Pretty Dress - Uma história Jogos Vorazes

Capítulo 9 - Status Quo

Some of us will never know we'd owned someone's heart for a season. 

– Joyce Rachelle

FLASHBACK – 7 ANOS ANTES

FIM DA 74ª EDIÇÃO DOS JOGOS VORAZES

Uma luz morna, amanteigada, atingiu a pele bronzeada de Gale quando ele atravessou a rua em direção à casa do prefeito Undersee. O fim da tarde se anunciava, encolhendo-se por trás das montanhas para ceder protagonismo a uma noite fria e livre de nuvens. O cheiro amadeirado de fuligem e cinzas era mais atenuado ali, mas ainda pairava no ar, envenenando o aroma natural das árvores que só se percebia na floresta além das cercanias do Distrito 12.

Uma amora. Algo tão simples quanto uma fruta silvestre tinha tornado Katniss Everdeen e Peeta Mellark os primeiros tributos da História a vencerem os Jogos em dupla. Contra toda a ordem e todas as chances, Katniss estava voltando para casa, para sua família, para Gale. Estava segura. Sairia daquele antro de horrores na Costura, teria uma casa nova e comida sempre na mesa, poderia enfim encontrar algum jeito de ser feliz.

E talvez então, nesse cenário, os dois finalmente conseguissem se entender.

Pelo menos era nisso que ele estava tentando acreditar. No fundo, Gale sabia que aquela era uma esperança absurda. Ainda que se esforçasse, seu temperamento desconfiado não conseguia deixar de se atentar à constatação de que havia duas novas variáveis na equação que simplesmente tornariam impossível que as coisas apenas voltassem a ser como eram antes.

Peeta Mellark tinha alterado toda a disposição das peças no jogo de Katniss, unindo-se a ela em uma narrativa romântica que deixara toda a Capital a seus pés. O amor de ambos, televisionado extensivamente ao longo dos meses, parecia ter vencido mesmo a ganância mortal de Panem, elevando o casal de tributos a um título que ainda fazia Hawthorne sangrar: Amantes Desafortunados.

Gale, por outro lado, tinha se acostumado a pensar estratégias ao lado de Madge Undersee. Já fazia algum tempo desde que tinha passado a ponderar a opinião dela antes de mover uma casa, confortável no apoio incondicional que ela lhe oferecia contra todas as expectativas. Mesmo com toda a resistência inicial, tinha ficado habituado a contar com ela, seu bom senso e sua bondade.

Era indiscutível que a força daquela parceria estava se estendendo muito além dos planos iniciais. A cada dia que passava, aquela relação se parecia cada vez menos com um acordo e cada vez mais com algo que nenhum dos dois sabia nomear. Às vezes se procuravam na escola mesmo quando não tinham notas de dinheiro para trocar, sentavam um ao lado do outro para acompanhar as transmissões até quando suas turmas estavam muito longe uma da outra. Como Thom tinha se cansado de dizer, já não pareciam mais só negócios. Talvez nunca tivesse sido só isso.

Mas aqueles tempos tinham terminado. Agora que não tinham mais um trato unindo-os no meio do caminho de seus lados opostos, o que poderia sustentar aquela relação que era quase um deboche da ordem natural das coisas?

Gale estava se dirigindo para uma despedida necessária quando seus passos, duros e inseguros, interromperam-se na metade da escada na casa dos Undersee, surpreendidos pelas notas abafadas de um piano que tocava não muito longe dali.

A melodia melancólica parecia escorrer sob a porta, insinuando-se rumo à calçada no ritmo consistente que apenas dedos treinados com maestria podiam sustentar. O som era suave de tal forma que deu ao rapaz a impressão de que havia passado a vida inteira sem saber realmente o que era música.

Foi somente naquele momento, na iminência da despedida, que Gale percebeu o quanto tinha perdido de vista nos últimos anos. Quantas vezes não tinha subido aquelas escadas, naquele mesmo horário, sem perceber a melodia que vinha dali? Até poucas semanas antes, parecia só conseguir olhar para o abismo socioeconômico entre os dois.