Há tempos eu vinha me preparando para esse dia. Foram muitos e muitos dias de conversa e treinamento até que o Dono finalmente concluiu que eu estava pronta. Chegou o dia que eu seria nada.
Eu já estava em silêncio desde que me levantei, me preparando para o que viria. Eu e minha irmã almoçamos juntas e passamos a tarde lidando com os preparativos para o jantar, nós teríamos convidados. Ela parecia tão ansiosa quanto eu, o desafio dela seria diferente mas não menor do que o meu.
O Dono entrou em casa no fim da tarde e encontrou as duas nuas ajoelhadas diante da porta como de costume, estendeu as duas mãos para o nosso beijo de boas vindas e nos olhou satisfeito.
Com palavras rápidas, ordenou que minha irmã voltasse para os preparativos do jantar e fez um gesto para que eu o seguisse até o quarto.
Aguardei em meu posto segurando as toalhas enquanto ele tomava banho, lutando contra a ansiedade e a excitação para me manter imóvel. Observar ele se banhando e se vestindo é sempre um deleite para mim, no dia de ser nada a oportunidade me foi dada como um presente.
Sabendo que eu estava tomada pelo fogo, ele se aproximou lentamente de mim, afivelando o cinto que eu gosto tanto de vê-lo tirar. O toque suave dos dedos desceu do meu rosto pelo pescoço encoleirado até o mamilo exposto perfurado pela delicada argola de prata.
- Está pronta menina?
Seguindo meu treinamento, minha resposta foi apenas o gesto afirmativo seguido do suave baixar de olhos.
Com as pernas abertas e as mãos postas na nuca, eu aguardei que o Dono examinasse o cinto de castidade que eu usava há uma semana e verificasse se meu cabelo tinha sido trançado da forma correta.
Depois veio a máscara. Um capuz inteiriço de couro preto fechado por um zíper na parte de trás da cabeça. Na frente apenas buracos para os olhos e o nariz, nenhuma abertura para a boca. Não que eu precisasse do capuz para manter o silêncio que me foi ordenado para aquela noite, mas a peça de couro acentuava minha condição de nada.
A campainha tocou no momento exato em que o Dono terminava de prender minhas mãos atrás das costas. Minha irmã orgulhosa foi atender a porta e eu me coloquei no canto da sala em meu lugar de nada.
Os convidados entraram, um Senhor e sua gatinha. Ele e o Dono eram amigos de longa data e se cumprimentaram de forma efusiva, a gatinha parecia tão ansiosa e excitada quanto eu e minha irmã.
Eles vieram para a sala e minha irmã serviu os drinks e aperitivos. Ninguém me cumprimentou, nem repararam que eu estava lá. Eu era nada.
Os dois Senhores sentados nas poltronas, as meninas no chão. A gatinha, com a cabeça languidamente deitada no colo do Dono, recebia um carinho atrás da orelha. Minha irmã, de joelhos aos pés da poltrona, aguardava de olhos baixos que o Dono ordenasse que ela servisse o jantar.
O nada, quieto em seu canto, continuava observando. Os sons que mal chegavam, abafados pelo capuz de couro que cobria os ouvidos, não condiziam com a expressão descontraída dos Senhores que conversavam. Nada só ouvia, mais nítidas do que nunca, as batidas do próprio coração.
O nada acompanhava de seu canto os acontecimentos abafados. Um jantar servido com esmero, os Senhores desfrutando da conversa com suas meninas ao chão, a irmã de joelhos comendo das mãos do Dono e brincando com a gatinha que se enroscava e se lambia embaixo da mesa.
Ser nada demandava esforço. Por dentro tudo gritava por ser alguma coisa, mas o nada seguia lá imóvel e inexistente.
O nada viu o fim do jantar ignorando a própria fome. O nada viu os elogios do Dono a sua menina pelo jantar bem feito, ignorando a própria vontade de recebê-los por ter ajudado também. O nada viu os carinhos do convidado em sua gatinha ignorando o próprio desejo de ser notado. O corpo do nada doía pela imobilidade e por dentro o nada desmoronava lentamente.
O nada viu as meninas removerem a mesa de centro da sala e trazerem o cavalete, lutando com todas as suas forças contra o fogo que aquele cavalete lhe despertava.
O nada viu o Dono oferecer a irmã ao convidado que a recebeu agradecido. Viu o convidado remover a túnica e inspecionar detalhadamente o corpo que havia recebido, com a gatinha observando atenta de seu lugar ao chão. O nada sentiu a excitação da gatinha como se fosse sua.
O nada viu o Dono sentar-se confortavelmente em sua poltrona enquanto o convidado prendia no cavalete o corpo que usaria naquela noite.
O convidado abriu a maleta, o nada não conseguia ver o que tinha dentro. Um movimento de cabeça foi o suficiente para que a gatinha se levantasse e retirasse um açoite da maleta. Antes de voltar ao seu posto, a gatinha teve autorização para cheirar e lamber o corpo que seria a vítima do seu Senhor.
O nada viu a mão do convidado levantar o açoite e sentiu o primeiro golpe como se fosse em seu próprio corpo inanimado. O corpo da irmã estremeceu com a dor e o nada mergulhou no fogo insano do desejo insatisfeito.
Ser nada era mais doloroso do que estar a mercê do açoite inclemente do Senhor convidado. Ver o corpo da irmã tremendo e ouvir os gritos abafados pelo capuz despertava desejos e emoções avassaladoras.
A expressão no rosto do Dono era de puro deleite. Com sua menina emprestada e seu nada imóvel no canto da sala, ele desfrutava cada segundo daquela noite.
As nádegas da menina presa começaram a assumir o tom de vermelho vivo que o Dono tanto gostava. As lágrimas escorriam pelo rosto dela assim como molhavam a máscara de couro que impedia o nada de se expressar.
O nada viu o açoite descansar e a gatinha entregar ao seu Senhor uma vara de bambu. Antes de voltar a seu posto, ela teve permissão de acariciar a menina em prantos. Com o nariz afundado nos cabelos emaranhados, ela sussurrou palavras de incentivo que o nada não ouviu.
O nada, tomado de angustia e desejo, viu a vara encontrar a carne dolorida da irmã com um golpe preciso. O corpo preso estremeceu e as paredes do apartamento pareceram vibrar com o grito.
Um atrás do outro, os golpes iam tirando as últimas forças da menina emprestada. O nada em prantos dividia sua angústia entre o desejo de viver aquela dor e a urgência de acalentar a irmã.
O cinto de castidade se tornava cada vez mais incômodo. O desejo fazia a pele ferver e o suor escorrer pelo corpo imóvel esquecido no canto da sala. Até que finalmente o convidado se satisfez.
Com os olhos marejados, o nada viu o convidado e sua gatinha soltarem a irmã do cavalete com cuidado. A menina chorosa foi amparada para se levantar e mais uma vez acalentada pelos braços e palavras doces da gatinha e do seu Senhor.
A mulher que o nada anteriormente era buscava desesperadamente a liberdade, para que fossem dela os braços e os carinhos confortando a irmã. Mas o treinamento e o desejo de orgulhar o Dono foram mais fortes e a imobilidade se manteve. Ela só não podia dizer quanto tempo mais ela aguentaria.
Ao receber de volta sua menina, o Dono nem tentou disfarçar o sorriso orgulhoso. Sua menina tinha vencido o desafio e seu nada continuava sendo nada com perfeição.
O nada, se desfazendo por dentro ao ver o Dono e seu convidado aproveitarem com suas meninas os últimos momentos daquela noite, lutava contra o esgotamento para não desfazer a perfeição da cena que via. O corpo imóvel doía, o desejo frustrado doía e a humilhação de ser nada rasgava por dentro.
Tudo parecia interminável. Os sons abafados e as imagens em câmera lenta, turvadas pelas lagrimas que transbordavam dos pequenos buracos do capuz, criavam a sensação de estar vivendo um pesadelo surreal.
Quanto mais o nada teria que suportar? Começava a se questionar se conseguiria ir até o fim sem fazer o gesto que a libertaria de sua condição. Buscou dentro de si suas últimas forças, até que percebeu com alívio o convidado e sua gatinha se levantarem para ir embora.
O nada observou, com a respiração descompassada, os momentos de despedida e a irmã sendo levada pelo Dono para se recolher em seu quarto. Os últimos e infinitos momentos doloridos precederam o alívio de vê-lo saindo do quarto e vindo em sua direção, com os braços abertos e o sorriso radiante.
- Obrigado minha menina. Eu estou muito orgulhoso de você.
E finalmente eu deixei de ser nada.
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O Dia de Ser Nada
Short StoryEm um jantar repleto de momentos incandescentes, uma escrava testemunha tudo de forma intensa e silenciosa, vivendo de forma única o seu prazer em servir ao Dono.