Poluir

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Para aqueles que tentam transformar
alguém em um outro alguém.

Estou apreciando os últimos minutos do sol à vista, quando de repente, sinto e ouço algo sendo jogado dentro de mim

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Estou apreciando os últimos minutos do sol à vista, quando de repente, sinto e ouço algo sendo jogado dentro de mim. Os peixes que vivem em minhas águas se assustam e nadam para minha profundeza.

Percebo que o objeto jogado é um vaso com rosas vermelhas plastificadas.

Indignado, olho ao meu redor, à procura de quem tenha feito isso.

Encontro uma garota baixa, de corpo esguio e longos cabelos castanhos à minha margem.

Ela está com o rosto em uma feição de desespero. Segura em uma das mãos uma pequena caixa azul, coloca a outra mão dentro da mesma, retira de dentro uma pulseira e a joga em minha direção.

— Ei! — grito. — O que eu fiz para merecer que você jogue essas coisas em mim?

— Você não é ele — responde.

— Ele quem?

— O lago que eu amo — diz e em seguida, coloca a mão dentro da caixa novamente.

Dessa vez, a garota retira um álbum de fotos e novamente sou seu alvo.

— Pare de me poluir com suas coisas! — reclamo. — Não faz sentido o que disse, nem a maneira como está me tratando!

Ela suspira profundamente e joga um ursinho de pelúcia em minha superfície.

Isso está me irritando. Eu só queria poder assistir o sol se pondo sem nada para me perturbar, mas estou tendo que lidar com uma desconhecida tentando me poluir com diversos objetos.

— Você se parece com o lago que eu amo. O tamanho de ambos é igual e os dois têm essas pedras e matos ao redor. Mas ainda há uma grande diferença entre vocês. Você não está poluído.

Percebo que ela pretende jogar a caixa dentro de mim, mas começo a falar, a impedindo.

— Então eu não sou o lago que você ama, mas me tornarei depois que você terminar de me poluir?

— Sim. Poderei te amar apenas depois que você estiver totalmente poluído.

Essa situação é incômoda. Aquela garota sequer me conhece e está tentando mudar meu aspecto e essência com o objetivo de que eu passe a ser parecido com outro para apenas assim poder me amar? Se isto é o amor que ela tem a me oferecer, eu não quero. Não posso aceitar que me polua com a desculpa de que é por amor, isso é um absurdo!

Ela joga a caixa e eu perco minha calma.

— Não sou o lago que você diz amar. Eu nunca vou ser ele. E não pode mudar isso. Me poluir não vai me deixar igual aquele que você ama, então vá para ele, garota!

A menina de cabelos castanhos começa a chorar, diversas lágrimas e escarro deslizam em sua face. Ela desaba no chão e cobre o rosto com as mãos.

Eu não tinha o objetivo de magoá-la, mas também não senti pena, afinal, ela estava tentando modificar minha essência.

— Ele não me ama mais. Não há a possibilidade de eu voltar para ele, por isso estou recorrendo a você. Preciso te poluir para te amar da mesma maneira que o amo e só assim deixarei de sofrer.

Não consigo acreditar que estou passando por isso e que essa desconhecida ainda não entendeu que ao me poluir, não amará o lago que um dia foi dela. Ela amaria apenas uma versão falsa dele. Os sentimentos e atitudes dos humanos com relação ao amor podem ser muito destrutivos às vezes. É algo deprimente de se observar e presenciar.

— Foi você que poluiu ele?

— Não. Estava poluído quando o conheci.

— Você amava e ainda ama seu lago mesmo com toda a poluição presente nele e não via problema nisso, estou certo? — questiono, tentando me acalmar.

Ela limpa o rosto, me olha e balança a cabeça positivamente.

— Você o aceitou da maneira que ele é e não fez questão de limpá-lo. Por que não me aceita como eu sou? Por que faz questão de me poluir? Isso não vai te fazer tê-lo de volta. Creio que ele não tenha reclamado da poluição presente dentro de si próprio, mas eu estou reclamando da poluição que você está tentando me sujeitar, este é um dos sinais que demonstram que não serei igual a ele quando você acabar de me poluir. Encontre uma maneira que não afete outro lago para se lembrar dele. Ou tente esquecê-lo. Olha, garota, muitas pessoas se sentam à minha margem e me contam diversas histórias. Ouvindo e convivendo com essas pessoas, aprendi que não se trás alguém de volta o procurando em outro lugar ou em outro alguém. Achar que isso é possível é uma ilusão.

Ela me encara por longos minutos. Aproveito o silêncio e a calmaria que me são proporcionados.

Percebo que o sol havia sumido. Se eu tivesse narinas, suspiraria.

A garota se levanta, uma última lágrima solitária desce pela sua bochecha.

— Você tem razão. Me desculpe.

— Aceito suas desculpas, mas não aceito as coisas que jogou em mim. Retire todas antes de ir embora.

A menina me olha com o semblante indignado e penso que irá embora sem retirar o que jogou, mas em seguida, ela tira os sapatos e coloca um pé em mim, reclama que estou gelado e mergulha.

Fim.

Fim

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Eu nunca vou ser eleOnde histórias criam vida. Descubra agora