Capítulo Único

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Eu achava que era uma questão de tempo. Que eu precisasse de mais dele.

Sempre odiei dormir. Sempre odiei a ideia de envelhecer. "Amanhã" era o conceito mais assustador do mundo para mim. Eu queria fazer tudo hoje, o tempo todo estar na ativa, produzir sempre, mais e mais. Mas também queria o tempo para descansar, para trabalhar na minha arte, para viajar ou só... para ficar olhando o teto do meu quarto, sem sentir culpa por não estar fazendo as cinquenta mil outras coisas que eu poderia fazer com aquele tempo.

Estava sempre assustada com o fato de que as horas, os dias, os anos estavam me escorrendo pelas mãos, segundo após segundo. A eterna preocupação por não conseguir chegar aonde queria chegar, viver o que queria viver, estava sempre à espreita. Meu mundo era um eterno relógio vitoriano antigo, daqueles bem barulhentos, cujo tiquetaquear enlouquecedor ficava soando como um alarme de incêndio nos recônditos da minha mente.

O tempo está acabando. Quanto tempo será que eu ainda tenho?

Era paralisante. Muitas vezes, havia tanta coisa para fazer que eu já não conseguia fazer mais nada. Evitava dormir, gastando horas no meu celular, vendo vídeos idiotas num feed infinito, só para adiar o fato de que o amanhã iria chegar, e mais um dia estaria perdido.

Eu queria tempo.

Por isso, quando ela me ofereceu a imortalidade, pareceu um sonho. O que poderia ser melhor do que nunca envelhecer, do que nunca estar preocupada com o fim inevitável? O que poderia ser mais vantajoso do que o conceito de não precisar se preocupar com o amanhã?

Ela me ofereceu o que eu mais queria.

E a proposta ainda vinha com alguns bônus: força sobrenatural, charme irresistível, deslocamento da realidade, juventude eterna... Nunca mais precisar me preocupar com o mundo humano e todas as suas batalhas. Eu estaria livre para explorar o meu tempo do jeito que quisesse, ler todos os livros que queria ler, escrever todas as histórias que minha mente pudesse conceber, aprender instrumentos, idiomas, pintar, estudar, viajar... Nunca mais gastar horas do meu dia em um emprego de 9 às 5 que me garantia pouco mais que um sustento, porém nunca o suficiente para explorar todas as possibilidades da minha efêmera existência. A proposta vinha com liberdade, com os encantos inconcebíveis de uma nova vida.

E o preço? Bem, primeiro, eu não poderia mais ver o sol.

Isso não me importava muito, já que sempre estive brigada com o sol. Ele era meu inimigo. Ele representava o amanhã que eu tanto temia. Não me importava de nunca mais vê-lo. E, caso viesse a me importar um dia, havia filmes, vídeos, imagens digitais... Eu ficaria bem com um sol artificial.

Também não poderia ver minha família e meus amigos. Ela disse que eu precisava desaparecer, morrer para o mundo. Para poder renascer para as sombras da noite.

Essa parte doeu um pouco mais. Umas das coisas que eu sonhava fazer com o tempo era gastá-lo com aqueles que fossem importantes para mim, afinal. Mas também, não havia muitos...

Minha mãe era uma aspirante a cantora de música country falida. Desde que nasci, ela nunca esteve por perto por mais do que duas semanas contínuas. Sempre na estrada, com a sua banda de integrantes desajustados que iam e vinham, muitas vezes só pegando carona de uma cidade para outra. Sempre tentando entrar numa indústria cruel e seletiva, com a esperança de um dia ser uma grande estrela e ter suas músicas cravadas nos anais da geração.

Eu a via de vez em nunca, e quando a via, tínhamos boas conversas, bebíamos boas cervejas, e só. Foi ficando mais fácil à medida que fui crescendo. Ela deixou de ser "mamãe querida" muito cedo para mim, e se tornou uma correspondente, uma amiga que me mandava cartões postais e narrava desastres amorosos de mês em mês. Eu sentiria sua falta, é claro, mas duvidava que ela sequer sentisse muito a minha agora, quanto mais no futuro.

ElenaOnde histórias criam vida. Descubra agora