O infame

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No grande castelo de Ventura, Mestre Palma arrumava sua montaria, pois, mesmo que o teimoso rei não quisesse, o arrastaria para longe da morte certa.

─ Aonde pensas que vai, Mestre Palma? - perguntou o mordomo do palácio.

─ Cuidar de assuntos de grande magnitude! - resmungou o velho erguendo o dedo indicador para o alto.

Esseno olhava continuamente para o horizonte como se esperasse uma ajuda celeste. Até mesmo as estrelas resolveram desaparecer naquela noite que parecia engolida pelo breu.

Sozinho e como um orgulhoso nobre falido, ele hesitava em aceitar o exílio como a última resposta pelo ato impensado de seu ancestral. Pouco poderia ser feito nesta noite, visto que a esta altura, pensava o rei, exércitos marchavam com os mais bravos e terríveis guerreiros e que provavelmente amanheceria com a cabeça fora do corpo.

─ Meu rei! - disse o velho Mestre ao entrar no aposento do real. As rugas de sua testa se agrupavam, tamanha era sua preocupação.

─ O que há? O exército inimigo já está às portas? - espantou-se o rei.

Muito pior do que qualquer espanto seria ver o reino se consumir em chamas, algo que aconteceria quando a maga Verana chegasse diante a Bela do caminho.

─ Finalmente pude reaver minha fonte d'água, meu rei!... - sorria o velho mago. - Pode parecer tarde, mas em tempo de ver que as chamas consumirão tudo nesta noite! - sentenciou.

─ O que há de novo nisso?! - irritou-se o rei - Estou condenado da mesma forma!

O semblante apático e derrotado do jovem poderia comover até o velho mestre, mas por certo não causaria nenhum efeito sobre Verana, antes sua alegria.

Em seus pensamentos ele voava aos cantões do reino. Sua mãe sempre fora presente e lhe apresentara aos encantos da mágica terra. O mesmo não poderia ser dito do pai. Um rei ganancioso que não poupou o irmão do exílio, isso explicava em grande parte o ódio que o seu primo Victor nutria por ele também.

─ Pare de lamuriar e comportar-se como uma criança! Não vês que se ficardes parado esperando a morte, o mal se instalará para sempre nestas terras? - Alertou o Mestre - Verana em sua cede de poder não irá descansar até que todos sejam destruídos.

Mestre Palma sabia de mais coisas do que aparentava, isso deixava Esseno desconfiado do próprio conselheiro. Alguma hora aquele velhinho decrépito poderia entregá - lo ao próprio inimigo, preocupava-se o rei. Ele nunca fora bom em escolher um lado para jogar e temia que tudo pudesse trabalhar para sua futura ruína.

Convencido no último instante inquiriu do mago o plano de fuga que este havia traçado. Sem cuidar de pormenores, descendo as escadas para os estábulos, tinha em mente apenas se esconder antes que os exércitos chegassem.

***

Viagens não eram o ponto forte de Pérgamo, mas sentia em seu coração que seguir as ordens de seu mestre era a melhor opção que lhe cabia. Ele não escondia a sua insatisfação ao fato de ter que viajar ao lado do nada discreto Amadeus, sua cara gorda e seus cabelos desgrenhados fazia com que sentisse vontade de mandá - lo para uma escolas de boas maneiras. "Como pode ser um aspirante a mestre se não se penteia?" Indagava se Pérgamo.

Sua tarefa era encontrar a tal pessoa de coração puro, algo realmente difícil, sem nenhuma mágica que pudesse ser aplicada... Mas ele se contentaria com algum artefato que brilhasse na presença de um coração sincero ou talvez numa característica física que diferenciasse a pessoa das demais.

Caminhando com uma imensa arca, Amadeus fazia o serviço pesado. "Magricela metido, suas canetas e livros devem ser feitas de pedra" lamuriava-se em pensamento. Para onde iriam e o que encontrariam eram as coisas que pairavam pelo imaginário do aprendiz. Pérgamo e Amadeus eram mais amigos do que vos faço acreditar, mas eles não dividiam o mesmo ponto de vista.

─ Como assim!? - indignava - se Amadeus ao saber o objetivo da viagem - Não creio que aquele mestre senil nos manda achar uma salvação para esse rei desmiolado!

─ Não questione as ordens do seu mestre, Amadeus - disse Pérgamo fazendo um gesto para que o companheiro subisse na carroça.

─ Francamente eu esperava ficar no castelo. O inverno está quase começando e eu preciso do calor da lareira. - resmungava.

─ Eu também não queria me preocupar em como faremos para chegar a Vanilla... mas teremos que ir. - disse Pérgamo num tom melancólico.

Ao som da palavra Vanilla, os olhos de Amadeus saltaram e boquiaberto não consegui articular uma frase coerente.

─ Pare esse carroça! - gritou o rapaz- Você está nos levando para Vanilla? Quer se matar e por cima ainda me levar para assistir? - protestou.

─ Acalme-se Amadeus - pediu Pérgamo - Vamos ter ajuda de muitas pessoas nessa viagem.

Com uma cara das piores possíveis, o jovem corpulento passou as rédeas para o companheiro e seguiram pelo velho caminho que levava ao sul do Vale. Já caíra a noite e eles se distanciavam cada vez mais dos domínios que conheciam.

***

O mal trabalhava incansável e neste momento Verana encontrara sua mestra. Acordada, como se fosse o seu sono o mais leve, questionou a sua jovem aprendiz o porquê da visita a seu espírito irmão.

─ Pensas que podes me enganar Verana de Almada?! - ameaçava a velha árvore.

─ Oh não, minha mestra! - ajoelhava-se a maga. Os espíritos se conhecem e sabem da existência dos seguidores dos seus pares. Assim não haveria como esconder a visita aos domínios de Vitorino.─ Um ente da família sempre sabe o que o outro precisa e empreende qualquer esforço para que se encontre bem. - argumentou a jovem.

A falácia fora aceita e, agora, era preciso demover a árvore de sua soberba pra que ela a ajudasse neste plano tão audaz, que seria incendiar uma vasta terra, tão grande, que seria duvidoso seu sucesso.

Colocando o ramo de Lírio Negro e a folha de Alma Verde no tronco da velha árvore, invocou os mistérios ocultos do fogo que não se apagava. Despejando o sangue do frasco sobre a terra, iniciava o encanto.

A destruição caminha a paços largos. Como num canto ritualístico antigo a jovem bruxa começou a dizer "Mistérios da noite, ocultos sempre fostes... Não tardem a escutar aquele que te invoca. Uma chama, um fogo que não se apaga... alastre-se por todo o reino como uma terrível praga".

Enquanto Esseno fugia na companhia de seu fiel conselheiro, uma névoa brotava dos campos secos como se anunciasse a destruição. Os cavalos pararam sozinhos, e amedrontados pelo que pareciam ver, começaram a relinchar e desorientados não sabiam para onde ir.

Estendendo sua mão para a estrada, Palma, ordenou que o mal se afastasse. A aparente calmaria tranquilizou o coração do rei, mas para sua surpresa chamas como as de uma caldeira, ardentes e indomáveis lançaram-se da terra para consumir toda a relva seca. Admirável, não fosse o fato de ser um poder maligno.

A infâmia era o nome pelo qual chamariam o rei fugitivo.

Seus inimigos triunfaram e sua vergonha era a sina que o perseguiria por muitos anos até que conseguisse voltar ao seu lugar de direito. Bela do caminho finalmente destruíra o último rei que a tratava como aberração da escuridão.

Coroada como rainha de uma nova era para o vale que agora se chamaria Escuridão dos Dias. Antes que o rei pudesse deixar seus domínios, como uma sombra, a árvore apareceu no seu caminho. Apesar de Palma ter ordenado para o mal se afastar ela não se intimidava e quis deste fazer o último assombro que perturbaria o resto dos dias de Esseno. Apenas um riso pérfido pôde ser ouvido diante as chamas que iluminavam a estrada real. Com uma expressão de raiva em seu rosto, o rei, não temeu esta aparição, antes, jurou vingança em nome de seu trono.

***

Ah, eu podia sentir que eles voltariam. Esseno nunca foi do tipo de rei que fuja de uma batalha. Eu via uma turva nuvem de esperança nos olhares daqueles que ousaram me acordar.

O sonhador, a velha árvore e o reiOnde histórias criam vida. Descubra agora