VIII - O constrangimento

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Quando observei Frank desaparecendo no meio daqueles corpos, que formavam uma massa aglutinada, aos meus olhos, tive uma premonição. Talvez premonição seja exagero, mas tive uma espécie de pressentimento.

Não era bom.

Ele disse que iria pegar uma bebida e sumiu com outra pessoa.

Ele não voltou. Óbvio que não. E eu sou um idiota.

Não deveria ter me importado com isso, nem me sentido tão ofendido. Depois de tanto tempo ele continua ganhando, como se em algum momento essa luta tivesse sido justa. Mas uma sensação estranha me tomou de assalto.

Rejeição, é claro.

Essa é uma sensação antiga e vem da pequena infância. De quando meu irmão ganhava algo e eu não, ou de quando ele recebia elogios e eu era deixado de lado. Tem a ver com as vezes que eu não fui escolhido para os times na escola ou quando tive que fazer algum trabalho sozinho, porque ninguém queria minha companhia.

Mas isso é passado, definitivamente.

Dessa vez não é tão grave, já estamos todos acostumados com isso. Não vou chorar antes de dormir, nem prometer a mim mesmo nunca mais falar com outros seres humanos – é só mais uma coisa da vida.

Enquanto eu olhava sobre o ombro, esperando que ele não fosse babaca o suficiente para desaparecer simplesmente, eu sabia que não tinha jeito, era assim que seria a partir de agora. Não havia mais ligações. Era só trabalho e nós dois tentando ser educados um com o outro.

Mesmo assim foi difícil evitar passar o restante daquele tempo ali remoendo o amargor do meu próprio estômago. De novo aquele arrependimento e o constrangimento, como se fosse tudo culpa minha, porque é.

Então eu fiz o que sempre faço nessas situações, tomei a anestesia e continuei firme e forte. Também não passei muito tempo sozinho, um cara se aproximou e pediu um cigarro. Nós fumamos juntos e conversamos sobre a insegurança dele em festas, ele estava completamente bêbado, não muito diferente de mim, que sequer lembro o rosto dele.

Aconselhei o estranho com sugestões animadoras, afirmando que logo ele alcançaria tudo que almeja. Se eu estivesse sóbrio teria ido embora há muito tempo, mas continuei ali, até ser resgatado por Evan, não Frank, que estava cansado e queria ir embora.

Minha visão estava meio borrada, então só tive um vislumbre do caminho tortuoso que segui até o táxi e depois apaguei até chegar a casa.

- Ele não vai vomitar – ouvi, ao longe, a voz de Evan dizer, caridosamente.

Agora meus pensamentos estão confusos, mas eu não estou tão incoerente assim, ainda sei o que está acontecendo, apesar de estar um pouco lento. Pago a corrida, apesar da resistência de Evan, e deixo uma gorjeta para o motorista, talvez um pouco maior que o normal, mas quem liga?

Quando entramos encontramos a casa inteira apagada e a Netflix perguntando se alguém ainda está assistindo. Obviamente as três garotas estão dormindo, para minha felicidade, afinal eu não quero que Bandit me veja bêbado. Ela me infernizaria pelo resto da vida.

- Preciso colocar essas garotas pro quarto – tento dizer discretamente, minha língua parece pilosa e eu não consigo pronunciar as palavras direito, mas meu amigo me puxa de forma delicada e me auxilia a subir as escadas, porque meus pés se tornaram meus maiores obstáculos no momento.

Quando entramos no quarto ele me guia até a cama, onde me sento. Ele revira meu armário e, através da minha visão borrada, o vejo pegar roupas, que logo ele entrega em minhas mãos.

- Eu já volto – diz com sua calma inabalável.

Meus olhos se fecham sem minha permissão e minha cabeça tomba para frente. Quando os abro novamente é como se apenas alguns segundos tivessem se passado em um breu infinito e Evan está a minha frente, me chamando.

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