Cochichos.

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Chris se aproxima do corpo da estudante do Colégio Amaral, totalmente ensanguentado. Ele analisa os vestígios de luta que podem ter acontecido. Os cortes profundos e recentes dos braços, a poça de sangue que cerca ela. Quem fez isso com ela e com o resto das pessoas... queria mesmo dar um fim na vida deles. Chris tira uma luva escura da borracha do bolso de sua calça, a põe em sua mão direita e pega a coroa de espinhos da cabeça da garota, que parece estar cravada em seu crânio despedaçado.
— Antiquário Rubens? — ele lê a etiqueta. Ele coloca a coroa dentro de um saco plástico em sua bolsa. Enquanto faz isso, percebe o molho de chaves na mão da estudante morta, e rapidamente guarda-a em seu bolso. Ele dá alguns passos de volta para o pé da escada onde todos estão.
— Eu... achei isso — ele mostra o molho de chaves — é de um dos corpos. Provavelmente o da última pessoa que a bibliotecária viu entrando. Era de uma garota, na seção de terror.
— Cora Alves... — Ellena revisa em seu caderno — o nome dela era Cora.
— Devíamos ir na casa dela... — Castiel diz, cuspindo um pouco de sangue, deitado nos degraus e com o braço cobrindo seu rosto. Sua regata escura com uma caveira desenhada em branco está furada nas laterais, e uma bandagem improvisada percorre seu abdômen.
— Agora tá tarde demais... — Rebecca diz, abraçada com Ellena.
— A gente vai amanhã — Ellena diz, saindo do abraço de Rebecca, com um semblante de desconforto disfarçado — isso aqui não é mais uma investigação jornalística pra um jornal de colégio.
— A coisa ficou bem mais séria do que eu imaginava — Jesse diz, encarando Castiel gemer de dor.
— E a polícia não vai explicar nada disso para nós — Chris diz, com as mãos no bolso de sua jaqueta esbranquiçada — vamos nós mesmos investigar o que anda acontecendo.
— Acho bem show, fantasminha, mas você pode, por favor, me dizer o que era essa merda? — Jesse aponta para a poça de sangue. Chris fica em silêncio.
— Eram criaturas... — Ellena responde — como nos livros de terror, sabe?
— Eu não sou muito fã de livros.
— Gente, o foco agora é descansar. Precisamos nos preparar pra coisas desse tipo, seja lá o que seja essa coisa — Rebecca fala, preocupada.
— Eu concordo com ela — Castiel diz tossindo sangue e passando a mão de leve em seu corte.
— Vamos sair daqui. Agora.
Rebecca e Ellena saem juntas na frente, Jesse ajuda Castiel a se levantar do degrau e Chris caminha com uma expressão séria até a saída. Todos eles fazem uma pequena roda na frente do portão de ferro trancado, na calçada escura.
— Nos encontramos no bar do Gil, amanhã, às uma da tarde — Ellena diz, ainda meio aérea, com os braços cruzados.
— Certo — Castiel diz, sendo segurado pelo seu irmão.
— Até amanhã então... se cuidem — Rebecca diz, tentando manter um sorriso.
Todos, então, se separam. Cada um vai para sua casa. Rebecca anda pela calçada junto de Ellena, até chegarem na frente de seu apartamento.
— O dia hoje foi puxado... — ela tenta puxar um último assunto.
— Amanhã vai ser bem mais.
— É — Rebecca concorda, apreensiva — mas pelo menos me diverti bastante.
— Diga por você... — ela diz olhando para as próprias mãos — eu nem pude fazer nada.
— Esquece isso — Rebecca coloca sua mão sobre a dela — pelo menos você tentou.
— E não teve diferença nenhuma — Ellena recolhe a mão — boa noite, novata.
— Boa noite — Rebecca abre a porta do condomínio, entra e fecha novamente. Ela sobe as escadas, meio desanimada, se segurando no corrimão. Caminha na madeira rangente, até chegar na sua porta. Entrando em sua casa, um de seus gatos passa por entre suas pernas, pedindo por carinho.
— Oi, neném — Rebecca se abaixa e atende ao pedido da gatinha — como vai, branca?
A gata mia para Rebecca, que se levanta, acende a luz e ilumina o apartamento por inteiro. Ela deixa sua mochila encostada numa das cadeiras da mesa, vai até a lavanderia, onde a ração dos gatos está e preenche três potinhos. Depois faz o mesmo com água e então caminha pelo corredor. Ela vê um porta retrato com a foto de sua mãe segurando uma espada, preso em sua cintura uma desert eagle e na sua outra mão um soco inglês dourado.
— Oi mãe — Rebecca segura o porta retrato, faz carinho no rosto da mulher com seu dedo e dá um sorriso — aonde é que você tá, hein?
Ela continua andando pelo corredor até chegar em seu quarto escuro, iluminado somente pela janela de três lados, onde ela costuma sentar e observar a rua. E é exatamente o que ela vai fazer até cair no sono, por isso ela leva uma coberta consigo e descansa, encostando a cabeça no vidro e relembrando dos momentos do dia de hoje até finalmente dormir.
Ellena caminha de braços cruzados até a porta dupla do bar, fechado porém aceso. Ela dá dois toques e espera até Gil atendê-la. O homem abre a porta, e dá um sorriso:
— Ellena! Cadê o pessoal? Já está bem tarde — ele diz, enquanto ela entra.
— Eles foram pra suas casas, mas eu não quero encontrar minha mãe hoje, o dia foi cheio — Ellena diz, se sentando numa das cadeiras — achei que... não teria problema se eu dormisse aqui, pelo menos hoje.
— Claro que não, você é sempre bem—vinda — ele se senta também — e me diz, como foi com eles? Seus amigos novos. Eles parecem bem agitados.
— Eles são até demais...
— E você está bem com isso? Com esse lance de ter que falar com outras pessoas de novo?
— Na verdade, eu só tô sendo forçada a estar com eles — ela se apoia de bruços sobre a mesa — alguns deles pensam, tipo o garoto loiro e o irmão daquele grandão.
— Sei, sei.
— Você acredita que ele já foi preso? Eu não acreditei quando ouvi ele falar, mas pensando bem, era de se esperar — ela diz, quase como num pensamento intrusivo, mas que ela disse para alguém.
— Sinto que você vai se dar bem com todos eles. Talvez precisem de uma ajuda. Alguém que lidere eles.
— Ah tá. Como se eu fosse ser líder de algo.
— Parece algo impossível. Você vai ver que tem muito potencial nessa vida, agora... — ele se levanta — vai lá, dorme nos fundos, a cama já está pronta. Eu vou dormir por aqui mesmo.
— Ok! — Ellena se levanta, vai até a porta dos fundos, e dentro dela tem um quartinho pequeno. Ela coloca sua mochila ao lado da cama, e se senta perto de um bancadinha com um porta retrato. Na foto, Gil segura uma garotinha de cabelos negros ondulados em seus braços e os dois sorriam, felizes. Ellena observa a foto por alguns segundos e não pode evitar de sorrir. Ela se deita e se cobre com a coberta.
— Bons sonhos, minha princesa — Gil desliga a luz do quarto e fecha a porta.
Chris se aproxima de uma casa cercada por um pequeno muro de pedra. Ele entra pelo portãozinho de ferro, avista o corsa preto de seu pai e entra em sua casa. Seu pai, de cabelo médio e grisalho está cozinhando ao lado da pia, na cozinha e seu avô está reclamando do programa que está passando na televisão.
— Essa merda de controle não funciona — o senhor bate o controle na braçadeira de sua cadeira de balanço — NADA NESSA CASA FUNCIONA!
— Paciência, pai — o pai de Chris o percebe na porta da cozinha — Ah, oi! Como foi a escola hoje, filho? Você chegou tarde.
— Tive um contratempo — ele respira fundo — eu vou para meu quarto, ok?
— Não vai comer?
— Eu... estou sem fome.
— Certeza? — os dois se encaram.
— Ok — Chris entra na cozinha, pega uma maçã e dá uma mordida — você venceu.
— Eu te amo, não vá dormir tarde, ok? — seu pai diz, se apoiando no batente da porta.
— A cada dia que passa esse moleque fica mais parecido com a mãe — o senhorzinho diz, se balançando mais e mais em sua cadeira. O pai do garoto respira fundo e solta um sorriso leve, então volta a cozinhar. Chris entra em seu quarto, coloca sua mochila ao lado de uma escrivaninha, que possui alguns blocos de notas, cadernos e um computador. Ele acende apenas uma lâmpada pequena sob a escrivaninha que ilumina o quarto parcialmente. Na parede, uma estante cheia de livros de suspense e investigação e ao lado, um mural de investigações, com recortes de jornal, fotos e fios vermelhos interligados.
— Um dia, eu ainda vou te encontrar — ele encara o mural e desliga a luz — mãe.
Jesse segura Castiel pelo ombro, no meio da rua deserta, às nove da manhã. De vez em quando, Castiel tosse e cospe sangue, mas é bem raramente; ele se aguenta bastante.
— Tomara que o Armandinho te ajude — Jesse diz , mencionando o médico da gangue — você se machucou feio.
— É você quem precisa de ajuda, você caiu do segundo andar, cara — o caçula cospe sangue.
— Já caí de lugares piores — diz ele, claramente se gabando — você é a prioridade aqui, ok?
— Seu cuzão, você também se machucou.
— Eu não sou importante agora — Jesse diz — Só aceita, eu tô sendo legal.
Castiel bufa e segue caminhando com seu irmão, até chegarem na frente de uma grade de ferro, com uma abertura. Os dois passam por essa abertura, e caminham em direção ao interior do hospital abandonado. E um som, bastante aparente, de uma festa com música eletrônica soa pelos corredores vazios e escuros.
— Acho que eles realmente fizeram uma festa — Castiel diz, literalmente quase morrendo — aquela coisa era realmente muito forte.
— Cê podia ter batido as botas, mas o fantasminha me ajudou a foder com a cabeça dele. Aquele cara é inteligente pra porra, mano.
— O que você achou deles? — Castiel diz, cobrindo a boca com sua mão.
— Fodas, mas aquela de franjinha pode me matar a qualquer momento, pelo menos é o que parece, né — ele diz, enquanto Castiel dá risada.
Os dois entraram numa das portas do corredor e entraram numa enorme sala lotada de pessoas pulando, fumaça, drogas, um DJ lá na frente com uma mesa de som e uma música eletrônica estourada. Algumas das pessoas gritam de felicidade ao ver o líder deles, Jesse Brittany.
— Essa vai pra você, chefe! — O DJ diz usando um microfone enorme e logo depois coloca uma música eletrônica estourada.
— Muito foda, Lipe — Jesse diz, rodeado de pessoas e ainda segurando Castiel — alguém sabe onde tá o Armandinho? O Castiel tá ferido pra cacete.
— Ele tá lá na enfermaria, Jess — uma moça usando calças rasgadas e com um copo de bebida alcoólica na mão.
— Belê, Wendy — o garoto, líder da Hydra, leva seu irmão até a sala da enfermaria onde um homem usando óculos, cabelo castanho e barba rala está sentado bebendo um copo de cachaça — Armandinho, o bagulho tá sério.
— Que bagu... — o homem se vira e vê o estado de Castiel, manco e com o abdômen sangrando, manchando sua camiseta — PUTA MERDA, JESSE. COLOCA ESSE MOLEQUE NA MACA.
— Cacete... — Castiel balbucia, com os olhos cerrados e a pele suando. Jesse o coloca deitado sobre a maca e Armandinho se levanta para examinar o garoto machucado.
— Meu Deus do céu... — o homem examina o corpo do garoto, levantando a barra de sua camiseta e vendo o rasgo sangrento em sua costela direita — o que foi que atacou ele?
— Não importa. O que importa é que ele...
— Importa sim, Jesse — Armando o interrompe, encarando o rosto dele — e se foi algo venenoso? Você sabia se era? Como era? Sabe se o seu irmão vai ficar bem depois de se machucar desse jeito?
O sangue de Castiel escorre pelo seu corpo e mancha a maca. Jesse encara Armando de volta, com um olhar impressionantemente atento e apreensível. O médico espera a resposta do garoto.
— Eu... — o garoto segura na mão do irmão — só quero saber se ele vai ficar bem...
Após um silêncio e uma respirada funda, Armando diz:
— Foi um corte profundo — ele observa — vai ficar cicatriz, sem dúvidas. Mas, ele vai ficar bem sim, Jesse.
— Certo...
— Vou desinfetar o corte, fazer a costura e cobrir com uma bandagem de verdade... — ele toca na beirada da bandagem improvisada enrolada no abdômen de Castiel e olha para a barra da regata de Jesse, rasgada — pois bem, daqui algumas horas eu mando ele para seu quarto. Você precisa descansar... e ele também.
— Obrigado por isso, Armandinho — ele segura a mão de Castiel um pouco mais forte — de verdade.
— Eu não entrei nessa gangue a toa... existem vidas, aqui, que precisam ser salvas.
Jesse apenas sorri, olha uma última vez para Castiel, deitado na maca, sangrando bastante e cochilando. Ele se retira da sala e caminha até seu quarto, onde divide cama com o irmão. Uma cama de casal, alguns armários, um guarda—roupa, o bastão de baseball de Castiel preso na parede. Detalhes de casa. Sua casa.
Ele então se senta na beirada da cama, encara as próprias mãos ensanguentadas e sujas, respira fundo, fecha os olhos. Tenta raciocinar o dia de hoje. O evento dos acontecimentos. Sua cabeça parece um redemoinho constante, definitivamente precisa de um descanso. Jesse abre os olhos e aponta sua visão até um armário em sua frente. Um armário velho, antigo; herdado. Ele se levanta e o abre, revelando uma arma, uma Magnum mais especificamente. Ela possui detalhes em sua empunhadura, detalhes em dourado e uma escritura em si: Brittany. Junto da arma, munições jogadas, espalhadas. Ele a segura e lembra de algo que não queria lembrar, então coloca ela na gaveta novamente, fecha e deita na cama.
— Amanhã é um... novo dia.
Ao cair no sono, Jesse tem um pesadelo inoportuno. Ele e seu irmão Castiel estão em casa, correndo e brincando. É pega—pega. E está com o Jesse. Eles passam pela casa inteira, Castiel dá a vida para correr do irmão, passando por lugares que ele nunca conseguiria passar, se escondendo nos armários. E eles passam por um quarto, Castiel corre e ao ver a porta aberta do quarto pouco iluminado, para. Jesse corre e esbarra no irmão.
— Tá com você, otário — ele diz, sem alguns de seus dentes. Castiel não fala absolutamente nada, só aponta seu minúsculo dedinho ao quarto. Os dois entram em silêncio, para ver o que está acontecendo. Tem alguém deitado na cama, coberto, arfando. É o irmão mais velho deles: Matheus Brittany. Nas últimas semanas, ele tem estado extremamente doente, não tem se movido. Ele permanece num sono inacabável. Castiel, em silêncio, se aproxima de seu irmão mais velho, e observa ele. Seus cabelos longos, sua pele negra, seus brincos e tatuagens. Seus olhos estão fechados. Jesse também se aproxima e, quase como num déjà vu de algo que ainda não aconteceu, ele se vê numa situação semelhante a que Castiel estava após deitar na maca. De repente, a respiração de Math fica cada vez mais fraca, ele está perdendo o ar.
— Merda — Jesse diz, correndo até a porta do quarto — MAMÃE! PAPAI!
Os pais dos garotos chegam no quarto, confusos sobre a situação. Até a mãe deles perceber a respiração do filho.
— Cacete, ME AJUDA, DAVE — ela corre para o lado direito da cama, descobrindo o filho enquanto o homem corre, desesperado, para o outro lado da cama e começa a segurar seu filho.
Castiel fica com medo da situação e se aproxima de Jesse, segurando sua mão. A mãe das crianças, coloca algumas coisas dentro de sua bolsa, incluindo a chave do carro.
— Você vai dirigir, Jéssica?! — Dave diz, segurando Math em seus braços.
— CORRE PRA MERDA DO CARRO. AGORA!
Dave se pôs a correr para fora de casa, enquanto Jéssica se aproximava dos dois que enxergavam a cena inteira. Ela se agacha na frente dos dois, com uma perna só e diz:
— Eu já volto, meus amores — ela diz dando um beijo na bochecha de Castiel e passando a mão em seu cabelo — e você cuida dele, não importa o que aconteça, até eu voltar.
Jesse apenas concorda com a cabeça e dá um abraço em sua mãe.
— O Math vai ficar bem? — Castiel diz, com uma voz trêmula.
— Claro que vai, meu bem. Vai sim, agora eu tenho que ir, ok? Beijo, amo vocês — a mulher se levanta e corre para fora de casa, trancando a porta, ligando o carro e indo em direção ao hospital. Jesse abraçou Castiel, que estava chorando, pela noite toda. Mas não somente nesse dia.
Horas depois, os irmãos receberam a notícia de que o carro de seus pais, com seu irmão dentro, bateu num viaduto. Não houveram sobreviventes. A partir daquele momento, eles foram encaminhados para o orfanato da cidade. Os dois só podiam contar um com o outro. Depois de semanas causando dentro do orfanato, Castiel armou uma fuga e Jesse a executou. Basicamente, eles iriam incendiar o orfanato por completo, usando garrafas de álcool de limpeza da dispensa. Por incrível que pareça, funcionou. Milhares de crianças fugiram junto naquela noite, e se separaram umas das outras. No meio das chamas, Jesse se queimou gravemente, pelos braços inteiros. Agora era só Castiel e Jesse. O caçula e ele andaram por horas, no meio da noite, até chegarem num hospital... o hospital que é QG da Hydra. O resto você já sabe.
Depois de horas, Jesse acaba acordando. Ele passa a mão no rosto, boceja bem alto e percebe que Castiel está do seu lado, todo enfaixado e dormindo. Jesse dá um leve sorriso e então pega seu celular com a tela rachada. São onze horas da manhã. O garoto entra no grupo de mensagens feito pela coordenadora Nicolle.
"Bom dia, flores do dia" ele escreve e manda.
Ellena digita "Você? Acordado essas horas?".
"Sempre" ele responde, claramente mentindo.
"Mentir é feio" Chris escreve.
"Tô mentindo não, fantasminha camarada". Jesse escreve e logo tem uma ideia revolucionária e manda "VOU SALVAR SEU CONTATO ASSIM."
"Também vou" Rebecca escreve.
"Todo mundo acordou?" Ellena pergunta.
"Não, o Cast tá dormindo aqui" Jesse responde.
"Acorda ele" Chris diz "Temos muita coisa a fazer hoje"
"Venham para o bar do Gil daqui uma meia—hora, quarenta e cinco minutos no máximo" Ellena manda.
"Belê, franjinha." Jesse desliga o celular, se espreguiça e acorda o irmão.
— Castiel, acorda aí.
— Não... — ele diz, com sono.
— Vai logo.
— Calma aí, cacete — Castiel ficou parado por alguns minutos e se virou, encarando seu irmão. Os dois se encaram. Castiel mostra a língua para Jesse que responde com um dedo do meio. Castiel revida com um dedo do meio também e se levanta.
— Também te amo, seu cuzão — Jesse acende um cigarro.
— Logo cedo? Sério?
— Preciso desestressar... tive um pesadelo — ele olha para Castiel — mas que no final virou um sonho.
— E isso é possível?
— Deve ser — Jesse dá uma tragada do cigarro — e aí, melhorou?
— Mais ou menos, parece que eu perdi cinco quilos — ele aperta levemente a própria barriga enfaixada.
— Deve ser de tanto perder sangue.
— Ei. É pra me animar, porra.
— Foi mal, minha cota de ser bonzinho com você foi só ontem. Agora se arruma, a gente vai se encontrar com o pessoal.
— Ok — Castiel pega sua roupa no armário e em seu campo de visão ele enxerga seu bastão encostado na parede. Ele o toca, segura firme.
— Coloca um arame farpado nele — Jesse diz, tragando o cigarro outra vez — ia ficar foda pra cacete.
— Algum dia eu coloco...
Alguns minutos se passaram e Ellena está de bruços na bancada do bar recém-aberto; Gil costuma trabalhar cedo. Ela tem apagões por estar cansada demais até que escuta o sino de cima da porta de entrada tocar. Alguém entrou no bar.
Ela se levanta e enxerga ao longe um garoto de cabelos loiros, vestido com uma blusa escura por baixo de um blazer claro e uma calça preta. O garoto segura uma das alças da mochila nas suas costas.
— Bom dia — Chris diz, colocando a mochila ao lado do banco onde, logo em seguida, ele se senta.
— Bom dia, Chris.
— Como estão as coisas por aqui?
— Bom... — uma discussão acontece atrás dos dois — o de sempre. Trouxe o quê na mochila?
— O necessário.
— Certo...
— E cadê a sua mochila?
— No quarto, acho que não vou levar nada hoje — ela passa a mão em sua testa — a gente vai na casa da garota e no antiquário?
— Afirmativo.
— Nada demais, não tem porque levar a mochila, além do mais — ela tira algo do bolso traseiro de sua calça escura — eu só preciso disso aqui.
Ela mostra para o garoto um caderninho e uma caneta preta. Ela o folheia, mostrando inúmeras anotações, tanto de outros dias como o de ontem. Ela acaba folheando demais e Chris avista a foto de uma garota e um recorte de jornal, que ele não pôde ler pois ela fechou rapidamente. Numa falsa tosse, para quebrar o clima, ela diz:
— Chegaram — ela inclina a cabeça.
Jesse Brittany, vestindo uma jaqueta escura de couro acompanhado de seu irmão Castiel, com o abdômen enfaixado e vestindo um casaco com sua mochila em suas costas, com um cabo de madeira escapando para fora do zíper dela. Junto dos dois irmãos, também vem Rebecca, vestindo uma blusa listrada em preto e branco e seu cabelo preso, ela leva uma bolsa lateral consigo.
— Franjinha! — Jesse estende os dois braços e anda em direção a bancada do bar.
— Vai se foder — Ellena mostra o dedo do meio para o garoto que logo abaixa os braços com um sorrisinho de canto e arrumando o banco para que Castiel possa se sentar. Rebecca passa por todos os bancos e senta ao lado esquerdo de Ellena.
— Você melhorou? — Chris se inclina para frente, perguntando ao Castiel.
— Mais ou menos — ele faz um movimento com a mão — mas dá pra andar.
— Que ótimo — Rebecca exclama.
— Vamos andar bastante hoje, tem certeza que aguenta? — Ellena pergunta.
— Ele consegue — Jesse diz, com o braço Envolta do ombro do irmão — eu acredito nele.
— Certo... Christopher — Ellena diz — Tá com as amostras aí na sua mochila?
— Sempre — ele puxa a mochila que se apoiava em seu banco e a coloca em seu colo. Ele abre o zíper e vasculha os sacos plásticos.
— Ô de casa! — Jesse bate palmas, tentando chamar a atenção de Gil; e com sucesso.
Gil sai de uma porta de madeira, com uma touca branca em seu cabelo e um avental meio sujo. Ele se aproxima da bancada, apoia o cotovelo e abre um sorriso.
— Vocês tudo chegaram? Tão cedo assim? Tô bem surpreso! — ele cai na gargalhada.
— Cê viu — diz Castiel.
— Pois é, pois é, mas vem cá — Jesse faz um sinal com os dedos, indicando que o homem chegasse mais perto — Não tem nada aí de comer não? Bebida não enche o bucho.
— HA! Você é dos meus — o homem aponta para o garoto — Vai querer o que?
— Uma porção de fritas! — Castiel levanta a mão.
— Eu também — Rebecca diz, meio encolhida.
— Água — Chris diz, no puro ódio por ainda não ter achado os sacos de plástico.
— Alguma coisa picante pra me acordar — Ellena diz.
— Me vê um hamburgão aí, tio! — Jesse responde ao homem.
— Pra já! — Gil entra pela porta de novo e começa a preparar os pedidos.
— ACHEI! — Chris berra, ao perceber seu grito ele tosse e se porta de novo — Pega.
— Valeu — Ellena pega os dois sacos de plástico, um com uma chave e outro com uma coroa de espinho ensanguentada e com uma etiqueta. A garota observa os dois itens com muita cautela, sem tirá-los do saco.
— "Alguma coisa picante", é? — Jesse pergunta.
— Sim, algum problema?
— Cacete, irmão — ele aponta para seu pulso vazio, como se ali houvesse um relógio — São onze e trinta e seis da manhã.
— Preciso relembrar minhas origens.
— Nasceu da horta, pimentinha?
— Nasci no México, seu idiota.
— MÉXICO? VOCÊ? BRANQUELA DESSE JEITO? — Jesse diz, claramente incrédulo com essa informação.
— Culero — ela passa a mão em sua testa e volta a examinar os objetos.
— Você acha melhor qual das opções? — Chris pergunta a ela.
— Opções?
— A chave é de um lugar, provavelmente da casa da Cora. E nela — ele vira o saco — tem um endereço. Bairro Menistral, número 46. Essa é a opção um. Já a opção dois, é que nós fossemos até o Antiquário, porque aparentemente essa coroa de espinhos veio de lá.
— A opção um é melhor. A casa dela deve tá vazia — Rebecca diz.
— O Antiquário é um comércio, devem ter muitas pessoas lá — Castiel diz — melhor a gente ir lá perto da tardezinha.
— O que caralhos é um antiquário, fantasminha? — Jesse cochicha para Chris.
— É um estabelecimento comercial, uma loja que vende artigos antigos, como por exemplo livros raros, obras de arte, móveis, entre outras coisas — o garoto loiro responde como se fosse um robô.
— Ah, tá! Ainda não tô ligado, mas valeu.
— Então... — Ellena tira a chave endereçada de dentro do saco plástico e a ergue — Casa da Cora.
Os cinco se alimentam de seus pedidos, e agora, de estômagos cheios, se preparam para sair. Mas antes, Gil lhes faz um pedido:
— Podem entregar essa garrafa pro morador de rua da entrada do bar?
— Claro — Jesse pega a garrafa, enquanto todos se levantam para ir embora. Chegando, do outro lado da porta dupla do bar, eles veem um morador de rua encostado na parede do bar, cochilando.
— Acho que é ele — Rebecca diz.
Jesse se aproxima do homem, coloca a garrafa ao lado dele e tira do bolso sua cartela de cigarro. Ele tira um e joga ao lado da garrafa.
— Caso cê precise.
Ellena observa essa cena, ao lado de Castiel.
— Seu irmão... é uma pessoa boa.
— Quando ele quer — Castiel respondeu, abraçando a si mesmo.
— Isso é perceptível — Chris acrescenta, enquanto Jesse se aproxima.
— E, aí? — os quatro o encaram — Quê que foi? Perderam o cu na minha cara?
Rebecca solta uma risada e todos caminham em direção ao endereço de Cora.
Caminhando lentamente, os cinco andam juntos: O encrenqueiro, o irmão do encrenqueiro, a novata, a franjinha e o fantasma. A cada momento que se passa, vai se criando uma conexão entre eles. Até que eles se dão bem. Jesse puxa um cigarro e o acende, enquanto o grupo vira mais uma esquina até se depararem com inúmeros postes com cartazes de uma garota desaparecida. Castiel se aproxima de um dos postes e arranca o cartaz da garota.
— É... — o rosto de Cora está no cartaz — acho que ninguém sabe que ela morreu...
— Mas então quem colocou esses cartazes? — Rebecca diz, apontando até o final da rua — todos esses cartazes?
— Vai ver é um conhecido dela — Jesse traga seu cigarro — ela tinha muitos amigos?
— É o que vamos descobrir ali — Chris aponta para uma das casas — Bairro Menistral, número 46.
— Bingo! — Ellena disse, de braços cruzados — Aí sim, loirinho.
— É Chris.
— Ok. Chris — eles se aproximam da fachada da casa, com um muro de tijolos e um portão relativamente grande. Jesse observa as janelas da casa, se apoiando sobre as grades.
— Não parece ter ninguém, não — ele segura o cigarro com dois dedos.
— E como vamos entrar? — Rebecca questiona, meio baixo.
— Temos a chave, novata — Chris diz, segurando a chave que estava no bolso de seu blazer claro. Ele então a enfia no trinco, enquanto os quatro observam a façanha e quando ele tenta girar o trinco, a chave emperra — Merda.
— Emperrou? — Castiel diz, confuso — Não é essa a chave de casa?
— Tem a chance de ser de algum cômodo importante — Ellena fica pensativa.
— Não vai ter jeito — Jesse dá alguns passos para trás, se preparando para algo — vamos ter que pular esse muro do cacete.
Enquanto Jesse diz essa frase, Castiel avista uma mulher com o semblante cansado, os cabelos longos, segurando várias folhas de papel em sua mão, parecidas com o cartaz de Cora. Imediatamente, Castiel tenta cessar a tentativa de pular o muro.
— JESSE, PERA AÍ — ele entra na frente do irmão, que passa a caminhar ao invés de correr.
— O que? — ele pergunta.
— Olá, senhora! — Rebecca tenta passar por Chris e Ellena e chega até a mulher cansada — Você sabe onde a Cora está?
— AH! — Jesse liga os pontos — Saquei...
— Oh... Não está — a mulher força um sorriso — mas quem são vocês?
— Somos... — Castiel olha para Ellena e Chris que não sabem o que fazer.
— Amigos dela! Ela não foi para a escola ontem, então decidimos vir aqui para ver ela — Rebecca tenta convencer a mulher — Você é a mãe dela?
— Sou... — a mulher suspira de cansaço.
— O que houve? O que é esse tanto de papéis? — Rebecca se diz interessada.
— Bom, eu.. imaginei que já tivessem visto mas — ela ergue um dos cartazes — a Cora não voltou para casa desde terça—feira...
— Isso é sério? Mas como? — os quatro observam a atuação de Rebecca em completo silêncio — Já falou com a polícia? O que você sabe que aconteceu?
— É... o que acham de entrar? Eu posso dizer tudo o que sei até agora pra vocês, talvez vocês até possam me ajudar a achá—la.
— Adoraríamos! — Rebecca diz, tentando alegrar a moça, que abre o portão e entra — Bem, vamos?
Os quatro a observam, incrédulos com tamanha habilidade. Jesse se põe a bater as palmas para a garota:
— Tá de parabéns, você é muito pilantra, viu?
— Mandou bem demais — Castiel diz, fazendo um sinal de OK com as mãos.
— Obrigado? — ela diz, num sorriso de canto meio envergonhado.
O grupo inteiro adentra na humilde residência da mãe da estudante assassinada. Haviam coisas de muito valor, a casa em si era vazia até demais, e a melancolia da mulher era a única coisa que preenchia o ambiente.
— Podem se sentar em alguma cadeira, ou tanto faz — ela se sentou.
— Aqui sempre foi tão — Castiel olha ao redor — silencioso?
— Se for o que parece... — a moça suspira — é só impressão.
— Seu nome? — Chris pergunta, com os dedos entrelaçados, enquanto Ellena se prepara para escrever.
— Adriana Alves.
— Dona Adriana... — Rebecca disse — o que foi que aconteceu com a Cora?
— Sumiu... ela não é de sumir desse jeito, ela se escondia quando era pequena, mas era por que brincávamos de esconde—esconde.
— Ela gostava de brincar? — Ellena perguntou para a mulher, segurando o caderno pequeno em sua mão.
— Bastante — a mulher disse brincando com o anel de seu dedo — inclusive com o pai dela.
— E... — Castiel olha para o rosto de seus amigos — pra onde é que ele foi?
— Ele resolveu me deixar com ela, foi embora mas eu sei onde ele está agora. O dono daquele bar aqui da esquina vem cuidando dele há umas semanas.
Os quatro se encaram, raciocinando a mesma coisa e obviamente o Jesse foi o único que não entendeu a linguagem de sinais. E então, uma voz meio rouca chama pela mulher, vinda do quintal da casa.
— Adriana! — a voz chama por ela.
— Ai, de novo... — ela se levanta e numa corridinha, chega até a porta dos fundos. Ellena então diz:
— Vão com ela — ela mostra a chave com o endereço — talvez seja a chave do quarto da garota. Eu preciso conferir.
— Eu vou com você, então — Castiel diz — eles vão saber resolver a situação lá.
— A gente vai fazer o que? — Jesse pergunta, de pé e com seus braços cruzados.
— SÓ VÃO COM A MULHER, CACETE — Ellena cochicha alto, cheia de raiva.
— Vem, novata e grandão — Chris dá alguns passos até a porta dos fundos.
— Cuida do meu irmão, loirinho — Castiel fala encostado numa viga da casa — não deixa ele fazer merda.
— Pode deixar — ele faz um sinal com a cabeça.
— Vocês sabem que eu tô ouvindo, né não? — Jesse dá alguns passos.
Ellena e Castiel chegam na sala de estar completamente vazia e pouco iluminada. Um carpete branco cobre boa parte do chão do cômodo e dois sofás relativamente grandes estão acolchoados. Castiel vai direto até uma das bancadas e abre uma das gavetas, tirando de lá um colar de pérolas junto de outros vários anéis que ele colocou em sua bolsa.
— Que merda é essa? — Ellena cochichou para o garoto.
— Que? — Castiel se vira, de coluna meio corcunda e confuso — Que foi?
— Cê tá roubando a casa de uma DESCONHECIDA?!
— Ela tá em estado de luto, não vai ligar pra um colar nem pra uns anéis.
Ellena cogita contrariar o garoto mas só se vira, completamente reta, e sobe os degraus da escada.
— Ei! Me espera — Castiel fecha o zíper da mochila — não quero ficar sozinho.
Enquanto isso, no quintal da casa, Adriana cobre a si mesma com seu agasalho cinza e se aproxima da cerca. Chris, Rebecca e Jesse se aproximam logo atrás da mulher, e podem avistar uma senhorinha de cabelos loiros encaracolados do outro lado da cerca.
— Cala a boca dessa criança, Adriana! — a senhorinha diz, sem paciência — eu já estou cansada de escutar esse choro.
— Choro? — Chris pergunta.
— Não há choro algum, dona Hilda. Por que não volta pra sua casa e descansa?
— Como eu vou descansar com esse maldito choro atrapalhando meu descanso, Adriana? ME DIGA, COMO? — a senhora grita e berra.
— Eu não tô escutando nada — Jesse diz, procurando por algum som que se assemelhe ao de um choro de criança — É, nada mesmo.
— Eu... — Rebecca diz encarando os garotos, enquanto Adriana convence a senhorinha — Eu tô escutando, eu consigo escutar...
Ela escuta um predominante som de choro em sua consciência, que parece ecoar para todos, um som nítido de choro infantil misturado com cochichos incompreendidos pela garota. Ela tampa as próprias orelhas com a palma das mãos e começa a adentrar num leve desespero, que Chris percebe.
— Ei..? — o garoto loiro fala.
A audição da garota parece estar abafada, os cochichos invadem sua mente mesmo de orelhas tapadas. Sua visão fica aguçada, seus olhos tremem, ela olha para todo canto que pode sem mover a cabeça. Ela tenta, quase inconscientemente, compreender o que lhe é cochichado, que tipo de mensagem estão a entregando, ou o que são essas frases, mas ela não consegue. Por algum bom motivo, esse som a deixa inerte, sem movimento algum além de sua tremedeira, o que preocupa e muito o loiro investigador.
— Novat... — ele cessa a própria fala antes da hora, e então segura nos ombros da garota a colocando um pouco para trás — ... Rebecca. Ei. Rebecca, você me escuta?
A garota permanece com os olhos esbugalhados, totalmente fora de si, sem que consiga dizer uma palavra sequer. Chris olha para Jesse, que não entendeu muito bem a situação, mas claramente ficou preocupado.
— O que ela tem? — Jesse pergunta meio baixo; para que Adriana não escute a conversa deles e tente resolver a situação com a senhora, que por sinal, insiste em dizer que não aguenta mais ouvir o som de alguma criança específica.
— Ela... tá escutando algo — Chris parece ter ligado os pontos na própria cabeça enquanto encarava o garoto com cigarro entre os dedos. Tem alguma coisa nesse quintal fazendo o som do choro de criança. Onde? Ele pensou — Jesse, procura por alguma coisa que normalmente choraria.
— Que porra de frase é essa?!
— SÓ PROCURA — Chris cochicha alto enquanto investiga o perímetro.
— Por favor. Só cale a boca dessa criança, Adriana. Senão eu chamo a policia — dona Hilda disse, num claro tom de ameaça.
— Claro... uma boa tarde — Adriana assentiu, abaixou a cabeça e então se virou.
Chris se aproxima da moça e, com um semblante de dúvida e inquietação diz:
— A senhora tem algum bebê em casa?
— Ah, não, não tenho bebê nenhum — ela responde — mas a dona Hilda insiste em dizer que tenho.
Chris esboçou uma reação completamente inédita, uma reação facial que estampava em sua testa a frase: o que caralhos está acontecendo. E então, agachado perto da quina da cerca do quintal da casa, Jesse chama pelo loiro, que se aproxima.
— Isso parece... normal pra você? — Jesse pergunta ao garoto, enquanto apontava para uma fossa, uma espécie de buraco, ou túnel, completamente escuro.
— Me parece, mas sabe o que claramente não parece? QUE ISSO FAÇA QUALQUER TIPO DE CHORO DE... — um som interrompe a fala do garoto, um som que precisa de atenção, que ganhou toda a atenção de Christopher, um som de choro de bebê que ecoa de dentro da fossa, junto de cochichos incompreensíveis de fundo. Chris cai de joelhos e se apoia na borda do buraco, prestando atenção.
— Você ouve? — ele perguntou.
— Não — Jesse responde, estranhamente sério.
— Você... — Rebecca diz ao Chris abaixado, que se vira para a garota com o semblante assustado, com lágrimas em seu rosto e destampando as orelhas — Você tá escutando também?
Enquanto isso, de frente para a porta de um quarto do segundo andar, estão Ellena e Castiel. Ellena segura a chave endereçada em sua mão pálida e encara Castiel.
— Não vai abrir não? — Castiel pergunta, completamente pilhado pela situação, tanto no sentido de empolgação quanto no sentido de levar pérolas consigo. Ellena só bufa para o garoto, como uma clara resposta de que esperava outro tipo de diálogo, daquele tipo "estamos prestes a descobrir o próximo passo", mas Castiel pensa diferente dela, ele pensa na grana e nos amigos, não na missão. A garota de franja então, abre a porta do quarto e quando entram, percebem que é de fato o quarto de Cora Alves. Pôsteres de bandas, incluindo Radiohead, uma cama com fronha preta, uma parede cinza misturado com tons em roxo, prateleira infestada de livros de terror e suspense, seus inúmeros all—stars enfileirados um ao lado do outro. O típico quarto de uma adolescente diferente. Castiel junta as mãos e diz:
— Me desculpa por mexer nas suas coisas, Cora — logo depois, abre as gavetas do quarto e procura por algo de valor. Enquanto ele faz a limpa na gaveta, Ellena investiga a prateleira repleta de clássicos do terror.
— Frankenstein, O Iluminado, Psicose, Drácula, O Exorcista... Ela gosta mesmo de terror — Ellena diz, folheando as capas amedrontadoras.
— Puta que pariu... Vem cá ver isso aqui — Castiel chama a garota enquanto segura uma folha de papel — É a porra de um documento policial.
— O quê? — Ellena fica genuinamente surpresa e se aproxima.
É de fato um documento policial, com o nome inteiro de Cora, uma foto sua com o rosto juvenil, e alguns pontos importantes. A passagem pela polícia faz jus a um tráfico de drogas, ela entregou para um homem designado Rogerio Batista, na região do Acampamento Abigail, no fim do ano de 2018.
— Caralho, isso que é Plot Twist... — Ellena diz boquiaberta, após ler o documento inteiro.
— Eu não consigo acreditar que ela fez uma coisa dessas — os dois se encaram — ela era criança, mano.
— Parece que ela tinha alguns problemas, mas por que ela fez isso?
— Vamos ter que descobrir... — Castiel aponta o dedo para a parte do texto em que diz "perto do Acampamento Abigail" — sabemos um dos próximos destinos.
Ellena concorda e dá mais uma olhada na gaveta e vê uma foto com uma carta endereçada a uma Vanessa. A foto é de Cora com uma outra garota, de pele morena e cabelos lisos castanhos. As duas se abraçam em frente à uma placa que diz "Bem vindo ao Acampamento!". O texto da carta diz:
"Dia 6 de dezembro de 2018
Que merda! Não imaginei que passar uma semana com você seria tão incrível. Eu esperava que no primeiro dia já teria me enjoado, mas ontem tivemos aquela conversa... quer dizer que nos gostamos? Eu não faço ideia, se bem que eu nunca achei os garotos a coisa mais linda do mundo. Mas isso faz de mim lésbica? A minha mãe me mataria se soubesse, já meu pai, ia estar pouco se fodendo. Vanessa, isso não é um não, ok? Na verdade, é um dos maiores "sim" que eu já disse na minha vida. Acho que eu realmente te amo!"
— Acampamento Abigail — Ellena olha para a foto, logo depois de ler a carta, e então olha nos olhos de Castiel — O que foi que aconteceu naquele lugar?

Incógnito: Parte UmOnde histórias criam vida. Descubra agora