Capítulo 2: Como nos velhos tempos

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"Quando eles acabaram?"

— O que temos para o jantar? – ele perguntou, deixando o corpo cair no sofá ao lado dela.

— É sexta, eu tinha outros planos para hoje... – ela lançou-lhe um olhar enigmático.

— E o que sugere? – ele perguntou, empolgado, enquanto olhava para o teto pensativamente. – Quer sair para jantar?

— Não exatamente. Pensei que poderíamos ir a um bar, o que acha?

Um bar?! – ele franziu o cenho, virando-se para encará-la.

— Sim, queria ouvir música em um ambiente legal, quem sabe, até poderíamos dançar um pouco.

— Mas você sabe que eu não sei dançar... E em que bar pensa em ir?

— Conheço alguns legais que eu frequentava antigamente. Mas se não quiser ir longe, poderíamos ir aqui na esquina mesmo. Como nos velhos tempos.

— Querida, nós não íamos em bares nos velhos tempos.

— Você não, mas eu ia, antes de te conhecer. Era ótimo!

— Isso foi no passado, Grace. Acho que este tipo de ambiente agitado não é mais para nós – ele a observou por um momento, lembrando-se dos dias em que era mais ousada.

Por que você precisa ser sempre tão chato? Ela se perguntou. Se lembrava dos velhos tempos, como eram divertidos. Grace, a garota livre e inconsequente que tinha uma vida agitada. Agora ela era prisioneira de sua própria condição.

Certa vez, no auge da adolescência, ela havia planejado fugir de casa. Viver a vida da maneira como merecia: livre. Viajar pela costa de carro com uma pequena mochila e muitos sonhos, normalmente esses planos não eram compatíveis com alguém como Joshua.

Ele era um bom homem, bonito e educado; divertido e gentil. Qualidades que se espera de um bom pai, mas não de um aventureiro. E, tudo bem, no fim das contas ele era um bom marido. Mas às vezes, se perguntava o que teria sido de sua vida se não tivesse se casado com ele.

Quando o viu pela primeira vez, foi um desses encontros rápidos e despretensiosos, na porta de uma livraria. Ele estava entrando e ela saindo. Uma rápida troca de olhares e Joshua segurou a porta para que ela passasse, um gesto ímpar em nossos dias. Ele, timidamente sorriu, olhou para o livro que ela trazia nas mãos: "On The Road", de Jack Kerouac. O precursor dos hippies e mochileiros.

— Eu não leria esse tipo de coisas se fosse você.

— Ahn? – Grace perguntou confusa.

— Esse livro dá ideias – ele sorriu cheio de sarcasmo.

— É uma pena, este é um presente para uma amiga... Eu já li o meu – ela respondeu no mesmo tom humorado.

— O que você achou do livro?

— Interessante – ela respondeu tentando se lembrar da história. – E você?

— Um tremendo absurdo! Como pode um jovem sair por aí com uma mochila nas costas e uns trocados no bolso – ele riu. – Com sua idade eu estava encarando Dostoiévski.

Grace franziu o cenho olhando-o de cima a baixo. Ele não parecia tão mais velho que ela.

— Escuta aqui, você não é tão velho assim!

— Por dentro, sim.

Ela riu. Foi assim que tudo começou. Cumprimentos rápidos e ela aceitou o convite para tomarem um café "um dia desses", um encontro amigável entre dois leitores. Era o começo de uma jornada.

Foi um ótimo encontro. Apesar das divergências, ela gostava de homens inteligentes e, ainda, que estivessem discutindo, Joshua sempre conseguia conduzir a conversa para o bom humor e transformar um argumento irritante em uma piada.

Ao fim do encontro, ela poderia simplesmente se ir embora, mas algo naquele rapaz havia despertado sua curiosidade. Seus olhos eram diferentes, altivos, cheios de responsabilidade e carisma. Sua voz era suave, mas enfática. E seu rosto era incansavelmente belo. Ela não estava apaixonada, mas sabia que não se deparava com homens como ele todos os dias. Despediram-se com o ar de que algo ainda estava para acontecer.

Grace tinha uma rotina agitada pela frente; era o terceiro ano da faculdade, e ela ainda tinha festas para ir com as amigas às sextas, bares para frequentar, baladas, etc. Enquanto isso, Joshua parecia ser mais do tipo que ficaria recluso no fim de semana com sua família e seus livros. "Deixe que ele venha até mim", ela sempre dizia para as amigas quando contava sobre esse encontro.

Por fim, Joshua ligou, e de alguma maneira que ela não sabia explicar, sentiu as mãos suarem e o coração acelerar. Aceitou sair com ele para mais um encontro e depois outro, até as coisas se agravarem ao ponto de ser pedida em namoro. Pouco a pouco, as amizades seguiram seu rumo, as festas perderam seu brilho, e ela estava flertando com a ideia de que aquele poderia ser o homem de sua vida.

Agora, sentada à janela, três anos mais tarde, ela se perguntava se havia feito a escolha certa.

Talvez eu tenha escolhido cedo demais. Talvez não tenha vivido o bastante. Grace se perguntou o que teria acontecido se tivesse enrolado Joshua por mais algum tempo. Talvez tivesse conseguido viver todas as experiências que desejava: sair do país, dormir em um albergue, conhecer a França, Bangladesh, Índia, ver o sol nascer na areia da praia. Mas agora tudo que ela veria seria o pôr-do-sol através daquela estreita janela. E, talvez, tivesse que viver isso eternamente.

Grace esperava que, com o tempo, eles pudessem entrar na mesma sintonia. Estar casada com Joshua não era uma catástrofe completa, porém aos poucos, o tempo mostrava que não era tudo aquilo que ela havia sonhado.

— E então? – ela insistiu.

— O que?

— Vamos sair para dançar um pouco e nos divertir? – perguntou entusiasmada. –Na minha cidadezinha, costumávamos organizar alguns bailinhos, era ótimo.

Um filme esmaecido surgiu em sua mente. Nele uma garota de shorts jeans curtos, camisa de flanela, chapéu e batom brilhante subia na garupa da moto de algum jovem bonitão em direção à alguma festa onde ficaria até o sol raiar, foi em uma delas que deu o seu primeiro beijo e tomou a sua primeira cerveja. Lembrava-se também de como gostava de ir aos rodeios, onde ela e as amigas ficavam horas e horas à beira daquela arena, conhecendo rapazes de todas as cidades da região e se divertindo muito ao som das bandas de country que se apresentavam ali.

— Grace, você me conhece. Eu não danço! – Disse Joshua. 

Ela bem sabia o quão patético era levar Joshua para dançar, ouvir música em lugares agitados ou festas muito movimentadas. Ele era mais "na dele". Alguns encontros com amigos, sempre em grupos menores, jantares reservados, um bom café, estes eram seus programas.

— Eu sei que não, mas você poderia fazer este sacrifício por mim – ela disse com ênfase, como uma adolescente pedindo algo aos pais. – Casamento exige renúncias as vezes.

— Digo o mesmo para você. Mas eu gostaria que fossemos em um lugar onde ambos estivessem satisfeitos.

Ela assentiu contrariada, no fundo ele tinha razão, mas ainda assim, Grace sentia-se frustrada por não poder fazer a sua vontade, afinal, cada vez que precisava renunciar a algo que lhe dava prazer para agradar Joshua, via-se cortando uma parte de si. Temia ao fim da jornada olhar para trás e descobrir que toda a alegria de sua vida foi consumida e resumida em um homem.

É um belo homem, talvez, no fim das contas, acabará compensando, ela pensou inspecionando-o por um instante. Porém não sentiu tanta confiança em sua própria afirmação. No fim, apenas beleza não basta. Não que Joshua não possuísse outras qualidades, elas só não estavam listadas naquilo que Grace considerava importante. O tempo dirá se valeu a pena...

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