Ele estava no seu lugar habitual, encostado ao parapeito da janela olhando o trânsito nervoso lá embaixo. Toda vez que ela o via ali, o que acontecia religiosamente uma vez por semana, ela se perguntava por que ele sempre dispensava o conforto do sofá e preferia ficar em pé olhando pela janela.
– Devo estar te deixando entediada – ele falou.
– De jeito nenhum – ela disse fazendo um gesto vago com as mãos. – Continue, você me paga para isso.
Ele riu.
– Eu quase não me lembro disso. Pra falar a verdade acho que faço questão de esquecer, é deplorável a ideia de que eu te pago para escutar minhas lamentações. É como se eu estivesse traindo meus amigos, contado a você o que deveria despejar nos ouvidos deles.
– Aposto que seus amigos não enxergam isso como traição, eles querem o que é melhor para você – ela retrucou.
– Não banque a esperta – ele disse, finalmente tirando os olhos do trânsito lá em baixo. – Você não conhece meus amigos.
Há meses era sempre a mesma coisa.
– E toda semana eu tenho que ir lá ver a cara de panaca da doutora – ele reclamava sempre que tinha a chance.
Era o trato. Graças à competência do seu advogado a queixa foi retirada, mas em troca ele teria que “se tratar”.
– A dona lá do outro carro achou que isso era melhor do que me obrigar a acertar as contas com a justiça. – Ele contou esta história no mínimo três vezes para cada um dos seus conhecidos. – Ela era uma dessas madames cheias de teorias, desocupadas que ficam caçando o que fazer e enchendo os bolsos de psicólogos, terapeutas e astrólogos. Bom, dane-se! Melhor assim.
Nas primeiras vezes em que foi ao consultório ele gastou cada um dos segundos que permaneceu ali exigindo que a doutora – e era só assim que ele se referia a ela, nunca pelo nome – lhe receitasse um calmante, estava disposto a testar até onde os nervos dela aguentariam. Ele achou que ela fosse se render rápido, acreditava que em pouco tempo ela o expulsaria dali aos berros de que ele nunca mais voltasse e então ele teria uma desculpa para escapar da sua “pena”.
Mas ela era durona e resistiu sem nunca levantar a voz ou proferir um xingamento.
– O senhor não precisa de calmantes – ela dizia.
– Eu quero que a senhora me receite calmantes e eu quero agora – ele exigia num tom de voz alto o bastante para que qualquer um que estivesse naquele prédio escutasse. – Foi para isso que você fez faculdade, para receitar remédio tarja preta a torto e direito, e eu quero a minha receita.
Com o passar do tempo ele detectou um tique nervoso – uma sequência rápida de piscar de olhos e um repuxar no canto dos lábios –, ele julgou que aquele era um sinal claro de que ele estava quase conseguindo tirar a doutora do sério, mas fora este pequeno sinal ela nunca deixava transparecer o quanto aquilo a afetava.
– O senhor poderia, por favor, se acalmar? – ela seguia dizendo.
– Eu me acalmaria se a senhora me desse um calmante – ele retrucava.
Depois de semanas exigindo calmantes e recebendo em troca apenas pedidos para que se acalmasse ele desistiu.
Mas desistir dos calmantes não significava que ele ia deixar barato e não fosse prosseguir fazendo uso de seu estoque de má-criação.
– Quando você destruiu o capô do carro daquela senhora com o extintor de incêndio... – a doutora sempre invocava o mesmo assunto.
E ele sabia que aquilo acabava sempre desaguando num discurso sobre como o ato de transformar o carro em armadura é imprudente e infantil.