Capítulo 1: O Ano em que Tudo Mudou

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2011, o ano em que meu pai se foi.

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Alexandre Eliseu nos deixou em uma quarta-feira à noite, em maio de 2011. O que torna tudo ainda mais doloroso é que foi apenas um dia após o meu aniversário de 4 anos.

Voltamos a 2006. Era uma noite comum numa das boates agitadas de São Paulo. Alexandre, um homem alto, de cabelos negros como a noite e olhos verdes penetrantes, com seus 23 anos, se encantou por uma jovem de 20 anos. Kelly, uma mulher de beleza quase etérea, com seus cabelos loiros encaracolados e olhos azuis intensos, frequentava o local há bastante tempo. E ali, em meio às luzes ofuscantes e música alta, suas vidas colidiram de uma forma que mudaria tudo.

O que deveria ter sido apenas uma noite passageira de paixão transformou-se em algo muito maior.
Em outubro daquele mesmo ano, Kelly, surpresa pelos constantes enjôos e dores estranhas, descobriu que estava grávida. "Nove semanas", disseram os médicos. E, apesar de todas as incertezas, ela sabia exatamente quem era o pai. O único homem que havia cruzado seu caminho desde que seu antigo relacionamento terminou de forma amarga.

Com poucas pistas, Kelly conseguiu encontrar Alexandre. Ele morava em Brasília e estava em São Paulo apenas de passagem. Mesmo assim, quando ela finalmente o contatou, ele não hesitou. Alexandre largou tudo. Comprou uma passagem e voltou para assumir a responsabilidade de um filho que mal sabia que existia, com uma mulher que ele havia visto uma única vez.
Ele não tinha certeza de muitas coisas, mas de uma ele tinha: queria estar presente.

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02/03/2010 - 19:07 P.M

- Pai... O senhor pode contar aquela história de novo? - Minha vozinha ecoava, cheia de curiosidade e carinho, enquanto me aconchegava ao lado dele no sofá, sentindo o calor familiar de sua presença.

- De novo, Hanna? Conto essa história desde que você era um brotinho na barriga da sua mãe! - ele riu, me puxando para perto. - Sabia que você chutava toda vez que chegava na sua parte favorita?- Seu riso era leve, aconchegante, como se o mundo fosse só nós dois.

- É por isso que eu gosto tanto dela... Mesmo antes de eu existir, você largou tudo só pra ficar comigo! - Eu sorri, orgulhosa, enquanto meus pequenos braços se apertavam em torno de seu pescoço, sentindo o amor incondicional que ele sempre me transmitiu.

- Minha pequena, desde o primeiro momento, eu soube que faria qualquer coisa por você. Eu te amo mais do que tudo. - Ele me abraçou forte, e naquele instante, senti como se o mundo inteiro estivesse ao nosso redor, protegendo-nos.

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15/05/2011 - 12:00 A.M

Era o meu aniversário de 4 anos. Meus pais me levaram a um restaurante arcade a 40 minutos de casa. O lugar era mágico. Personagens de filmes e livros que eu nem conhecia decoravam as paredes, e a comida era deliciosa. Passamos horas jogando juntos - Papai e eu apostamos uma corrida de kart, e com mamãe, nós "matamos" zumbis num jogo chamado The Walking Dead. Ríamos como se nada mais importasse. Ao final, meu pai me deu um presente: um urso de pelúcia rosa com olhos roxos que cheirava a uva. Eu o batizei de "Ben".

Foi o melhor dia da minha vida.

À noite, antes de dormir, ele veio se despedir.

- Já vai dormir, filha? Gostou do seu dia? - perguntou ele, sentando-se à beira da minha cama.

- Sim, papai. Eu te amo muito! - Eu o abracei com força, segurando Ben contra o peito.

- Foi o melhor dia de todos, obrigada! - murmurei, com os olhos já pesados de sono.

- De nada, minha pequena. Eu também te amo. Lembre-se, sempre estaremos aqui por você. - Ele beijou minha testa, apagou a luz e saiu do quarto, deixando apenas o eco de suas palavras me abraçando na escuridão.

"Eu te amo, filha, nunca esqueça disso."

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16/05/2011 - 23:13 P.M

Naquela noite, eu e minha mãe estávamos assistindo a uma comédia do Adam Sandler, rindo despreocupadas, Enquanto meu pai preparava o jantar. Mas algo estranho aconteceu. Um barulho alto do lado de fora quebrou nossa tranquilidade. Algo que fez meu coração apertar.

- Amor, pode ver o que está acontecendo lá fora? - Mamãe pediu, sem saber que aquelas seriam as últimas palavras tranquilas que trocaria com ele.

Meu pai desceu para o jardim. O silêncio foi rompido por sons altos e gritos abafados. Ele voltou correndo, o rosto pálido tomado pelo pânico.

- Chame a polícia! - gritou ele para minha mãe. Ela pegou o telefone enquanto ele me puxava para perto, tentando me proteger. Ela, com as mãos trêmulas, discou o número, mas antes que pudesse completar a ligação, a porta da nossa casa foi arrombada com uma força brutal.

Tudo aconteceu rápido demais. Homens armados invadiram nossa casa, determinados a roubar o que pudessem, a qualquer custo. Meu pai, desesperado, só pensava em me proteger. O abraço dele foi a última coisa que senti antes que o mundo ao meu redor explodisse em caos. Houve um disparo. O som ensurdecedor de uma vida se esvaindo.

Senti algo quente e molhado escorrer pelo meu braço, mas não entendi o que era. Tudo que eu sabia era que o corpo de meu pai estava imóvel, e por mais que eu o chamasse, ele não respondia. Meu pai... havia sido tirado de mim por algo tão insignificante. Um relógio de ouro que ele usava no pulso. Sua vida trocada por algo tão sem valor.

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18/05/2011 - 08:24 A.M

No dia do velório, o céu chorava conosco. A chuva caía forte, quase como se o próprio universo estivesse em luto. Mamãe estava destruída, soluçando junto ao caixão, suas lágrimas misturadas com a água que caía do céu, agarrando-se às lembranças que jamais retornariam. À medida que a tempestade aumentava, as pessoas iam embora. Mas eu fiquei, presa em memórias de quando papai me levava para brincar na chuva, mesmo depois de um longo dia de trabalho. Ele ria enquanto eu pulava nas poças, como se o mundo fosse um lugar simples e seguro.

Naquela noite, me tranquei no quarto com minha mãe. Nós nos deitamos na cama que um dia havia sido deles, e ficamos folheando o álbum de fotos da família. Era uma tortura doce, uma dor misturada com nostalgia. Sabíamos que aqueles momentos jamais voltariam.

O cheiro dele ainda estava lá, impregnado nas roupas, nas paredes... A mancha no tapete da sala, resultado daquela noite terrível, E, apesar de todas as tentativas de minha mãe de apagar aquela marca, ela jamais desapareceu, como a dor que carregávamos.

Mamãe não aguentou. Afundou em uma depressão tão profunda que parecia um buraco sem fim. Eu a vi desmoronar aos poucos, Ela mal conseguia sair da cama, se recusava a comer. Eu sabia que papai gostaria que eu cuidasse dela, então, fiz o que pude. Pedi ajuda à vovó, e finalmente, mamãe aceitou começar um tratamento. Mesmo relutante, ela sabia que precisava tentar. Começou a tomar remédios que a deixavam em um estado de torpor constante. Eu cuidava dela, alimentava, penteava seu cabelo, mas a chama que ela tinha antes... estava apagada.

E assim, nossa vida continuava. Ou melhor, tentava continuar.

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⏰ Última atualização: Sep 25 ⏰

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