Os primeiros raios solares me despertaram no dia seguinte, e é como se areia tivesse entrado nos meus olhos enquanto dormia. Devo ter dormido um pouco mais de três horas ; e embora meu corpo pedisse mais algumas horas de sono, eu simplesmente não pude atendê-lo. Quando a realidade caiu sobre mim no meu primeiro momento de lucidez, qualquer vestígio de sono e cansaço foi esquecido.
Mesmo com Filipe dizendo que eu poderia descansar que ele estaria ali, eu não consegui. Fechei meus olhos, mas os pensamentos não me abandonaram. Eu pensava nos meus pais, no meu irmão, na minha casa, e num homem cujo rosto é desconhecido pra mim.
O pior de tudo é não saber como Kalel é. Como posso me esconder de alguém que não conheço? Ele pode ser qualquer um, e isso torna tudo muito mais assustador.
– Dormiu bem? – Filipe pergunta.
Ele está do outro lado da fogueira apagada, sentado com as costas coladas a árvore.
Não há nada nele que demonstre cansaço. Nenhuma olheira, nenhuma sujeira na sua roupa. Ele está... impecável.
E é nesse momento que me pergunto quantas vezes ele precisou fazer isso.
– Então? – instiga.
– Um pouco.
– Você pode dormir mais, se quiser. – ele diz, mas embora sua boca diga uma coisa, seus olhos dizem outra. Acho que de forma involuntária , seus olhos são guiados para os cavalos pastando ali perto.
– Não, eu estou bem. Mas você pode dormir. Eu fico de vigia.
– Não preciso. Estou satisfeito com as horas de sono que tive.
Quais? Eu dormi e acordei, e ele estava alerta nas duas vezes.
– Vamos comer e voltar para os cavalos. Ainda temos mais um dia de cavalgada pela frente.
Com ele.
Acrescento mentalmente.
Depois estarei sozinha.
Sinto um nó se formar no meu estômago.
– Peguei umas frutas enquanto você dormia. – Filipe indica sua mochila, e encontro algumas maçãs e amoras sobre ela.
– Ainda temos a comida na minha mochila. – respondo sem entender.
Será que ele esqueceu da comida que puseram na minha mochila?
Quem quer que tenha aprontado minha mochila, colocou tudo de mais necessário.– Guarde pra você. Não sabemos ao certo quanto tempo você vai levar para chegar na casa da nossa tia.
Por um segundo me pergunto do que ele está falando, até lembrar que temos um papel a desempenhar.
– Ah, claro. – pego uma maçã e respondo com a boca cheia : – Meu irmãozinho, sempre pensando em mim.
Ele não responde, apenas pega algumas amoras e caminha até os cavalos.
Como minha maçã em silêncio, observando enquanto ele ajeita nossas selas. Ele deve ter algum tipo de toc, já que confere cada sela três vezes.
– Está pronta?
Guardo o resto das frutas na minha mochila, e me levanto com um pulo.
***
A nossa cavalgada não é rápida o suficiente para atrair olhares suspeitos, mas lenta o bastante para me entediar.
Observo as paisagens e os passarinhos voando ao longe, e por um curto momento esqueço de tudo que está acontecendo. Lembro apenas das vezes em que cavalguei sozinha pela floresta. Não havia o que temer. Era apenas eu e meu cavalo.
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Quinto Reino
FantasíaEra uma vez, Ártelis. Um mundo mágico, onde humanos e seres místicos viviam em harmonia. Havia florestas fechadas com fadas encantadas e lagos cristalinos com belas sereias. Havia trolls, grandes, destemidos e leais, e poderosos magos que cuidava...