As mágicas proibidas

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Verana era da família real da casa de Almada. Ethos nunca fora uma terra de paz. Sua linhagem mal chegara ao trono depois que o tio morrera sem deixar herdeiros. Nas torres do castelo de Salamandra fora iniciada às artes ocultas da magia. O grande Hadamar, mago do velho mundo lhe ensinara tudo que sabia. Sua especialidade eram as plantas híbridas, espíritos humanos que por magia se fundiam com plantas na tentativa de imortalidade. Mas como ela mesmo descobriu, isso nunca tinha sido conseguido. E acima de tudo gostaria de mostrar ao seu mestre que conseguiria tal proeza e ainda se tornar rainha, derrotando o irmão.

Caminhando pela floresta seca, a maga procurava algo para concretizar seu novo plano. Apenas as corujas voavam naquela assolação a procura de pequenos roedores que corriam pelas folhas caídas. O vento gelado costumeiro continuava a andar por ali, tudo era feio, mas em meio ao emaranhado de galhos secos, uma planta resistia, com suas folhas verdes e, flores que desabrochavam ao anoitecer para alegria das mariposas.

─ Alma Verde, pequena insolente!... - disse Verana ao avistá-la.Um cheiro doce e sublime foi exalado antes que um espírito se mostrasse.

─ Não se cansa de perturbar o meu ser, sua bruxa miserável?! - irritou-se o espírito que caminhava sobre as folhas.

─ Como você é medroso. - riu a jovem.

─ Medroso?... - parecia desafiá-la. De súbito pulou sobre a jovem e apertando forte seu pescoço, ameaçou-lhe tirar a vida.

─ Não podes me matar. - disse Verana mostrando o sinal que tinha no pulso.

O símbolo era um círculo com três ramos de plantas místicas. Estas eram Frondosa, Alma Verde e Lírio Negro. As três eram odiadas pelas criaturas daquela região, pois diferente dos outros seres elas se comunicavam com qualquer humano não iniciado nos mistérios mágicos.

─ Vejo que se lembrou de mim... Mas não sei se poderei ajudá-la. Sua Mestra e senhora pode ver todo o vale Almíscar... Entretanto... Nos meus domínios ninguém é capaz de entrar! - disse o espírito erguendo a maga pela gola de seu vestido.

─ Uma folha é tudo o que lhe peço... Trouxe o sangue de que tanto gosta. - exibiu o frasco de perfume.

Apesar de ser um espírito calmo, Alma Verde também tinha apreço pelo sangue dos nobres. Há séculos ninguém lhe dava nada de comer. Verana com toda certeza tinha planos audaciosos para aquela noite. Pegando o vaso da mão da moça, admirou-o como uma joia rara e preciosa, abrindo, pôde sentir o cheiro que tanto lhe dava forças e poder. Com sua mão direita o espírito pegou um de seus espinhos e arranhou o rosto da maga; como se abençoasse sua nova aliada disse:

"Dos teus olhos brotam as chamas e com elas destruirás o rei."

Apenas três gotas de sangue poderiam ser dadas a Alma Verde, pois do contrario se tornaria um espírito corrompido e inservível às bruxas ocultistas, este, contente, devolveu o resto do frasco para que a jovem realizasse seu intento sagaz.Lírio Negro era tão perigoso que apenas um ramo seco era suficiente para corromper um coração não iniciado nas artes ocultas. Verana era quase mestra em maior grau e por este fato não sentia medo em manipular seu veneno. A Bela do caminho teria um papel fundamental para destruir o Vale Almíscar, mas por se tratar de um espírito metade humano, qualquer descuido poderia significar a morte para a maga.

***

Desde que fora nomeado diretor da biblioteca, Pérgamo não parava de pensar nos acontecimentos que mestre Palma lhe relatara.

─ Onde já se viu? Quem pode ajudar um rei que esconde as coisas de seu conselheiro espiritual. Um verdadeiro ultraje, meu caro Amadeus. - disse o jovem com expressão de reprovação.

─ Não é muito sábio mesmo - tentou emendar Amadeus - Mas convenhamos que o rei nunca foi realmente preparado para tamanha tarefa. Ouvi rumores no laboratório de biologia...

Neste momento, Palma adentrou o grande biblioteca e parecia realmente preocupado.

─ Não te aconselho a ficar repetindo os rumores que ouve, jovem bobo da corte. - Amadeus contraiu os lábios e arregalou os olhos - Esseno de Ventura é um desmiolado - concluiu Palma.

Amadeus fora incumbido de entregar as cartas aos nobres do sul do vale. Passando os envelopes para o rapaz, Palma ordenou que ele não desviasse do caminho do pombal e, se alguma reclamação fosse ouvida, ele estaria realmente encrencado. O corpulento e pândego aprendiz imitava a voz do velho mestre e fazia com que as moças que limpavam o pátio interno rissem descontroladamente.

─ Esse nosso rei é um biruta mesmo - pensou alto.

─ Quem é o biruta, rolha de poço? - inquiriu o guarda que passava atrás do rapaz.

Um frio tomou a espinha do pobre coitado, sua boca grande poderia terminar de colocá-lo na masmorra da torre. Respirando fundo e procurando manter a calma o jovem disse:

─ Olá capitão, estou levando essas cartas para o pombal, um dia corrido. Se tivesse tempo ficaria aqui para conversar, mas adeus. - apressou-se.

Detido pela mão do capitão que repousou em seu ombro quando ele virara, sentiu sua vida realmente encrencada.

─ Pensei ter ouvido o jovenzinho chamar o nosso rei de biruta. Você sabe que muitos foram presos por menos. - o capitão sentenciou.

"Deus, como pude nascer com uma boca tão grande? - lamentava o rapaz em pensamento." Um grande silêncio se fez e Amadeus suava frio e mudava de cor como se fosse um camaleão. De repente para sua surpresa, observou um sorriso se formar no rosto do homem.

─ Mas hoje estou de bom humor... - disse e depois fez uma pausa dramática - vá entregar suas cartinhas, antes que eu mude de ideia.

Amadeus nunca temera tanto um encontro com o mau e terrível Hector, guarda real e também farsante que se achava lorde. Certa vez ele mesmo presenciara uma cena chocante onde o temido capitão escorraçara o barão de Olivença por causa de dívidas com a coroa. Se com os nobres não dispensava a truculência, com os plebeus ele limpava os pés.

***

Na biblioteca a conversa entre Palma e Pérgamo tomava dimensões inimagináveis. Tudo demonstrava que o rei deveria sair dali o mais rápido possível. Louco e imbecil eram os adjetivos preferidos de Pérgamo para se referir ao rei. Nunca vira tamanha sandice nas ações de um nobre como aquele. Já não bastava ter matado o próprio irmão, agora queria matar o povo com sua teimosia em permanecer no poder. Os olhares dos homens eram perdidos e eles não tinham outra alternativa a não ser esperar que encontrassem alguém de coração puro que realmente quisesse ajudar o rei.

Desanimado e realmente cansado daquele debate que não os levaria a lugar algum, Palma entregou um mapa para Pérgamo a fim de que ele fosse para a ilha de Vanilla além do vale da desolação.

─ O senhor não pode estar falando sério! - irritou-se Pérgamo.

─ Nunca falei tão sério em toda minha vida - disse tranquilamente. - Os exércitos de Ethos vão nos aniquilar se o rei esboçar um contra-ataque. A nossa melhor chance é buscar nesse cantão das terras do velho mundo.

Isso era quase suicídio. Nem os pombos correios voavam aquela distância. Como chegariam aquele lugar?

─ Você é um jovem sábio, por isso confio na tua capacidade de chegar até aí. Não despreze as pessoas que passarem por ti, mas também não confie tanto. O jovem Amadeus será o teu acompanhante.

─ Eu realmente não sei como vamos conseguir vencer tantos obstáculos - desanimou-se o jovem - O deserto do Vilipêndio tem monstros terríveis. As florestas de gelo possuem feiticeiras e lobos...

─ Cale-se e cumpra o que te incumbi. A vida do Vale Almíscar depende do nosso êxito. - sorriu o mestre.

O sonhador, a velha árvore e o reiOnde histórias criam vida. Descubra agora