É menino

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Hoje era o dia que iam ter a certeza se estava tudo bem com o seu bébé.

Rodolffo tinha conversado com o director da Clínica Santa Luzia sobre o seu parecer em relação à médica que atendeu Juliette.

Jorge era conhecido de Rodolffo e depois de o ouvir, deu-lhe o contacto da sua irmã,  obstetra da Clínica Esperança.

Pediu desculpa e garantiu que ia tomar providencias pois existia uma investigação interna em curso.  Não insistiu para que Juliette continuasse a ser assistida na clínica.  Não por agora, disse ele.
Garantiu que a irmã era uma excelente profissional e que poderiam estar descansados quanto ao atendimento.

- Bom dia doutora.

- Bom dia pais.  Vamos lá ver essa criança.  Têm o relatório do último ultrassom?  Não que seja importante para mim, mas o meu irmão contou-me o vosso caso.

Juliette entregou o relatório e a médica deixou-o sobre a mesa sem ao menos ver.

- Uhmmm!  Querem saber o sexo?

- Sim respondeu Juliette.

- É um menino, disse Rodolffo.

- Tem a certeza, pai?

- Absoluta.

- Então,  temos aqui uma criança forte e muito saudável.   O peso e tamanho estão de acordo com a altura da gestação e não vejo nada que possa indicar não ser uma criança perfeita.

A seguir consultou o relatório anterior e fez cara feia.

- Que falta de profissionalismo.   Nem esta imagem indica algo de anormal,  onde esta médica viu a má  formação?

- Pais, fiquem descansados.  Sim pai, é um menino e é perfeitamente saudável.

Rodolffo estava bastante apreensivo.  Apertava com força a mão de Juliette e respirou aliviado após esta informação.

- Se vocês quiserem podem processar a médica.   Ainda teve a infeliz ideia de escrever no relatório a possível má formação quando a imagem nada mostra.

- Nós vamos conversar com o dr. Jorge e depois tomamos medidas.

- Juliette se desejar continuar a ser seguida por mim, marque a próxima consulta na recepção.

- Eu quero sim.  Obrigada doutora Marta.

Um mês depois rebentou o escândalo.
Em toda a comunicação social à notícia era a mesma.

Obstetra da Clínica de Santa Luzia, cabecilha de uma quadrilha que vendia crianças recém nascidas depois de informar os pais que devido às más formações as crianças não resistiam.

Não era à toa que a equipa da médica era sempre a mesma.  Médico e enfermeiros estavam todos no mesmo esquema.

Assim que a parturiente entrava na clínica era logo confrontada com complicações no feto que poderiam derivar na sua morte.
Eram sempre mães de primeira viagem e muitas vezes jovens que engravidaram após relações ocasionais.  Na maioria dos casos não havia a presença do pai e noutros a família não queria a criança.

A reputação da clínica ficou muito abalada mas o dr. Jorge em conferência de imprensa veio dar a cara e prometer investigação até às últimas consequências.

Juliette já estava no seu sétimo mês de gestação.   A barriga pesava e as pernas no final do dia estavam sempre inchadas.
Rodolffo sempre tentava amenizar fazendo uma massagem com um gel refrescante.

Ele também passou a trabalhar mais em casa para lhe dar apoio, mas Juliette vivia desagradada pela constante visita de Leonor.

Muito por conta do trabalho ela vinha a sua casa, mas Ju percebeu que em alguns casos a vinda era forçada.

Fora que sempre que ela passava em frente à porta do escritório ouvia as risadas dos dois.

O que é que o trabalho tem de tão interessante que dê vontade de rir, perguntou ela a si própria.

Hoje foi um dia desses.  Juliette estava sentada na sofá e viu os dois saírem a rir.

- Juliette,  vou sair com a Leonor.   Temos um assunto a resolver no escritório da empresa.  Volto logo.

Saiu e nem um beijo me deu.

Juliette esperou ele para o jantar e ele não veio nem telefonou.
Já passava das 2 da madrugada quando ele regressou com cheiro a álcool.

Juliette estava deitada fingindo dormir.  Rodolffo deitou-se e logo dormiu  ignorando-a completamente.
Isso fez com que ela não conseguisse reprimir as lágrimas  e culminou numa noite de insónia.

Levantou-se bem cedo e foi fazer a habitual caminhada que costumavam fazer juntos.

Regressou uma hora depois, tomou café e ele continuava dormindo.

Apanhou as roupas que ele tinha deixado espalhadas pelo chão e do bolso das calças caiu um cartão de um famoso restaurante onde eles  nunca foram juntos.  Juliette já tinha ido com a família dela, mas nunca com ele.

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