Miguel ( Cristo )
- Eles não vão acorda tia Renata? - pergunto olhando para meus pais dentro daqueles caixões.
Pergunto apenas para ter certeza que eles estão mortos, eu sabia que esse momento iria chegar. Meu pai sempre me disse que isso aconteceria, ele não era o mocinho e ele me dizia de forma constante que no mundo mocinhos e vilões são julgados pelos olhos de que vê.
Se uma pessoa diz que você não é uma boa pessoa ou que você é uma boa pessoa, a opinião é apenas dela. E que não controlamos o as outras pessoas pensam ou falam, nós apenas controlamos nós mesmo.
Resumindo, se fizermos ou deixamos de fazer vão falar e criticar da mesma forma. Então porque se limitar?
Olhando para as duas caixas de madeiras sendo cobertas pela terra, me deixa triste. Eu tive o privilégio de ter boas lembranças com eles, minha mãe me ensinou a cozinhar e limpar a casa. Suas palavras eram de que eu deveria saber fazer tudo, pois depender de alguém para fazer o básico não me tornava um bom homem.
Ela me ensinou a nunca deixar nada fora do lugar, pois ser desorganizado é um passo largo para o fracasso. E fracassar jamais deve fazer parte de quem somos, errar tudo bem. Fracassar jamais, doze anos ouvindo isso eu tento entender suas palavras.
Meus pais faziam parte da parte considerada obscura da cidade, a parte que os jornalistas e políticos mostravam na TV. Porém o que eu vi e vejo, são pessoas tentando sobreviver ao capitalismo.
Se é um "colarinho branco" roubando, sempre tem privilégios. Agora um pai de família roubando arroz para alimentar seus filhos, é preso sem direito a defesa. E era por isso que meus pais lutavam, igualmente. Porém a que preço? Bom, a morte parece um preço bem alto.
- Deve entender que as coisas vão mudar Miguel - minha tia diz e se vira caminhando entre as lápides, para longe das covas recém cobertas pela terra vermelha - Sabe o que quero dizer?
A segui a passos curtos, eu sabia. Com doze anos entendia perfeitamente, afinal eu era filho dos dois maiores ladrões de banco do estado. Meus pais era uma dupla incrível, minha mãe uma exímia especialista em bombas. Graças aos anos no exército Brasileiro, ficando dois anos no esquadrão ante bombas. E meu pai trabalhou anos como bancário, ou seja, sabia como funcionava a rotina dos bancos de olhos fechados.
O que os levaram a escolher essa vida, eu não sabia. Talvez algum dia eu teria coragem de abrir seus diários escritos especialmente pra mim, eram dois. Um do meu pai outra da minha mãe, estavam dentro do cofre na nossa casa. Apenas eu tenho a senha, não sabia o que tinha além dos diários.
- O que acontece agora tia Renata?
- O que você quer, é uma pergunta muito importante Miguel - ela abriu a porta do carro e se virou pra mim, seus olhos sérios, mesmo vermelhos denunciando o choro pela perda da irmã, minha mãe - Se entrar comigo, não haverá volta. Será treinado para ser o que essa cidade de merda jamais viu.
Mordi o lado interno da minha bochecha, a olhando nos olhos.
- E se eu não quiser, para onde vou?
- Ter uma vida querido, estudar e ter uma família. Longe de todas essas merda de cidade, longe de carregar o legado de seus pais. Será o que quiser, será livre para seguir suas regras.
Olhei para dentro do cemitério, ao longe os coveiros ajeitam a terra para amanhã os túmulos receberem o devido cuidado e finalização. As palavras de meus pais desde que me entendo por gente rodam minha mente, e deslizo o olhar de volta para minha tia Renata.
"Você é mais do que nosso filho Miguel, é nossa descendência"
"Independente do futuro que escolher, estaremos orgulhosos"
"Sua felicidade é a nossa"
"A vida que levamos não é bonita, então pense bem. Se escolher ter essa vida, seja o melhor"
Passei pela minha tia entrando no carro, ouvi seu suspiro. Eu sabia que ela não queria isso pra mim, e tudo bem. A escolha é minha, eu nasci aqui, irei crescer aqui e morrerei aqui. Que minha vida seja tão longa quanto a dos meus pais, que eu possa ser tão bons quanto eles. Eu irei honrar meu nome e o deles.
Minha tia entrou e colocou os óculos quando o carro começou a se movimentar, sua postura rígida me fez entender como seria dali em diante.
- Vai doer tia Renata?
- Todos os dias, Miguel.
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CONFIAR ( Degustação )
ChickLitUma moça discreta, calada e inocente. Um homem poderoso, com um coração enorme. Um playboy mimado que se encanta pelo mundo obscuro.