"Tenho dormido por muito tempo em uma noite escura de 20 anos, mas agora eu vejo a luz do sol. Apenas a luz do sol".
Aquele lugar era o oposto de onde Morana esperava ir depois que estivesse morta. Em vez de um abismo infinito de dor e punição pelo o que tinha feito com todas aquelas pessoas que matou, era apenas... luz. Uma luz suave e dourada. Gentil e agradável. Era calmo e relaxante, e ela não queria estar em nenhum outro lugar. Sua alma sentiu um tipo de paz que ela nunca sentira antes.
Mas havia algo dentro dela que sentia que ainda não era hora de perseguir aquele dourado relaxante. Algo angustiante que a puxava para o outro lado. Não sabia o que era — e foi impedida de descobrir quando sentiu alguém agarrar seu pulso suavemente e a atravessar pela luz dourada.
Morana piscou e abriu os olhos. Estava em uma colina verde em um terreno exuberante e agradável. Um panapaná de borboletas voavam perto dela, próximas a um lago cristalino que ficava no sopé da colina. O sol brilhava num céu azul límpido e infinito. Era o lugar mais lindo que Morana já tinha visto.
— Olá — uma voz feminina soou atrás dela.
Morana se virou, vendo uma mulher parada atrás dela. Tinha olhos dourados, era pálida e tinha cabelos platinados com mechas coloridas. Morana estreitou os olhos para ela. Já a tinha visto antes. Em um dos quadros de fotos na casa de Bryce. Se lembrava dela. Das histórias dela e da Bryce. Era...
— Danika!
A loba sorriu, como se estivesse contente que ela soubesse quem a loba era.
— Então você sabe quem eu sou?
— Você é a melhor amiga da Bryce e parceira do Baxian — Danika sorriu, assentindo. Morana olhou para ela e mordeu os lábios. — Mas você está morta...
— Sim, eu estou morta.
— Eu... e-eu estou morta? — seus olhos arderam, cheios de lágrimas. — E-eu morri, Danika?
Um sorriso pequeno, complacente e triste, se abriu no rosto da loba.
— Sim, querida. Você está morta.
Ela respirou fundo, engolindo o choro. Sentiu o ar fresco e doce e notou o toque de sal, um indício de um mar por perto.
— E a minha família? — era tudo o que importava para ela.
Danika olhou para algo no peito dela. Morana seguiu o olhar. Baixou os olhos para o próprio peito, para a corrente de ouro fina que segurava o delicado relicário de ouro e o pingente que Ithan um dia a presenteara. Ela pegou o relicário entre os dedos e o abriu com cuidado.
A foto da família dela ainda estava ali. Eles estavam todos juntos, reunidos no cais negro, quando os pais dos irmãos dela foram buscá-los. Foi o tritão quem tirou a foto para eles. Morana estava no meio dos irmãos com Sunny no colo, enquanto Ruhn e Lidia estavam atrás deles, com os braços abertos mantendo-os em um abraço grande de família.
Lágrimas escorreram pelos seus olhos ao olhar para o rosto da família perfeita que tivera, da família que amava. Olhou para o próprio rosto, notando a felicidade que brilhava em seu rosto, em seus olhos dourados. Estava tão feliz e em êxtase naquele dia que mal conseguiu conter os poderes e deixou que seu fogo serpenteasse para fora dela, cobrindo toda a família como num segundo abraço. Como numa armadura. As chamas dela entravam em contraste com o próprio Sol ao fundo da imagem.
Deslizou o polegar pela foto, sentindo o peito se encher com a saudade deles.
— O seu lugar é aqui agora. Sinto muito que tudo tenha acabado tão rápido — Danika lamentou, colocando uma mão em seu ombro. — Você vai viver comigo e com a minha Matilha. Você faz parte dessa família agora. Você nunca mais vai estar sozinha.
— Eles vão ficar bem? — ela perguntou. Danika olhou para a foto dentro do relicário e apertou o ombro dela.
— Eles sempre sentirão sua falta, e em alguns dias você vai sentir a saudade deles chamando por você, quase como uma coisa física... mas vai se acostumar. O luto é isso: você se acostuma com a falta que aquela pessoa faz, mesmo que seja a cada segundo do dia.
— E eu vou vê-los outra vez?
— Algum dia, sim. Todas as almas que te amam irão te encontrar aqui. — Morana ergueu os olhos para Danika.
— Mas... como?
Danika abriu um sorriso suave para ela, gentil, acariciando sua bochecha quando disse:
— Porque o que é feito de amor nunca pode ser destruído — então sorriu com mais profundidade, se curvando na altura de Morana quando disse: — Por amor, tudo é possível.
Morana acreditou nela.
Sabia que por amor, tudo seria possível.
Morana conheceu Connor, irmão de Ithan. Ele a tratava como uma irmã, tão preocupado com ela quanto um dia Flynn, Tharion e Declan haviam sido. Ela conheceu Lehabah e tinha chorado de emoção quando viu o corpinho gordinho da duende tão parecido com o de Malana. Lehabah era a nova melhor amiga dela, alguém que gostava bastante de passar o tempo ao lado dela perambulando pela floresta e pregando peças com a Danika — alguém que passou a amá-la com o mesmo amor que Lidia sentia por ela.
Ela era amada entre os outros integrantes da Matilha dos Demônios, todos gostavam dela como se Morana também fosse parte deles — porque ela era. Morana encontrou um tipo de paz ali, rodeada por novas pessoas que lhe entregava o mesmo tipo de amor de quando estava com a primeira família dela.
E, nesse lugar, Morana tinha as asas inteiras de volta. Podia voar livremente sempre que quisesse. Ela acompanhava os pássaros de um lado a outro, e quase sempre deixava Danika de cabelos em pé quando a loba via Morana fechar as asas e mergulhar do céu em direção ao chão. O que mais gostava de fazer era voar.
Voar com a mesma liberdade que sempre sonhou ter.
Morana era feliz ali, mesmo que houvesse um tipo de melancolia vivendo dentro dela diariamente. Alguns dias aquela saudade era pesada, brutal, quase como se estivesse tentando puxá-la para outro lugar, como Danika tinha explicado. Era a saudade da família dela, por ela.
E, nesses dias, Morana passava um bom tempo longe dos amigos olhando a foto no relicário que veio com ela. Ela se lembrava de dias felizes e cheios de amor. Mas, acima de tudo, Morana sempre, sempre, se lembrava de olhos dourados e um sorriso bonito. Eram os olhos da mãe dela. Do verdadeiro amor dela.
Depois de tudo o que tinha passado — toda a solidão e a crueldade —, Morana acreditava que o amor era preto e branco. Mas era dourado, descobriu.
Dourado como a mãe dela.
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✓ 𝑵𝒐𝒃𝒐𝒅𝒚'𝒔 𝑫𝒂𝒖𝒈𝒉𝒕𝒆𝒓 | (𝐶𝐶𝐼𝑇𝑌 𝑎𝑓𝑡𝑒𝑟 𝐻𝑂𝐹𝐴𝑆)
FanficMorana não tinha um sobrenome, não tinha uma história, não tinha um passado nem um futuro. Tudo o que sabia era que fora abandonada ainda recém nascida e enviada para um dos navios-cidades controlados pela Rainha do Oceano. Aos doze anos, após um in...