Não consigo ver claramente, está distante. Mas sei que a perceberei de forma nítida dentro de alguns segundos.
É uma garotinha. Refiro-me a ela como Mirana, devido à sua pele extraordinariamente pálida, assemelhando-se à neve pela falta de cor. Seus cabelos curtos, alcançando os ombros, são escuros, como a escuridão da noite. Mirana não deve ter mais do que quatro anos, uma menina adorável. Seria ainda mais encantadora se não estivesse dirigindo-se à floresta sombria e negra, da qual eu temia até pensar.
Apenas observo Mirana caminhar vagarosamente, e é nesse ponto que começo a vocalizar como em todos os outros sonhos; clamo para que retorne à sua moradia, para que dê meia-volta e esqueça aquela floresta. A menina, no entanto, prossegue desconsiderando a grama verde e o céu límpido atrás de si para adentrar aquela floresta onde os troncos das árvores são escuros e quase sem folhas em seus galhos; onde há lama; onde a visibilidade é turva; onde poderiam existir inúmeras criaturas ocultas atrás das árvores robustas. Percebo que nenhum som emana de minha boca, estou em uma barreira invisível, incapaz de alcançá-la e, muito menos, de ouvir minha própria voz.
Mirana continua com seus olhos fixos na mata fechada, enquanto meus apelos são ignorados. Interrompo minhas tentativas de comunicação assim que ela chega à entrada da floresta. Os troncos começam a envolver seus pequenos e frágeis braços. Começo a notar os arranhões em meus braços, causados pelos galhos espinhosos das árvores; a dor não é de modo algum reconfortante. Para agravar minha situação, eles estão desempenhando um trabalho notável ao enroscarem-se em seus braços e agora, em suas pernas, esmagando-as como gelatina.
Sorte sua que ela é habilidosa, evitando que alguns galhos a segurem, e mesmo quando o fazem, ela consegue se libertar facilmente, com seus braços mais fortes do que os de uma criança comum de quatro anos. Consegue dar pequenos passos, mas logo escorrega. Sinto o gosto de barro em minha boca, cuspo, e Mirana faz o mesmo. Ela se levanta, e assim se desenrola a longa jornada.
Quando parece finalmente ser o fim, percebo na pequena garotinha que seu rosto não está mais branco e sem cor, está repleto de expressão. Agora tem a cor da lama grudenta que tanto me incomoda em meu rosto; há também algumas folhas secas presas em sua roupa. Um vestido dourado com diversos detalhes bonitos. Dá para imaginar como ele está agora, depois de um banho de lama.
Mirana cai em mais um buraco, seus olhos já não estão mais destemidos como antes; estão cansados e fracos. Ela utiliza todas as forças que tem para emergir daquela última fissura, arrancando de mim mais um grito silencioso. Assim que ela sai, é assediada por insetos, uma avalanche que deixa marcas em seu rosto; e, em mim, a agonia. Esfrego com as mãos, aumentando ainda mais a dor.
Logo após os insetos, surgem os sapos repulsivos que pulam sobre ela, começam a morder seus braços e a espalhar uma gosma por cima deles, como se os meus já não estivessem doendo o suficiente! De repente, o sonho acelera consideravelmente, e eu não sou mais a observadora. Eu sou Mirana.
Minha respiração acelera, como se o ar estivesse se esgotando de meus pulmões. As pernas doem, e todos os músculos parecem endurecer, sei que é o fim. Logo irei acordar em minha cama, mas agora parece tão distante.
Uma sombra emerge no solo, ela veste um manto negro como breu, suas mãos são esqueletos, e eu me encho de agonia ao vê-las possuírem. O medo me atinge, procuro algum lugar para onde possa fugir, mas meus pés estão cravados no chão; não conseguiria escapar da sombra esquelética.
A Sombra se ergue do solo, de um momento para outro, não é mais uma sombra, está diante de mim. Mesmo sem conseguir ver seu rosto devido ao capuz que cobre completamente sua face, percebo a escuridão quando se aproxima; sinto medo e ouço meus gritos abafados indicando meu desespero.
Subitamente, os dedos esqueléticos avançam em minha direção. Procuro novamente uma saída, mas sei que não há. Então faço a única coisa que posso fazer: caio no chão, mal sentindo minhas pernas que, provavelmente, devem estar sangrando. As mãos esqueléticas agora estão em meu nariz.
Assim que percebo o toque frio dos ossos em minha pele, sinto dor, uma dor indescritível - pior que tomar algo amargo, pior que levar uma mordida de animal, pior que quebrar um osso. É como um veneno em minha pele que, à medida que se espalha, faz arder todo o meu corpo, deixando-me imóvel.
Agora, sim, seria o sofrimento, mas fico contente por ser Mirana e não a espectadora, porque neste exato momento minha pele está se desprendendo de mim, descolando-se junto com minha carne, e sendo sugada pela Sombra Esquelética.
Os dedos que anteriormente eram esqueléticos agora estão com a carne e a pele perfeitamente brancas. Posso sentir a respiração pesada da Sombra; ela retira o dedo do meu nariz. Vestida de preto com sua longa capa, tenho quase certeza de que ela está rindo de mim por debaixo do capuz, talvez por eu ser tola ao vir até aqui só para perecer. Meu corpo (ou o que restou dele) está caído no chão; a sensação de queimação passou, agora vem o vazio, como se eu estivesse oca. Não consigo piscar e nem fechar os olhos. Agradeço por isso, assim não preciso ver meu estado lamentável. Vejo a Sombra levar as mãos até o capuz, sei que ela vai retirá-lo, e uma pontinha de alegria surge em mim; vou conseguir ver o rosto da Sombra. Sim, finalmente vou descobrir quem é. Seus dedos brancos já estão abaixando o capuz.
Mesmo na escuridão da noite, percebo perfeitamente o teto acima de minha cabeça. A cor branca, neste momento, parece amedrontadora, então faço o que sempre faço quando tenho pesadelos: agarro os lençóis com minhas mãos suadas e tento controlar minha respiração ofegante. Conto até dez; preciso me acalmar.
Nunca descobri quem é a Sombra.
Até agora.
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As Crônicas de Mia
Science Fiction"Mia, aos dezessete anos, enfrenta pesadelos. Em uma vida longe do convencional, seus pais adotivos vivem em constante conflito, e seu irmão permanece distante. Seu refúgio se encontra no térreo do prédio, até que uma discussão familiar a empurra pa...