"Asas cortadas. Eu era uma coisa quebrada. Tinha voz, mas não conseguia cantar".
Morana inclinou o rosto para o céu, olhando mais uma vez para o azul límpido sobre ela e a bola amarela brilhante, irradiando um calor selvagem, que a fazia suar em diferentes partes do corpo. Mas isso não a irritava. Pelo contrário, se viu erguendo ainda mais o rosto, como se pudesse aceitar em sua pele qualquer raio de Sol que estivesse a seu alcance. Depois de vinte anos presa sob o mar, era revigorante sentir o calor do Sol sobre sua pele.
Ela acenou em agradecimento para a garçonete, uma fauna, que colocou um copo de chá gelado e um croissant de chocolate sobre a mesa. Morana olhou para aquilo como se fosse a primeira refeição que via na vida. Tocou a superfície do croissant, testando a crocância e a maciez interna; em seguida, tomou um gole do chá pelo canudo e descobriu que era mais doce do que imaginava, duplamente refrescante com todo o gelo e o hortelã. Deu uma mordida no croissant e arregalou os olhos quando o recheio de chocolate explodiu em seu paladar. Era a coisa mais deliciosa que já comera em toda sua vida.
A menina se recostou na cadeira, desviando o olhar para o cais do outro lado da rua. Havia sido sortuda o bastante para que seu hotel tivesse um restaurante no terraço, assim poderia tomar seu desjejum ao mesmo tempo em que ficava de tocaia observando toda a extensão da beira do cais. Desde que havia chegado no restaurante, duas horas atrás, havia visto uma dezena de lontras com coletinhos refletores amarelos pularem e saírem da água. O Istros brilhava de um azul esverdeado muito bonito, com ele, todos os seres das águas que também viviam na Superfície, emergindo da mesma forma que as lontras.
Tecnicamente, não fora enviada para a Cidade da Lua Crescente pelo motivo que estava ali. Sua Rainha ordenou que Morana fosse enviada até Lunathion para buscar alguns livros que estavam sob posse de Bryce Quinlan, a Estrelada. Os livros, antes em posse de Jesiba Roga, agora eram propriedades de Quinlan, dona de um antiquário e biblioteca onde expunha as coleções dos antigos livros de Parthos. O edifício pertencente à Quinlan havia sido inaugurado e a Rainha do Oceano soube de alguns exemplares pertencentes à Bryce que poderiam ser de grande ajuda para a cultura do povo das águas.
Se encontrar com Bryce Quinlan e solicitar uma lista de livros era a sua missão — quando, na verdade, Morana estava naquele terraço de olhos no cais onde ela sabia que, a qualquer momento da manhã, uma cápsula de transporte enviada do Cargueiro das Profundezas seria enviado até a cidade.
Morana tinha tempo e uma paciência inesgotável, por isso, deixou que o sol lhe torrasse a cabeça e esquentasse seu corpo dentro do macacão tático enquanto esperava pela pessoa que apareceria no cais. Com o tempo passando, Morana comeu mais dos croissants de chocolate, experimentou uma grande variedade de uma bebida refrescante chamada milkshake e se empanturrou de uma massa cremosa e gelada do que descobriu ser sorvete. Ela nunca tinha provado tais delícias e não pôde deixar de notar a garçonete olhando-a com curiosidade e um leve espanto por todos os seus pedidos exagerados. Talvez pensasse que Morana fosse um dos anjos escravizados da antiga República, quando os asteris ainda regiam Midgard, e por isso não conhecia todos os sabores e comidas que estavam disponíveis a qualquer momento do dia para o resto das pessoas.
É perto do meio-dia quando Morana se empertiga, engolindo a massa do sorvete de coco e pistache e percebe o casal caminhando sobre o cais do Istros. Eles se detém na borda do píer, ambos olhando com expectativa para o rio. Ambos esperando por aquela cápsula de transporte enviada pelo Cargueiro. O macho acaricia as costas da fêmea com carinho, apoiando-a, tentando tranquilizá-la. Dali, Morana consegue discernir o sorriso amoroso e contente no rosto do macho pela fêmea, os olhos azuis brilhando ao encará-la. A fêmea praticamente vibrava de alegria. Seus ombros tremiam de antecipação. Morana vê a lateral de seu lindo rosto. O sorriso em seus lábios era largo, afetuoso. Um sorriso cheio de um amor puramente maternal.

VOCÊ ESTÁ LENDO
✓ 𝑵𝒐𝒃𝒐𝒅𝒚'𝒔 𝑫𝒂𝒖𝒈𝒉𝒕𝒆𝒓 | (𝐶𝐶𝐼𝑇𝑌 𝑎𝑓𝑡𝑒𝑟 𝐻𝑂𝐹𝐴𝑆)
FanfictionMorana não tinha um sobrenome, não tinha uma história, não tinha um passado nem um futuro. Tudo o que sabia era que fora abandonada ainda recém nascida e enviada para um dos navios-cidades controlados pela Rainha do Oceano. Aos doze anos, após um in...