Não conseguiam se recordar da última vez que viram um dia com o céu claro, ou uma noite estrelada. Florin, o homem da família, mal se lembrava quando as plantações davam alimentos e não precisava ter medo de sair de dentro de sua casa com seus filhos. Há muito tempo, dias — se eles conseguissem ver os dias passando — e noites, eles não possuíam paz. Tudo começou com os desaparecimentos.
Diziam que as pessoas que estavam sumindo, estavam indo para cidades maiores e abandonando o pequeno vilarejo, sem aviso prévio. Depois, as pessoas desapareciam em questão de horas, sem levar nada. E foi quando o primeiro corpo seco e coberto de mordidas de alguma criatura sádica foi encontrado que finalmente entenderam o perigo em que estavam presos. Começaram a não sair de casa sozinhos, apenas em pares ou em trios, com tochas, forquilhas e foices para sua proteção. O que fazia Sanda ficar muito preocupada com seu marido era que Florin era um homem teimoso e andava sozinho de casa em casa para se locomover ao invés de levar seu filho mais velho com ele ou andar com os outros homens do vilarejo.
Para Florin, Sanda estava sendo exagerada. Ele era rápido o suficiente pra não ser pego por seja lá qual era a criatura que estava matando e devorando seus vizinhos. E ele tinha um motivo para sair sozinho, e era exatamente para atrair a maldita besta para perto dele para acabar de uma vez por todas com o terror imposto sobre suas cabeças há tanto tempo. Se achasse, e matasse, a besta, quem não garantia que o céu voltaria ao normal e estariam finalmente livres? Bateu na porta de seu vizinho Costel, que rapidamente o deixou entrar.
— Você realmente precisa parar de fazer isso. Logo quem morre é você.
— Pare de falar asneira. Lenuta, Crina.
A esposa e filha de Costel estavam ocupadas arrumando o único cômodo da casa, mas a mulher sorriu.
— Florin, é bom ver você bem. Como está Sanda? E os meninos?
— Estão bem, estão em casa. Eu apenas vim dar uma olhada em vocês, e saber se alguém mais sumiu.
Costel balançou a cabeça.
— Não, não que eu saiba. Já faz três lenhas que ninguém some.
Como não tinham como contar quanto tempo passava, usavam as lenhas para contar. Florin decidiu já sair de novo, para a surpresa da pequena família.
— Você nem vai ficar pra descansar? Sei que está correndo de uma casa a outra. — questionou a mulher.
— Não terminei de checar todo mundo. Obrigado, e voltarei aqui na volta.
Com isso, abriu a porta e já saiu, o seu amigo e vizinho fechando logo atrás dele. Próxima casa. E a próxima, e a próxima. Muitas das casas estavam vazias, mas já sabia quais estavam com pessoas dentro e quais não estavam, exceto que uma das casas emitia luz quando anteriormente estava vazia.
Se aproximou, abrindo a porta devagar.
— Olá? Tem alguém aí? Sou Florin, eu vim ver se está tudo bem por aqui.
Quando olhou para dentro, porém, viu nada além de um altar decorado com ossos de animais. A casa estava iluminada apenas pelas velas do altar, com uma tigela grande com um líquido escuro. Juntando sua coragem, entrou na casa, se aproximando da tigela e encostando o dedo; a textura não era de um líquido, era pegajoso, grosso, e com um cheiro enjoativo. Contra todo o bom senso, colocou o dedo na boca, sentindo o gosto doce em sua língua. Que estranho, por que isso estaria aqui? E por que esse altar, e em uma das casas vazias do vilarejo? Decidiu pegar a tigela e voltar para a casa de Costel.
— Abra logo a porta! Abra! — gritou, batendo na porta com urgência.
Lenuta quem abriu a porta, muito confusa.
— Florin? O que aconteceu?
— Onde está seu marido?
— Ele acabou de sair, disse que precisava fazer alguma coisa. Você parece tão pálido.
— Uma das casas vazias tinha isso. Eu acho que há uma bruxa por perto!
Estendeu a tigela. Confusa, a mulher pegou, fazendo uma careta pelo cheiro.
— Isso...
— Quando ele voltar, mande ele ir para a minha casa com a tigela. Preciso pegar mais fogo.
— Espere!
Esperar? Por qual motivo? Para deixar que a bruxa escapasse? Não daria sorte ao azar! Correu de volta para casa, abrindo a porta e pegando outra tocha. Mataria a maldita bruxa, seja com fogo ou com sua forquilha, e traria o Sol e a Lua de volta junto com a esperança para seu vilarejo e sua família. Nem sequer percebeu a falta dos filhos e da esposa, já correndo de volta para fora e indo em direção a mesma casa, agora completamente escura.
Não perdeu tempo e entrou com a tocha em mão, iluminando o local. O altar continuava lá, e a tigela havia voltado, com algo grande dentro. Bufou, já imaginando que Costel foi um covarde e colocou a tigela de volta no lugar, ou então Lenuta havia o feito. Pegou a tigela com uma mão só, se surpreendendo com o peso extra e acidentalmente deixando cair no chão e quebrar, espalhar o líquido estranho e agora expondo o que havia dentro da tigela.
Deu um grito. Era a cabeça da pobre mulher! Lenuta, sua amiga, amiga de sua esposa, esposa de seu amigo, agora tinha a cabeça decapitada no chão e coberta daquele líquido doce! Deu outro grito, se virando quando a porta se fechou atrás dele. Começou a esmurrar a porta, chutar, e berrar.
— NÃO! ABRA A PORTA! ABRA A MALDITA PORTA!
Ouviu uma risada atrás de si, olhando. Lá no fundo do cômodo, desde o início, tinha uma sombra na silhueta de uma mulher. Como não a percebeu antes?
— Oh, que pequena mosca tola. Veio direto até mim, provou do meu doce, e agora não pode mais sair. — ela quase cantava em uma voz aveludada.
— DEMÔNIO! MORRA NO FOGO DO INFERNO, EU TE COMANDO! QUE PAGUE PELOS SEUS CRIMES!
Jogou a tocha na direção do altar, ateando fogo. As chamas, porém, não queimaram, e mudaram de cor para um azulado bonito. Agora sim, o rosto bonito e preto com olhos coloridos era visível, com lindas tranças emoldurando seu rosto. Deu um largo sorriso, largo demais para caber em seu rosto, com dentes afiados.
— Você não vai escapar, meu inseto precioso.
Ninguém ouviu os gritos do homem. Ninguém veio ao seu socorro quando as presas afiadas rasgaram sua pele e nem quando ele começou a perder forças conforme o sangue era drenado e a morte levava sua alma. Nunca foi capaz de avisar sobre a besta que estava escondida no vilarejo, se alimentando de cada um dos aldeões, um a um. Quando o sol voltou a nascer, e os guardas apareceram para investigar, não encontraram nada além de casas em ruínas e um estranho melado no chão.
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Drósera
VampireEm 536 d.C., Europa, Oriente Médio e partes da Ásia vivenciaram um notável fenômeno ambiental conhecido como 'noite perpétua da Idade Média'. Esse período, que durou 18 meses, foi caracterizado por uma escuridão contínua, onde o Sol e a Lua aparecia...