

- Como assim um milhão de reais?

- Tivemos uma doação anónima de um milhão de reais.  Nem queria acreditar.   Ainda perguntei ao gerente do banco se era mesmo verdade e se podia usar o dinheiro.
Ele confirmou.

- Vê!  Quando as coisas parecem afundar-se vem sempre uma bóia para salvar.
Como está o Pedro a dar-se por cá?

- É um amor.  Pontual e sempre prestável.  Às vezes parece bem cansado.  Já perguntei e ele disse que tem um outro trabalho depois deste.
Tem dias que o mando descansar no quartinho que temos improvisado.  Nem sempre preciso do motorista.

- É.  Ele é boa pessoa.  Já faz uma semana que não nos vemos.  Eu tenho estado mais no hospital.   Também têm falta de voluntários.
Hoje precisa de mim onde?

- Pode ser no refeitório.  Quanta bagunça fazem estas crianças.

Como já era hora de almoço, dirigi-me ao refeitório e vesti a bata habitual.

As crianças foram chegando e cada uma pegou na sua bandeja com a refeição,  dirigindo-se ao respectivo lugar que muitas vezes estava ocupado por outro.  Logo ali se desenrolava uma briga que era necessário apartar.  Para isso lá estávamos nós.

Depois das crianças comerem e se dirigirem para o pátio com as professoras foi a vez do restante pessoal almoçar.

Fiz a minha bandeja e sentei-me.  Pedro chegou logo a seguir.

- Oi sumida.   Estava com saudades tuas.

- Eu também.  Mas e o telefone?  Também dá para matar saudades.

- Pensei ligar,  mas...

- Mas o quê?

- Tu já perdeste muito tempo comigo.  Deves ter coisas mais interessantes para fazer.

- Mas somos amigos ou não?

- Somos.

- Não parece.  Nem me contaste sobre o emprego noturno.

- Quem contou? 

- A Ana. 

- Só contei a ela.

- E eu não sou digna de saber?

- Eu ia convidar-te para jantar e contar.  Hoje eu já posso pagar um jantar.

- Estou triste.  Queria ser prioridade na tua vida.

- Podemos conversar logo?

- Eu passo lá em casa após o jantar.

Há já uns dias que Juliette percebeu um certo afastamento de Pedro.  Isso deixou-a um pouco triste pois não sabia o motivo, ou melhor, calculava.

Numa das últimas visitas dela lá a casa ele tentou dar-lhe um beijo mas ela afastou-se.  Não que não quisesse,  mas teve medo do que viria a seguir.
Depois dessa noite ele não ligou mais e ela também não.

Juliette chegou e ele terminava de fazer café.

- Queres café? 

- Pode ser.

Encheu duas xícaras e levou-as para a sala.

- Então,  o que querias falar comigo?

- Sobre a outra noite.
Eu queria muito beijar-te.   Eu gosto muito de ti, mas sei perfeitamente a distância que nos separa.  Tu és uma menina rica e eu um pé rapado que ainda ontem era sem abrigo.

Nunca daria certo, eu sei.  Desculpa.  Foi um impulso.

- Olha bem o que estás a dizer.  Olha bem para mim e diz se me conheces.   Tu achas mesmo que foi por isso que eu  fuji?
Tu achas que eu ia colocar a minha posição social à frente de um amor?

Tu podes julgar-te um pé rapado por não teres dinheiro mas o que conta para mim é o teu carácter.  É dele que eu gosto não da tua carteira.

- Então porque fugiste?

- Porque te amo e tive medo.

- Eu também te amo.

Desta vez ela não fugiu e o beijo veio.  Intenso e cheio de amor.

Pedro queria ir com calma e quando se separaram do beijo sentiu-se desolado.

- Vamos com calma.  Nada de precipitações.  Não quero que sejas apenas mais uma.  Quero que sejas a única.

- Foi por isso que fuji.   Tive medo de não resistir ao desejo.  E eu sabia que não resistia.

- E hoje? 

- É difícil mas eu concordo.  Vamos com calma.

Ficaram ali por mais um tempo só fazendo carinhos um ao outro.





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