1

16 1 0
                                    


Meu pai foi assassinado com um machado no peito na porta da minha casa.

Eu tinha 9 anos quando aconteceu. Lembro-me de estar voltando para casa da escola, nas ruas de terra, no nascer da noite, quando escuto um grito alto vindo de algumas casas mais para frente.

Corri, corri e corri. Reconheceria o grito da minha mãe em qualquer lugar.

Na porta de casa, caído nas escadas, o corpo de meu pai com um machado fincado em seu peito. Minha mãe, horrorizada, tinha seus olhos arregalados e as mãos na boca.

Os vizinhos sequer se moveram do lugar para ajudar, ficaram parados em suas varandas, observando toda aquela cena de terror.

O assassino do meu pai se enfiou na floresta atrás de casa, mamãe apenas se recorda de uma voz grossa e um enorme rabo saindo da calça do homem.

Quem tirou o corpo de meu pai das escadas foram os vizinhos, quando perceberam que ninguém ali conseguiria fazer esse trabalho. Minha mãe chorou durante horas, não trocou uma palavra comigo e não teve forças nem sequer para preparar o jantar.

Demorou alguns meses para que falássemos sobre o que aconteceu. Ela ainda não havia superado.

- Seu pai tinha um sonho, filho.

- Abrir um restaurante, mamãe, eu sei.

Sentados na minha cama, foi a primeira vez que falávamos do meu pai em meses. Já tinha completado meus 10 anos.

- Realize o sonho dele, querido. Você tem tanto talento, mamãe já te ensinou todo o básico, você sabe se virar na cozinha. Dê a morte dele um significado, filho.

Naquele dia eu entendi o que precisava fazer. Genuinamente gostava de cozinhar, vivíamos num pequeno bairro pobre de humanos, todos eram apaixonados na minha comida, tinha um gosto diferente das criaturas que viviam aos arredores do castelo.

A chance de eu, um mero ser humano, conseguir abrir um restaurante era mínima, as criaturas do reino nos detestavam, arrancariam nossas cabeças com suas garras em questão de segundos. Especialmente os golens que habitavam os limites do grande reino antes do território mortal.

- Taehyung, você é forte, eu sei que vai conseguir.

Senti uma confiança crescer em mim, mesmo com recursos limitados, eu sabia que conseguiria.

A partir daquele dia, comecei aulas particulares com Min Yoongi, um dos nossos vizinhos que sabia lutar. As adagas foram as minhas melhores amigas até que eu completasse 12 anos, depois comecei a usar espadas curtas e manguais, arco e flecha, espada de duas pontas, até dominar a maior quantidade de armas.

Humanos não são permitidos a terem armas, espadas ou qualquer coisa que possa matar os imortais, aquelas criaturas repudiantes. Todo o treino que tive foi escondido no meio da Floresta Sem Maldição, único lugar de todo o reino onde não havia um pingo de magia, em resumo, feéricos não vinham para cá.

- Está distraído hoje, Taehyung. - Falou Yoongi, limpando seu sabre ao fazer um corte sutil no meu ombro. Eu, ofegante, levei os dedos no ferimento e o olhei, mais sério do que nunca estive.

- Não deveria ser assim, você sabe disso. É quase três da manhã. - Respondi, limpando o sangue do machucado na minha roupa.

Um barulho soou pelos nossos ouvidos, uma melodia, parecia longe o suficiente para ainda dar tempo de fugir. Yoongi olhou para mim, colocou seu sabre na cintura antes de dar dois passos para trás.

- Banshee. Vamos, não quero ficar surdo hoje.

- Elas não deveriam estar aqui nessa época, normalmente elas cantam só em coroações. - Retruquei, indo atrás dele.

- Aparentemente algum otário da corte morreu mais cedo esse ano. 

Banshees eram fantasmas de mulheres que morreram em seus partos, vivem vagando pelo reino e cantando sempre que alguém do reino morre, como se sentissem a perca do próprio filho. O canto de uma Banshee pode explodir os tímpanos de qualquer um.

Voltamos para o bairro, silencioso. Ao me despedir de Yoongi, voltei para casa, encontrando Jimin, um pixie, sentado na escada. Ele um dos únicos feéricos que não tem vontade de matar os humanos sem qualquer motivo. Viramos amigos quando éramos pequenos, lembro-me dos olhos curiosos dele atrás de casa, observando os mortais de longe.

- A amante do rei morreu hoje. - Ele comentou, batendo suas asas ao vir até mim, sorrindo. Nesses momentos nem parecia que a espécie dela era inimiga da minha. - Engolida por um basilisco na Montanha Mentirosa. As banshees estão cantando há horas, não sei como alguém ainda não perdeu os ouvidos.

É óbvio que mortais, como eu, tem mais sensibilidade aos sons desses tipos de criaturas, nós não fomos criados com magia, nem com treinamentos para aguentar monstruosidades como essa. 

- Vai ver elas estão mais longes do que imaginam. - Guardei minhas flechas no compartimento em minhas costas, sem parar de caminhar em direção a minha casa. Jimin bateu as asas e colocou os pés no chão, caminhando ao meu lado, percebendo meu semblante mais sério e o machucado em meu ombro. 

- O Baile de Irene é em três dias, você vai fazer suas tostadas? 

Uma vez no ano ocorria o "Baile de Irene", evento criado por um rei há séculos atrás, com o objetivo de ter uma noite pacífica entre os humanos e os monstros que vivem no Reino de Etheryl. Há um mês atrás recebi uma carta oficial do reino, com assinatura do príncipe, pedindo pelas minhas tostadas. Não sei como ele as conhece, muito menos por onde as experimentou, apenas as fiz na lanchonete do meu bairro, onde criaturas como ele não entram.

Levantei os ombros, em uma resposta desinteressada e abri a porta de casa, virando para Jimin uma última vez.

- Com todo respeito, Ji, mas seu povo mata o meu todos os dias. Esse baile não faz sentido.

- Com todo respeito, Tae, mas esse baile é o único jeito de você chamar atenção da família real pela sua comida. Quem sabe no baile eles experimentem suas tostadas e te deem uma chance de abrir um restaurante lá no reino. - Desviei o olhar dele. Odeio admitir quando Jimin está certo. - É o sonho do seu pai, não meu.

E então ele voou para longe. 

Entrei em casa, cansado. Fazer tostadas para um reino inteiro parecia loucura, tinha três dias para isso, talvez fosse realmente a chance de eu ter meu próprio restaurante, sem que eu precise lutar para isso. Estava decidido.

O Reino de Etheryl vai conhecer as melhores tostadas de um mortal.

The Prince and the FrogOnde histórias criam vida. Descubra agora