1. A Transformação

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Mais uma onda de dor irradiou pelo meu corpo. Trinquei os dentes, fincando as unhas na coxa. A calça jeans segurou parte do impacto, porém não foi o suficiente para impedir o arranhão.

Eu não emitia um mísero som, pois qualquer gemido poderia ser ouvido pelos lobos ao meu redor. Meu rosto continuava neutro, assim ninguém na sala de aula descobriria o que me acontecia.

Soltei o ar devagar, controlando os batimentos descontrolados do meu coração. Endireitei minha postura, porém a cada onda, eu me curvava mais em direção à carteira. A professora continuava a aula, alheia à sensação de um animal me rasgando de dentro para fora, lutando para sair. Meu corpo era apenas uma casca, que iria se metamorfosear em uma grande loba.

Horas atrás, a dor não passava de um desconforto leve e eu, ingênua, fui para a escola. Não esperava que a dor escalonasse tanto e, agora, não tinha mais a opção de realizar o que meu corpo almejava; o que seria ficar na cama, em posição fetal, até tudo acabar.

Sentada no meio da sala, espiei sob o ombro, para ter certeza de que ninguém prestava atenção em mim e estava com a atenção fixada na professora, Luana, como a boa aluna que era. e Joe trocavam bilhetinhos, enquanto o resto da turma intercalava entre essas opções.

Era a última aula do dia e manter um bando de adolescentes interessados era um grande desafio.

Ninguém reparava em mim. Ainda assim, sentia que letras garrafais vermelhas marcavam a minha testa e diziam: "Estou me transformando". Caso prestassem um pouquinho de atenção, notariam o suor brotando da minha testa e o maxilar trincado.

Esfreguei a região, por instinto. Se qualquer um deles prestasse atenção, perceberiam. Todos passaram por isso, há dois anos; mas agora, a atrasada enfim se desenvolveu. Quase já podia ouvir minhas tias e vizinhas comentando.

Juro pela Lua que se alguém me der parabéns, voarei na jugular. Com garras e tudo.

Cerrei as pálpebras, sentindo mais uma onda. Trinquei os dentes, impedindo que um grunhido escapasse.

Maldita vira-lata, fique quieta! Só falta um ano e meio para eu sair da alcateia. Depois disso, pode vir.

Não explodiria em um lobo gigante ali. Se eu não conseguisse evitar a transformação dessa vez, ao menos manteria um pouco de dignidade.

Nunca soube como consegui segurar minha loba por dois anos. E pouco me importava os olhares de pena, ou os sussurros de que eu era apenas uma humana, fraca demais para os genes do lobo se desenvolverem.

Apenas uma humana.

Fechei os olhos e uma imagem minha no mundo humano surgiu, feliz e sem temer encontrar minha alma gêmea em cada esquina. Lá, eu seria uma grande decoradora de interiores e transformaria ambientes simples em coisas maiores e mais incríveis. Trabalharia com mansões e pessoas famosas.

Para o meu sonho se tornar real, no entanto, eu precisava segurar a loba até entrar na faculdade e sumir desse lugar, sem olhar para trás. Depois que conquistasse minha liberdade, minha vida começaria do jeitinho que imaginei.

Deslizei a mão para dentro do estojo, em busca do analgésico. A pílula branca desceu rasgando, a terceira só nessa aula. Não que fizesse alguma diferença, já que a última me deu apenas meia hora de alívio da dor, então teria sorte se aquela chegasse a dez minutos.

Abaixei a cabeça e meus cabelos pretos formaram uma cortina segura para o meu rosto. Meus olhos pinicavam, o nariz coçava e meu ouvido zunia. Estavam se preparando para quando meus sentidos se aprimorassem, já que lobos tinham os sentidos melhores que os humanos.

Loba em Fuga - Entre Amores e Garras - Parte 1 (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora