7. Confusão

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Faziam algumas semanas desde Rebecca, e a revolução silenciosa que ela trouxera para a minha vida. As sensações que antes me deixavam sem fôlego ainda se mantinham firmes, mas eu havia criado métodos para lidar com elas da melhor maneira que eu podia. A mulher ainda era um enigma desconfortável, mas com o silencioso passar dos dias, se tornava algo que eu poderia aprender a conviver, afinal eu já havia lidado com sensações piores. Isso era o que eu me dizia todos os dias antes de encarar um novo dia em sua presença.

No início, achei que a mulher ficaria desconfortável na minha presença, pelo fato de eu me sentir desconfortável em sua presença. Mas com o passar do tempo, ela me surpreendeu, reagindo às minhas estranhezas de maneira confiante. Palavra essa que era uma boa forma de descrever a mulher de cabelos curtos e sotaque forte. Mesmo no lado receptor das minhas atitudes reservadas, ela sempre se mostrava irreverente. Não de maneira mal educada, mas apenas firme.

Sua valentia não ficou apenas clara na maneira como ela reagia a mim, mas também em vencer as suas dificuldades com o idioma e o ambiente novo. Eu havia aprendido ao ouvir conversas paralelas de Rebecca com os outros membros do nosso laboratório, que a estrangeira estava morando há alguns anos na Tailândia e era metade tailandesa, metade britânica, e mesmo sendo criada falando um pouco de tailandês, tinha dificuldade com a escrita e a leitura. E ainda que eu tentasse não me abalar por nada que se relacionasse a ela, era com certo orgulho que eu via o seu progresso durante as poucas semanas que a conhecia.

Apesar da maioria dos textos científicos  que estudávamos fosse em inglês, as interações, as aulas, palestras e lições dentro da faculdade, eram todas em tailandês. E o tailandês não era um idioma simples de se compreender. Ainda mais misturado com os termos científicos e o cálculo e física avançada que eram o nosso tópico de estudo. 

Era com certa admiração que eu via ela sentir dificuldade em algo num dia e aparecer dias depois confiante no mesmo tópico. Sua dedicação era formidável e inegável.

No início das nossas interações, ela parecia hesitante em me questionar as coisas, provavelmente pelo meu jeito estranho e ainda mais reservado na sua presença, mas até isso, com o tempo, ela pareceu superar. Confesso que eu também me forcei a ser mais aberta às suas interações relacionadas ao trabalho, afinal eu nunca que queria ser a responsável por ela ter uma má experiência dentro do laboratório. E muito menos queria que a minha própria confusão servisse de empecilho para o seu desenvolvimento acadêmico. Eu podia ter escolhido a solidão, mas o egoísmo não fazia parte das atitudes que eu tentava cultivar.

Acho que com essa minha pequena abertura, Becky se permitiu aproximar de mim mais do que eu me sentia confortável.

"Devo acoplar as três equações ao mesmo tempo como nesse modelo, P'Freen?" Becky me perguntou, aproximando sua cadeira de rodinhas do meu espaço reservado. Em suas mãos ela tinha algumas equações escritas em sua letra desajeitada.

"Um cálculo organizado é um que dificilmente ocorre em erros, Nong Rebecca," falei de maneira neutra, mas no lugar de chateação, em seu rosto abriu um sorriso e seus olhos reviraram em tom jocoso.

Fazia algum tempo que eu encrencava com suas anotações bagunçadas e suas letras desorganizadas, mas em um certo momento, ela começou a levar as minhas observações como brincadeira, enquanto eu tentava não me distrair com o seu sorriso e suas mãos tão próximas ao meu rosto.

"Organização e bla bla bla, eu já ouvi esse discurso hoje, P'Freen. Quero saber se devo acoplar as três equações de uma vez em meu modelo matemático ou devo testar duas antes de avançar para a terceira?" ela insistiu, apontando sua dúvida sobre a folha.

Eu confesso que inicialmente, as minhas críticas ao seu material de trabalho eram completamente verdadeiras. As anotações da mulher nas bordas dos seus textos acadêmicos, assim como a sua caligrafia e falta de organização nas folhas de atividades faltavam levar a minha mania de organização até a loucura. E claro, eu ainda tinha razão em dizer que um material mal organizado pode levar ao erro, mas com o tempo, já havia aprendido a decifrar sua confusão. Me surpreendi por não ter sido tão difícil. Havia sentido no seu caos.

Meus olhos percorreram rapidamente pelas anotações apresentadas a minha frente, enquanto eu tentava ignorar o som alto da batida errática do meu coração com sua proximidade. Eu estava ficando melhor em conviver com ela, não disse que tinha ficado fácil.

"Acho que você deveria fazer testes com as duas primeiras equações, usando condições conhecidas e controladas para a terceira. Quando os seus resultados forem confiáveis o suficiente, você pode comprovar o mérito do seu modelo numérico e avançar para acoplar a terceira," falei, omitindo o quanto eu estava impressionada com seu trabalho. 

"Ok, obrigada, P'Freen," ela respondeu, dizendo o meu nome de uma maneira diferente. Tudo em mim queria ignorar a curiosidade em relação ao seu tom de voz, mas foi mais forte que eu.

Meus olhos buscaram com curiosidade o seu rosto, e percebi que apesar de ela ter tirado os papéis da minha vista, ela ainda se mantinha sentada tão próxima a mim que um centímetro era o suficiente para os nossos braços se tocarem. Seus olhos pareciam analisar as minhas feições, enquanto seus dentes prendiam o seu lábio inferior no canto esquerdo de sua boca.

Era a primeira vez que eu a observava tão de perto. Suas bochechas levemente rosadas se destacavam na palidez de sua pele lisa e bonita. Suas sobrancelhas bem feitas exaltavam seus olhos pequenos e levemente puxados. Abaixo destes, e sobre o seu nariz, estavam espalhadas delicadas sardas. Seu nariz pequeno e levemente apontado franzia de uma maneira adorável, ao mesmo tempo que um sorriso surgia em seus lábios rosados, completando aquela feição angelical com os dois furinhos nas maçãs do rosto. 

Naquele momento eu não sabia o que ela buscava em meu rosto ou o que ela havia encontrado para a formação daquele sorriso, mas eu poderia apostar que combinava exatamente com as batidas erráticas do meu coração.

Eu engoli em seco antes de virar meu rosto de volta para o computador a minha frente.

"De nada, Nong," respondi em um fio de voz que mal reconheci como meu.

O que quer que ela tenha encontrado, só poderia levar para uma maior confusão que suas anotações. E essa eu não tinha interesse nenhum em decifrar.

Notas da autora:

Boa tarde, bebês! Como estamos?

Me desculpem a demora e os erros, mas vamos seguindo devagar e lento.

Espero que gostem e até o próximo!

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