Da cama do hospital, Kamia olhava o horizonte através da janela envidraçada, ainda pensava no mega concerto que perdera, há cinco anos, o tempo passa rápido, pensou, nunca mais fora permitida frequentar lugares como um mega concerto por causa do diagnóstico depois do desmaio que teve, CARDIOMEGALIA, esse tem sido o fantasma que tem assombrado Kamia nos últimos anos, e quiçá para o resto da vida, pois a doença não tem cura, e embora Kamia tem passado por uma terapia medicamentosa para diminuir a dor e controlar o alargamento do coração, seu coração alargou-se um pouco mais nos últimos tempos, por isso os efeitos da doença têm sido mais frequentes, e por isso ela estava de volta ao hospital, pela terceira vez nesse mesmo ano, dessa vez foram as escadas, Kamia sentia-se bem por isso achou que podia chegar ao sétimo andar subindo as escadas ignorando o elevador do seu prédio e as recomendações do seu médico "nada de escadas, nem corridas desnecessárias senhorita Kamia", dizia o cardiologista cubano. Quando chegara no sexto andar voltara a desmaiar por falta de ar. Seu único conforto tem sido ver o seu astro ascender de nacional para internacional, pois é, a lusofonia agora venerava o seu homem, Anselmo Ralph, Kamia quase chorou quando assistiu o DVD do astro gravado no campo pequeno, em Lisboa, queria poder sentir o que aquelas tugas estavam a sentir, embora sabia que não podia, pelo menos não com aquele coração. Seu único problema é que agora tinha que dividir seu astro em frações cada vez mais pequenas pois agora não eram só as raparigas angolanas, eram também as raparigas de Moz, as budjurras, algumas Zucas, e claro as tugas, ainda assim seu amor continuava o mesmo, embora descobrira que as palpitações que sentia quando ouvia o astro não era o seu amor por ele, era a cardiomegalia. Nos últimos cinco anos muita coisa mudou, tanto que o país ganhou uma clinica especializada em corações, por coincidência ou estratégia de marketing o nome da clinica é "clinica do coração" e o diferencial deles são a cirurgias de transplante, e embora não tenham realizado nenhuma até agora, existe uma lista de espera, e por coincidência ou vontade do autor, Kamia é a primeira da lista.
Uma enfermeira, daquelas bem eficientes irrompeu quarto adentro carregando uma bandeja, era o almoço de Kamia, chegou chegando já a reclamar que o quarto estava muito abafado, " a menina precisa de ar puro " ralhou, enquanto deslizava as janelas de vidro pra lá, permitindo que o ar fresco e puro invadisse o quarto, Kamia embora também sabia que o quarto estava abafado, sentia preguiça para levantar da cama e abrir a janela, sua cardiomegalia lhe afundara no sedentarismo. O almoço de Kamia fora tão bom que desmitificava mesmo o famoso estereótipo de que comida de hospital é uma porcaria, que por acaso não deixa de ser verdade, com exceção, claro da Clinica do coração. Agora já bem saciada, e livre da enfermeira eficiente e chata, Kamia voltara a contemplar o horizonte através da janela, esta que parecia um pintura paisagística emoldurada, pintada por um pintor vagabundo que pinta para comer, Kamia sorriu do seu próprio pensamento, como podia pensar tal coisa? E depois uma surpresa, uma borboleta pousara na base da janela, elevando aquela pintura ao nível de um clássico da época do renascimento, ainda assim pintado por um pintor vagabundo. Que linda, Kamia reparou, a borboleta era alaranjada em três diferentes tons e com alguns pontinhos pretos como as de uma joaninha, aquela borboleta devia ser de uma espécie com um nome em latim muito engraçado, que linda Kamia voltou a reparar, borboletas são símbolo da transformação, não só por se transformarem de larva para borboletas mas também porque na teoria do caos, as borboletas ganharam um certo protagonismo por causa do EFEITO BORBOLETA, termo que se refere á dependência sensível da condições iniciais no qual uma pequena mudança no estado de um sistema determinante, pode resultar em grandes mudanças posteriormente, essa teoria é acompanhada pela metáfora de que o bater de asas de uma borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e, assim provocar um tufão do outro lado do mundo, ou seja, o bater de asas de uma borboleta em Luanda podia provocar um tufão em Benguela, pois para Kamia Benguela fica do outro lado mundo, alias qualquer lugar fora de luanda fica do outro lado do mundo a seu ver, Kamia não precisou ser uma nerd pra saber tudo isso, foi apenas pela sua paixão á trilogia do cinema "efeito borboleta" onde os protagonistas têm a capacidade de fazer pequenas mudanças em seus passados, mas essas mesmas mudanças acabam transformando drasticamente o presente, e isso torna-se um ciclo vicioso em busca de um presente perfeito, o que é simplesmente impossível graças ao nosso ego insaciável. Que linda, Kamia voltou a reparar.
E se... Kamia hesitou em terminar o raciocínio por um instante, mas depois deus asas a sua imaginação, E se eu afugentasse a borboleta, e o bater das suas asas mudasse o curso da minha história? Pensou, sua excitação diminuíra quando concluiu que aquela era uma ideia estúpida, aborrecida afundou entre os lençóis da cama que de tão pesados Kamia passou a lhes classificar como mantas. A refeição caíra bem á Kamia, tanto que ela estava toda "ensonada", seus olhos estavam pesados, já já adormeceria, mas a ideia de afugentar a borboleta e assim mudar o próprio destino ainda perambulava na sua cabeça, E se der certo? Nunca irei saber se não tentar, e depois dessa Auto motivação, Kamia estava determinada em afugentar a borboleta, mas agora lutava contra o seu sono, parecia estar sob efeito de alguma droga paralisante, não conseguia sair da cama e andar até a janela pois suas pernas estavam dormentes ou se calhar dormindo, ou talvez era só o sedentarismo á falar mais alto, ainda assim aproveitou que os seus braços ainda não haviam caído na dormência, puxou a almofada e a atirou em direção da janela, não necessariamente onde a borboleta estava pois não queria magoar aquela linda criatura, apenas para afugenta-la, o esforço fora tanto que Kamia caiu na cama e o sono levo-a para terra dos sonhos, nem vira mesmo se a sua investida fora bem-sucedida.